Tipografia sem limites: a identidade letrista nos muros de Bauru
Em mais uma reportagem da série #Balbúrdia, Vitor Camilo, estudante de Design na Unesp Bauru, apresenta sua pesquisa sobre anúncios escritos à mão no Geisel, Estoril e Centro
Publicado em 27 de junho de 2019
Por Bibiana Garrido
A série #Balbúrdia do Jornal Dois traz pesquisas e trabalhos das universidades de Bauru. O objetivo é divulgar a produção de conhecimento acadêmico, bem como produtos e serviços desses ambientes como retorno para a sociedade. Dois capítulos já foram publicados: primeiro, um minimanual para o jornalismo humanizado, e depois, um livro-reportagem que conta a história do maior lar de meninas do interior do Estado de São Paulo.
Nesse terceiro episódio, vamos falar da pesquisa de Vitor Camilo, que apresentou nesta semana seu trabalho de conclusão de curso sobre a tipografia popular de Bauru. Tipografia vernacular ou tipografia popular é o nome que se dá às letras pintadas à mão em cartazes, placas e muros.
Vitor chegou na cidade em 2014. Nascido e criado em Assis, cerca de 180 quilômetros de Bauru, o estudante começou a se interessar por letramentos durante o curso de Design na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e resolveu pesquisar o tema mais a fundo.
“Embora eu sempre tivesse uma afeição por essas letras pintadas, eu não sabia que existia uma área de pesquisa sobre isso. São três ou quatro grandes pesquisadores no Brasil que se dedicam ao assunto, e reparei que não tinha nada que falasse sobre isso em Bauru”, explica Vitor. As pesquisadoras de referência para o trabalho dele são Fátima Finizola, Fernanda de Abreu Cardoso e a orientadora Ana Beatriz Andrade.
Desde 2016 o estudante trabalha no projeto. Definiu recortes da pesquisa e mergulhou nas teorias para fundamentar a produção científica a partir do cenário letrista que havia encontrado por aqui.
A formação da identidade bauruense é resgatada no trabalho, que passa pelo fim da ferrovia, o surgimento de nomes como “cidade universitária”, “cidade no coração de São Paulo” e até o Bauruzinho. “Tentaram trazer várias coisas para o símbolo identitário da cidade e não deu certo, e acabaram deixando de lado manifestações culturais que são autênticas”, analisa Vitor. Junto das expressões culturais populares, as letras compõem características de Bauru com as quais “a mídia hegemônica [grande mídia], a alta sociedade, e até mesmo o design oficial, não se importam”.
Para começar a parte prática de sua pesquisa, o designer selecionou três regiões da cidade: Geisel, Estoril e Centro. A escolha foi feita para comparar as diferentes condições de vida em seus aspectos financeiros e sociais, além do nível de atividade comercial. “É uma parte do cenário da cidade. Mesmo em bairros ricos, existe uma certa quantidade de pinturas à mão, só que isso, se não é rejeitado pela elite, é repreendido. Não é mostrado como uma parte do panorama cultural”, comenta o pesquisador.
Vitor foi aos locais em alguns domingos fotografar as tipografias nos bairros, de bicicleta. A câmera utilizada foi emprestada pela própria universidade.
“A essência da tipografia popular é ser produzida por pessoas de um estrato social menos favorecido, que não tiveram acesso à educação do design oficial”, cita Vitor, em referência à Fátima Finizola, uma das pesquisadoras na qual baseou seu trabalho. Por “design oficial” ele quer dizer os cursos oferecidos em cenários técnicos, de escolas especializadas e de universidades. Os letramentos de tipografia popular costumam ser de finalidade comercial, mas podem ter expressões poéticas. Um exemplo é o Gentileza, no Rio de Janeiro.
Em Bauru, os letramentos mais encontrados foram do tipo “grotesco”, ou seja, com letras geométricas e inspiradas em fontes como Helvetica e Arial, e do tipo “letras gordas”, de fontes pessoais de cada pintor. Quanto à cor, as pinturas seguem padrões de uso com vermelho, azul e amarelo, preto e branco, sendo as tipografias em preto e vermelho bastante encontradas.
As tipografias populares bauruenses, segundo a conclusão da pesquisa, têm uma tendência à seguir letras do design oficial. “Falei com um pintor daqui, e ele comentou que tem um projeto padrão caso o cliente não tenha uma ideia pronta. Mas quando ele começou isso era muito mais comum, mas hoje o cliente já chega com uma fonte que ele vê na internet, e cabe ao pintor replicar à mão”, compartilha o designer, que conversou com pintores locais para entender melhor essa profissão. Em comparação às demandas de design oficial, com cartazes feitos em arte digital, os pintores relataram ao pesquisador que a busca pelo trabalho dos letristas em muros não diminuiu, atribuindo o fato ao menor custo do serviço.
Na comparação entre os letramentos encontrados pelos bairros, o Geisel foi o único lugar em que Vitor encontrou letras baseadas nas romanas clássicas, como a Times New, e letras amadoras. Foi também o local de maior variação de cores. No Centro, mais da metade dos exemplares coletados tinham algum tipo de decoração, como sublinhados e ilustrações. No Estoril, a comunicação foi de cores mais sóbrias e sem elementos adicionais. Foram, ao todo, 107 artes documentadas de maneira equiparada nas três regiões.
“É uma manifestação autêntica, de certa forma espontânea, é uma forma de design que vem do povo independente das influências que se tem”, argumenta Vitor. Seu trabalho está disponível para consulta por meio de fotos publicadas no Instagram Tipografia Sem Limites.
Expandir a atuação para outros bairros da cidade está nos planos do designer, que irá apresentar a pesquisa em dois congressos, o Encuentro de Diseño, em Buenos Aires, na Argentina, para o qual ainda busca recursos para bancar a viagem, e o Congic – Congresso Internacional de Design da Informação, em Belo Horizonte. A ideia é inserir a pesquisa no projeto Memória Gráfica Brasileira, que conta com pesquisadores de diversas regiões do país atuando em levantamentos de tipografia popular, e, quem sabe, ingressar em um curso de Mestrado na pós-graduação.
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