Redução de salas do ensino noturno dificulta vida de estudantes que trabalham

Secretaria da Educação nega fechamento de turmas e alega baixa procura; preocupação de professores é que mais jovens desistam de estudar

Publicado em 28 de novembro de 2019

Escola Estadual Guia Lopes, na Vila Dutra, tem reduzido vagas para salas de ensino noturno do Ensino Médio (Foto: Lucas Mendes / Jornal Dois)
Por Lucas Mendes

Três quilômetros separam as escolas Guia Lopes, na Vila Dutra, e Stela Machado, na Vila Pacífico. A maior parte do trecho, feito na avenida Elias Miguel Maluf, não tem calçada nem iluminação noturna. Saindo a pé da Dutra, no extremo oeste de Bauru, leva mais ou menos 40 minutos para chegar até o Stela.

A partir de 2020, essas preocupações vão fazer parte da vida de estudantes de ensino médio da rede estadual de ensino. No ano que vem, o Guia Lopes não vai oferecer o primeiro ano noturno do ensino médio, e o terceiro, que hoje tem duas turmas, passará a ter uma. Stela Machado é a escola mais próxima a oferecer ensino noturno nessas turmas.

Do outro lado da cidade, na zona leste, o problema se repete. A escola Sueli Sé Rosa, no Conjunto Habitacional Isaura Pitta Garms, também deixou de oferecer o primeiro ano noturno. A escola mais próxima com ensino médio à noite é a Padre Antonio Jorge Lima no Nobuji Nagasawa, a 3,5 km de distância.

“É complicado”, diz Lavínia Montanher, de 15 anos, estudante do primeiro ano noturno na Padre Antonio. Ela trabalha como estoquista numa loja de roupas no centro e, saindo do emprego, vai para a escola de ônibus.

“Minha casa é ao lado do Sueli Sé Rosa. Eu estudava lá e, se pudesse, continuaria. A gente que precisa trabalhar em período integral tem que estudar à noite, senão não consegue estudar”.

Estudo e trabalho

Casos como o de Lavínia são frequentes entre os alunos que estudam no período da noite, seja porque trabalham de dia ou por terem que cuidar de irmãos menores enquanto os pais trabalham.

Ingridy Ribeiro, de 16 anos, mora a três quadras da Sueli Sé Rosa e também precisa ir até o Padre Antonio para estudar. Até o dia 8 de agosto assistia aulas na Sueli, mas começou a trabalhar durante o dia, das 9h às 18h, na loja de iogurtes do tio, no Parque Jaraguá. 

“Vou com a minha mãe de carro, pois não tem como eu pegar um ônibus pro centro e depois um pra escola. Não dá tempo”.

A estudante contou que gostaria de voltar a estudar do lado de casa. “Dá um sentimento de indignação porque a escola é tão perto da minha casa e eu não posso frequentar”.

A situação do Brasil e de Bauru, em especial, faz com que muitos jovens tenham que trabalhar para ajudar a compor o orçamento familiar. Na cidade, assim como no país, a crise econômica teve impacto direto nas vagas de emprego.

Entre 2015 e 2017 foram fechados 8.276 postos de trabalho em Bauru. A cidade ainda não se recuperou dessa perda. De 2018 até hoje foram abertas 4.898 vagas, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

Quase 12 mil bauruenses deixaram de ter alguma ocupação entre 2014 e 2016, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Junto com a necessidade de ajudar financeiramente suas famílias, os estudantes de Bauru também participam do Consórcio Intermunicipal da Promoção Social (CIPS), uma organização não governamental que promove atividades educativas e capacitação profissional, focados na preparação do jovem ao primeiro emprego.

“Nossa maior preocupação é que esses alunos, quando saem do nono ano, eles já saem com emprego, porque são atendidos pelo CIPS. E aí com a diminuição de vagas de ensino noturno eles vão ter que optar: ou trabalham ou estudam”, disse uma professora da rede estadual que pediu para não ser identificada.

Conforme relatou a professora, atualmente a escola Guia Lopes só não atende mais alunos à noite porque durante 2019 as vagas foram diminuindo, devido a um remanejamento de alunos para o período da manhã, “sem atender nenhuma necessidade do bairro”. “Eles atrelaram a matrícula noturna ao aluno estar trabalhando e isso não está previsto em nenhum momento na lei”, frisou.

Baixa procura?

“Acho que a escola poderia reabrir o noturno porque tem várias pessoas que estão tendo que se locomover para outras escolas”, relatou Ingridy. Sua colega no Padre Antonio, Lavínia concorda que as escolas deveriam se adequar melhor à realidade dos adolescentes: “Nem todos os empregos têm disponibilidade para só a parte da manhã ou da tarde, a maioria é em período integral, por isso é muito importante ter o período noturno”.

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo informou que no Guia Lopes o que ocorre é uma “adequação” à procura, que diminuiu, segundo sua assessoria. O órgão ressalta que é possível abrir mais turmas, caso a procura de alunos pelo ensino noturno seja suficiente para fechar salas inteiras. 

“Quando alegam que não houve procura, é uma grande mentira”, dispara a professora ouvida pela reportagem. 

O Jornal Dois teve acesso a uma ficha de matrícula da rede estadual de ensino. No documento não existe a opção pelo ensino noturno, o que pode influenciar a família na hora da matrícula e refletir ao final em uma procura menor pelo ensino noturno – baseado na quantidade de matrículas para o período.

Ficha de matrícula tem opções para vários projetos de ensino, mas não diferencia os períodos. Segundo professores, em anos anteriores essa informação estava disponível (Foto: Jornal Dois)

“Tem muito aluno indo lá na escola e perguntando se haverá o noturno e eles dizem que não, simplesmente, e que deveria procurar outra escola”, conta a professora.

Legalmente não existe um critério mínimo estabelecido para se abrir uma sala de aula. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) regulamenta a educação nacional e dá autonomia a estados e municípios para organizarem seus sistemas de ensino. Uma portaria do Conselho Nacional de Educação estipula que no Ensino Médio deve haver, no máximo, 35 alunos por professor.

“O critério legal é que a lei considera que todos têm direito ao acesso à educação gratuita”, explica Marcos Chagas, professor e representante da Apeoesp, o sindicato dos professores da rede estadual de ensino.

“O que eles consideram pra abrir uma sala?” questiona. “Ela precisa estar lotada? Qual é o critério para estabelecer a demanda? Uma turma é a partir de quantos alunos? Se existem dez alunos no bairro que precisam estudar à noite, o que eles fazem com esses dez alunos? Se não tiver mais alunos para preencher as vagas eles perdem o direito de estudar ali? O direito à educação desses dez está condicionado a existir outros interessados?”.

Para Chagas, o controle que a Secretaria da Educação faz sobre a demanda de alunos levanta dúvidas por ser um sistema fechado e sem transparência nos dados. Além disso, a alegação de que há uma baixa procura pelo ensino noturno, demonstra uma postura “extremamente passiva do governo”. 

O desmonte é um projeto

Em 2016 o Governo de São Paulo publicou uma resolução que aumentou a possibilidade de lotação por sala na rede estadual. No Ensino Médio, o número de alunos permitidos por sala passou de 40 para 44.

Na visão do representante da Apeoesp as ações do governo, como a diminuição das turmas no ensino noturno e a lotação de salas faz parte de um “projeto muito claro de desmonte da educação pública”.

Manifestação no Christino Cabral reuniu cerca de 100 pessoas, em dezembro de 2017 (Foto: Bibiana Garrido / Jornal Dois)

Em Bauru, no final de 2017, professores, estudantes e pais se manifestaram em frente à Escola Christino Cabral, no Jardim Estoril II. O protesto reivindicava mais debate sobre a implementação da proposta de Escola em Tempo Integral, considerado um projeto para “fechar salas de aula”. O modelo passou a valer na escola a partir de 2018.

Em maio de 2019, professores, funcionários e alunos da escola Ernesto Monte, no centro, paralisaram as atividades por um dia, alegando falta de funcionários e “abandono” da Diretoria de Ensino e do governo. 

Em agosto, o conselho escolar da Stela Machado, formado por pais, funcionários, professores, diretores e alunos, recusou a implantação do ensino integral na unidade.

“É um projeto de fechar escola, lotar salas e não se importar com quantidade de alunos que estão pra fora”, protesta Marcos. 

O professor ressalta que na região do Ipiranga, Terra Branca e Ouro Verde não existem escolas públicas que funcionam à noite. “É um projeto de abrir espaço para os setores privados”, completa.