Reajuste anual da tarifa de ônibus em Bauru: centavos que pesam no bolso de trabalhadores

Preço das passagens segue histórico com 90% de aumento nos últimos nove anos

Reportagem publicada em 29 de novembro de 2017

 

Linha Parque Jaraguá em ponto de ônibus do Jd. Estoril (Foto: Bibiana Garrido/JORNAL DOIS)

Por Bibiana Garrido e Lucas Mendes

No final de julho deste ano o prefeito de Bauru, Clodoaldo Gazzetta (PSD), decretou o reajuste nos preços das tarifas do transporte público municipal. A mudança foi de 5 centavos para a passagem paga em dinheiro e 15 centavos na tarifa paga com cartão. Esse reajuste representa uma despesa de mais de R$ 400,00 por mês, por pessoa, para grande parte da população que pega 4 ônibus por dia, de acordo com pesquisas de deslocamento urbano da Secretaria de Planejamento (SEPLAN).

Entre 2008 e 2017 a tarifa cresceu 90%, segundo dados da Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru (Emdurb), que gere o transporte público na cidade. No mesmo período, a inflação acumulada foi de 74%, o que demonstra que o reajuste está sendo feito acima da inflação.

Em Bauru, o perfil do usuário do transporte público é bem definido. Dos passageiros que usam ônibus, 73,7% têm renda de até 2 salários mínimos e mais da metade dos usuários usam o ônibus para chegar ao trabalho, segundo pesquisa encomendada pela Emdurb em junho de 2013.

Para Denilson, 41 anos, a passagem está muito cara. Enquanto conversamos na linha Granja Ito/Pq. Jaraguá, ele conta que pega 2 ônibus para ir ao trabalho e mais 2 para voltar para casa, pagando a tarifa no cartão integrado. O trabalhador tem o cartão de ônibus porque a empresa paga o vale transporte: “eles descontam 112 reais do meu salário, mas agora vai aumentar esse desconto também. A gente tem que se manifestar para ver se abaixa”, comenta o bauruense. Para ele, o prefeito promete melhorias para a cidade e não cumpre.

 

Maior parte da população de Bauru está localizada nas zonas periféricas, muitas vezes longe de locais de trabalho, escolas e hospitais, afastadas do centro da cidade (Fonte: SEPLAN, 2017)

 

A tarifa alta é o motivo de maior preocupação para quem anda de ônibus, sendo esse o índice mais mal avaliado da Emdurb, com 80% de desaprovação. Além disso, problemas com a lotação dos coletivos e o elevado tempo de espera aparecem como queixas constantes na pesquisa.

Questionado sobre as reclamações, o gerente de transporte coletivo da Emdurb Victor Rocha Silveira declara: “Estamos sempre acompanhando e fazendo adequações nos horários e itinerários. O sistema está em constante mudança para atender melhor os usuários”.

Maria Leilane, 22 anos, é estudante recém-formada que mora próximo à Unesp e agora trabalha no Jardim Contorno. “Pego dois ônibus por dia, um para ir e outro para voltar, então o aumento da tarifa não afeta muito”, diz. Na casa de Maria Leilane, que também tem descontado do seu salário o vale transporte, todo mundo anda de ônibus circular.

Cálculo da tarifa

Um sistema de transporte coletivo pode ser definido a partir de duas despesas: os custos de capital (capex) e custos de operação (opex). O capex representa os gastos da instalação do sistema de transporte, enquanto o opex é o custo fixo de circulação das linhas de ônibus, conforme artigo de Lúcio Gregori, ex-secretário dos transportes da capital São Paulo e autor da proposta Tarifa Zero.

É comum o aumento no preço das passagens ser justificado com a explicação de que houve uma diminuição do número de passageiros. Mas isso não deve ser levado em conta. Dado um serviço estabelecido, o seu custo é fixo em relação às pessoas transportadas: com dez ou quarenta usuários a bordo, o ônibus percorre o mesmo trajeto.

 

Desde 2008 a tarifa aumentou 90% na cidade de Bauru, o que causou uma na queda do número de usuários de ônibus apesar de iniciativas como o passe cidadão para pessoas com mais de 65 anos (Dados: EMDURB, 2017)

 

A base de cálculo das tarifas de transporte público urbano no Brasil é a planilha de Instruções Práticas e Atualizadas do Grupo de Estudos para a Integração da Política de Transporte (GEIPOT), criada pela Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes em 1982 e revisada em 1994 e 1996. Essa planilha está defasada, pois calcula o custo do serviço no exato momento de análise: vinte anos atrás.

Essa planilha usa análises simples e estatísticas que levam a uma degradação dos sistemas de ônibus por parte de empresas que tem como objetivo o lucro em vez da qualidade do serviço e do bem-estar dos passageiros. Os desequilíbrios gerados pela inflação, aumento do preço de combustíveis e eventuais reparos, acabam sendo totalmente repassados para o custo da passagem. Quem acaba pagando é a população.

É um ciclo vicioso: se o número de passageiros cai, seja por conta das más condições do transporte público, seja porque a tarifa está alta, a resposta das empresas de ônibus é justamente repassar os custos de operação para os usuários restantes. Nesse caso, o contratante (passageiro) continua pagando por falhas no serviço do contratado (empresa).

 

Segundo dados da Emdurb, em 2017 a média mensal de usuários de ônibus diminuiu 11% em relação à média mensal de passageiros no ano de 2016. (Foto: Bibiana Garrido/JORNAL DOIS)

 

Em entrevista para o JORNAL DOIS, Victor Rocha Silveira, que é gerente de transporte coletivo da Emdurb, reafirma que todo cálculo tarifário é feito com base na planilha do governo. “Todo ano as empresas operadoras solicitam o reequilíbrio financeiro, pois existem aumentos no diesel, salário de motoristas, renovação da frota, investimentos tecnológicos, além de melhorias no sistema”, explica o gerente.

Direito e segregação

Na Constituição Federal o transporte é entendido como um direito social, ao lado da educação, saúde, trabalho e moradia. É tarefa dos municípios brasileiros organizar e executar o transporte coletivo, pois é um serviço público de interesse local e de caráter essencial, como dito na própria Constituição em seu Título I, Capítulo II; Título II, Capítulo II e III.

Ainda deve ser levado em conta que o transporte público é instrumento para garantir o ‘Direito à Cidade’, possibilitando a locomoção e a apropriação do espaço urbano pelas pessoas. Dificultar o acesso ao transporte público é uma forma de negar o acesso à própria cidade.

Não se pode deixar de mencionar que a política habitacional aplicada no município reforça a lógica de exclusão. O processo de periferização da população mais pobre leva conjuntos habitacionais para as bordas da cidade, muitas vezes sem infraestrutura adequada. Nesses locais, quando chegam as linhas de ônibus, elas contribuem para viagens mais longas e, por consequência, mais caras, estabelecendo “um quadro de deterioração da mobilidade e qualidade de vida nas cidades”, como aponta a Proposta de Barateamento das Tarifas do Transporte Público Urbano, estudo de 2006 feito pelo Ministério das Cidades.

Pela cidade de Bauru os trajetos de ônibus de maior destaque são os que levam até o centro expandido e a região sul — zonas com grandes avenidas e forte presença de comércio e serviços. Quase 23% das viagens de ônibus vão para essa região na hora de pico da manhã. A alta atração de viagens nessa área também se deve aos serviços de empregos domésticos (diaristas, porteiros, seguranças) em edifícios e condomínios, como apontou o Plano de Transporte Coletivo (PTC), encomendado pela EMDURB em 2014.

 

A produção e atração de deslocamentos parte das bordas para o centro da cidade, uma viagem diária para a maioria da população bauruense (Fonte: SEPLAN, 2017)

 

Essa realidade fica mais complicada quando se constata o padrão de expansão urbana e ocupação do solo que existe hoje em Bauru, com muitos condomínios residenciais de alto e médio padrão nas áreas mais periféricas. “A necessidade de atender pelo modo coletivo as viagens das pessoas que trabalham em tais locais imporá desafios na organização da oferta do serviço de transporte coletivo”, alerta o PTC.

Ao fazer a concessão do transporte público para empresas privadas, o município passa sua responsabilidade para os empresários e acaba se afastando do processo de regulação. Segundo requerimento do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), encaminhado ao prefeito Gazzetta no início de julho, a prefeitura de Bauru não tem “estrutura técnica apropriada para calcular a tarifa de ônibus”, fazendo com que não seja claramente comprovada a necessidade do reajuste solicitado pelas empresas do setor.