A onda conservadora: os ataques da direita nos quatro cantos do mundo
Regimes militares. Fanatismo religioso. Racismo, xenofobia e etnocentrismo. Violência policial. Capitalismo. Conheça 20 países que vivenciam o fortalecimento da direita política hoje
Publicado em 8 de novembro de 2019
Por Arthur Castro, colunista do Jornal Dois
Os governos de direita se apresentam de diferentes maneiras, sob uma diversidade de discursos e até programas políticos divergentes, mas, em comum, representam a hierarquia, a autoridade e a ordem estabelecida.
Ao longo desse texto, vou percorrer rapidamente 20 países que vivenciam o fortalecimento da direita mais radical e brutal. É importante destacar que isso não ocorre apenas nesses locais, mas atinge todos os cinco continentes. Vocês também vão perceber que nem todas as direitas são parecidas, e se apresentam de muitas formas e inclusive buscando objetivos até mesmo contraditórios.
1. Colômbia
Um país devastado por conflitos armados, e dividido entre dois partidos de direita: o Liberal e o Conservador. O segundo, hoje no poder com Ivan Duque, tem como principal liderança o ex-presidente Álvaro Uribe, um linha-dura militarista que defende repressão com punhos de aço.
Em 2016, o país votou um Acordo de Paz para pôr fim no conflito com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARCs), uma organização marxista. Os uribistas fizeram uma campanha pesada para manter a guerra, se fortalecendo com o apoio das igrejas neopentecostais.
A direita possui conexões com as Autodefesas Unidas da Colômbia, uma organização paramilitar responsável por milhares de assassinatos e estupros, e seu principal alvo são os movimentos populares, em especial as lideranças camponesas que enfrentam o poder dos latifundiários locais.
2. Chile
Por muitos anos o Chile viveu uma ditadura militar dirigida por Augusto Pinochet. Além de ser responsável pelo assassinato de mais de 3 mil pessoas, o regime aplicou pela primeira vez o programa do neoliberalismo: destruiu os direitos trabalhistas e privatizou os serviços públicos.
Até hoje existem saudosistas desse período, como José Antônio Kast, pinochetista que lançou candidatura a presidência, sem muito sucesso, e apoiou então o governo do atual presidente Sebastian Piñera. O pinochetismo segue presente no país chileno, e sua rearticulação pode se tornar uma ameaça maior no futuro.
3. Brasil
Assim como o Chile, possuímos uma extrema direita saudosista do militarismo. Ao contrário dele, ela já chegou ao poder. Jair Bolsonaro conseguiu se estabelecer através de uma aliança entre as Bancadas do Boi, da Bala e da Bíblia com importantes setores do mercado financeiro e grupos de seguidores de Olavo de Carvalho.
Ultraconservador nos costumes e liberal na economia, o Bolsonarismo tem como principal inimigo a esquerda brasileira, os movimentos da classe trabalhadora, as mulheres, a comunidade LGBT+, os povos indígenas e a população negra.
Junto com as direitas colombiana, chilena e de outros países da América Latina, dão apoio e sustento para a próxima da lista.
4. Venezuela
Desde que Hugo Chávez, militar de esquerda, chegou ao poder, as elites venezuelanas nunca cansaram de tentar aplicar golpes. Já apresentaram diversas lideranças: Henrique Caprilles, Leopoldo López e, mais recentemente, Juan Guaidó.
A direita venezuelana, alinhada aos Estados Unidos, deseja derrubar o atual presidente Nicolás Maduro para poder aplicar os programas de livre mercado, em especial a privatização da PDVSA, a estatal de petróleo do país.
Uma das táticas mais usadas são as guarimbas, barricadas organizadas em locais estratégicos para paralisar as cidades através de combates violentos. Setores militares também já mudaram de lado, inclusive promovendo ataques com helicópteros.
5. EUA
Em 2016, contra todas as expectativas, Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos, através do conservador Partido Republicano. Sua eleição foi marcada por denúncias de fraude devido ao roubo de dados realizado pela Cambridge Analytica e pelo estrategista Steve Bannon, empresa responsável por manipular o eleitorado pelas redes sociais. Bannon, inclusive, construiu um movimento internacional que dá suporte à outras lideranças de direita, como o já citado Bolsonaro.
Entre as diversas organizações de extrema direita norte-americanas podemos citar os Patriotas (teóricos da conspiração anticomunistas), os libertaristas (ultraliberais, incluindo “anarcocapitalistas”), a Ku Klux Klan (organização supremacista branca) e diversos grupos neonazistas e fundamentalistas religiosos, em especial evangélicos. Há ainda as militâncias radicais como o movimento Tea Party e a Alt-Right (“Direita Alternativa”).
6. Reino Unido
Também em 2016, os britânicos votaram pela saída da União Europeia¹, motivados por uma campanha xenofóbica que alertava para os riscos de ingresso em massa de imigrantes no país. Uma das principais lideranças foi o radical Nigel Farage, aliado de Bannon.
Isso forçou uma guinada do principal partido de direita, o Partido Conservador, à radicalização, tendo chegado ao topo Boris Johson, uma versão local do próprio Trump. Johson já afirmou que africanos possuem pouca inteligência e inúmeras vezes elogiou o passado colonial ingles.
O crescimento de organizações ultranacionalistas já resultou em atentados no país, como o assassinato da deputada trabalhista Jo Cox.
7. Espanha
O povo catalão (assim como outros, como os bascos) iniciou um processo de luta pela independência. Os catalães não se veem como espanhóis, e querem fundar seu próprio país, a Catalunha, e isso irritou profundamente o nacionalismo de direita espanhol.
Incapazes de atenderem ao discurso radical, os partidos de centro-direita, PP e Ciudadanos, começaram a perder espaço para o Vox, uma extrema direita católica, machista e LGBTfóbica, que reivindica a herança franquista.
Francisco Franco foi um ditador fascista que governou a Espanha por décadas (inclusive com apoio de Hitler e Mussolini para chegar ao poder), e é visto com simpatia pela militância do Vox, que cresce nas intenções eleitorais sob o discurso de “Espanha Unida”.
8. França
Quando as colônias francesas da África lutaram por independência, como a Argélia, nasceram organizações de extrema direita contrárias a isso. Delas veio a Frente Nacional (hoje, Reunificação Nacional), liderada pela família Le Pen.
A extrema direita francesa já chegou ao segundo turno duas vezes, mas nunca conseguiu a presidência. Seu principal discurso é a oposição aos imigrantes, além da militarização do país. Criticam o liberalismo econômico, a União Europeia e defendem um nacionalismo conservador.
A atual dirigente do partido, Marine Le Pen, é alinhada à Bannon e saudou a vitória de Jair Bolsonaro em 2018. Seu pai, Jean-Marie Le Pen, fundador do partido, já relativizou o Holocausto e disse que o Ebola (uma doença mortal) seria uma solução para a África.
9. Alemanha
Em 2015 explodiu o Pegida (Patriotas contra a Islamização do Ocidente), um movimento de extrema direita que acreditava que os muçulmanos pretendiam dominar a Europa. Seu nascimento ocorreu em terras alemães, e ligado ao movimento neonazista.
As principais lideranças da extrema direita alemã já usaram referenciais nazistas, inclusive o lema “Sangue e Solo”. Os dois partidos principais são o AfD (Alternativa para a Alemanha) e o Partido Nacional Democrata, mas até mesmo lideranças da União Democrata Cristã (atual governo) vem se alinhando ao radicalismo conservador.
Recentemente, foi descoberto conspirações infiltradas dentro do Exército, além de grupos com forte armamento. Esse ano, pessoas próximas da Sinagoga de Halle foram vítimas de um atentado de extrema direita que resultou em dois mortos.
10. Itália
O partido da extrema direita Liga, de Matteo Salvini, havia conseguido chegar ao poder em uma coligação com o centrista Cinco Estrelas mas, após tentar um golpe, acabou fora do governo. Salvini é aliado de Bolsonaro e de Bannon, reuniu uma série de declarações racistas e inclusive citou Benito Mussolini.
No país também há o crescimento de organizações abertamente fascistas, como a Casa Pound, que reúne milhares de apoiadores e tenta organizar a população sem teto, dizendo que não possuem casa devido aos imigrantes.
11. Polônia
Em 2015 chegou ao governo polonês o Partido Lei e Justiça, de extrema direita. É ligado ao conservadorismo católico e iniciou um movimento ultranacionalista no país, tendo principalmente as mulheres e os imigrantes como alvo.
O presidente Andrzej Duda e Jaroslaw Kaczynski, líder do partido, começaram um controle das instituições do país, incluindo o judiciário e a mídia, solidificando uma caminha autoritária no coração da Europa. Os demais países europeus, contudo, toleram a extrema direita polonesa pois a veem como uma aliada contra a Rússia.
12. Hungria
O primeiro-ministro húngaro é Viktor Órban, um nacionalista de direita aliado de Vladimir Putin, na Rússia, e de Jair Bolsonaro, no Brasil. Com um discurso racista e xenofóbico, chegou ao poder e deu início a uma escalada autoritária no país. Foi alvo de protestos populares após aprovar uma Reforma Trabalhista que destruiria os poucos direitos da classe trabalhadora.
No país também há o crescimento do partido Jobbik, de inspiração fascista, e o surgimento de milícias armadas de extrema direita. É o principal parceiro, hoje, de Steve Bannon.
13. Rússia
Vladimir Putin, do partido Rússia Unida, chegou ao poder com um programa nacionalista após o desastre neoliberal de Iéltsin. Após quase duas décadas no poder, se tornou o símbolo do nacionalismo de direita no mundo.
Na Rússia, LGBT+ são proibidos de aparecer na televisão, e nas ruas são caçados por grupos extremistas. A lei permite ao marido agredir a esposa uma vez por mês. Minorias étnico-raciais são caçadas por organizações supremacistas brancas.
Um dos grandes articuladores do neofascismo russo é Aleksandr Dugin, que intermedia as boas relações russas (e o dinheiro russo) com a extrema direita europeia, incluindo na França e na Alemanha. Também se suspeita que a Rússia atuou para garantir a eleição de Trump nos EUA.
14. Turquia
Recep Tayyip Erdogan é presidente pelo Partido da Justiça e Desenvolvimento, e alinhado à Irmandade Muçulmana, uma organização fundamentalista islâmica sunita mundial, da qual também fazem parte o Hamas palestino e milícias rebeldes sírias.
Erdogan, aliado do neofascista MHP, atua com pulso firme contra os movimentos de esquerda turca e, principalmente, contra a minoria curda. Recentemente, a Turquia organizou um ataque contra a Revolução Curda no norte da Síria.
15. Israel
Desde sua origem, o país israelense se estrutura sobre o Apartheid do povo palestino. Mas recentemente isso foi intensificado com o governo do ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, do partido Likud. Ele construiu uma coligação envolvendo a direita nacionalista e a direita religiosa.
A extrema-direita nacionalista está organizada principalmente em torno do Yisrael Beiteinu, de Avigdor Lieberman, com um projeto racista de limpeza étnica contra a população árabe. Já a extrema-direita religiosa está dividida entre vários partidos, como o Shas e o Agudat Israel, que defendem o fundamentalismo judaico ortodoxo.
16. Índia
O atual governo indiano está nas mãos de Narendra Modi, do Partido Bharatiya Janata. De orientação de Hindutva, defende um nacionalismo conservador inspirado na religião hindu, que defendia uma Índia religiosa e promove a perseguição de minorias religiosas, como muçulmanos.
Os fundamentalistas hindus também defendem o sistema de castas², o antifeminismo e o antissocialismo. Inclusive, uma das principais oposições ao regime são as milícias maoístas que realizam uma guerra de guerrilha.
17. Japão
Desde que foi derrotado na Segunda Guerra, o país foi proibido de construir exército, mas isso vem mudando com o crescimento da direita japonesa, da qual faz parte o primeiro-ministro Shinzo Abe, do Partido Liberal-Democrata.
Além de promover o revisionismo da História japonesa, ocultando os crimes cometidos contra chineses, a direita também tem como alvo imigrantes coreanos. A extrema direita vem se organizando em torno de grupos conhecidos como Uyoku dantai, nacionalistas radicais e anticomunistas fanáticos.
18. Mianmar
O país liderado por uma Nobel da Paz, Suu Kyi, vivencia um genocídio contra a população rohingya. O líder fundamentalista budista Wirathu é um dos responsáveis pelo clima de intolerância. A MaBaTha (Associação para a Proteção da Religião e da Raça) defende ataques e violência contra a comunidade muçulmana, que já levou à cerca de 500 mil refugiados no país vizinho, Bangladesh.
Cerca de 1 milhão de rohingya ainda permanecem em Mianmar, com quase 80% abaixo da linha da pobreza, enquanto são atacados cotidianamente por milícias extremistas budistas. Conforme Wirathu, é melhor se casar com um cachorro do que com um muçulmano.
19. Filipinas
O presidente Rodrigo Duterte é um ex-policial e, desde que assumiu, deu carta branca para a ação de grupos de extermínio. Mais de 10 mil pessoas foram assassinadas, e ele já declarou querer a morte de 6 milhões de usuários de drogas, tal como Hitler fez com os judeus.
Duterte também já disse que mulheres comunistas deveriam levar um tiro no órgão genital, e trava um combate violento contra as milícias maoístas no país. O Governo Bolsonaro, na ONU, se posicionou contrário ao início de uma investigação contra os assassinatos e estupros realizados em peso pela polícia filipina.
20. Egito
Após o início da Primavera Árabe, o ditador Mubarak foi substituído por um regime militar. Uma breve eleição que colocou no poder um membro da Irmandade Muçulmana levou a um novo golpe pelo exército, que mantém o poder até hoje.
O presidente do país é o Marechal Al-Sisi, um nacionalista com muitas simpatias da extrema direita global. Dezenas de milhares de egípcios estão sendo presos, e vários tantos são mortos, seja com pena de morte oficial ou não. Apesar da violência do regime, é um grande aliado de diversos governos, incluindo dos Estados Unidos, que toleram suas ações.
MENÇÃO ESPECIAL: UCRÂNIA
Uma disputa entre EUA e Rússia pelo controle do país levou a uma guerra civil extremamente cruel. Do lado pró-americano estão o novo governo fantoche ucraniano, de orientação liberal-conservador, e milícias neofascistas como o Batalhão Azov e outras organizações de extrema direita como os partidos Svoboda e Pravy Sektor.
Já do lado pró-russo, paramilitares rebeldes em sua maioria formados por monarquistas imperiais, nacionalistas de direita e simpatizantes de Aleksandr Dugin. Ironicamente, stalinistas também participam desse lado, pois veem a Rússia como um lado “menos pior” comparado aos norte-americanos.
Diversos nazifascistas viajam para a Ucrânia guerrear por ambos os lados, sendo um caso curioso de extrema direita contra extrema direita. Mas também é perigoso, pois serve como campo de recrutamento e treinamento de ameaças que podem se espalhar posteriormente.
¹ A União Europeia é um acordo entre diversos países europeus, no qual usam uma única moeda (o euro) e podem viajar de um país ao outro livremente. Isso significaria que se imigrantes africanos e asiáticos entrassem em outro país da Europa, eles poderiam chegar no Reino Unido, e esse foi o principal discurso usado pela extrema direita para pedir a saída.
² O sistema de castas hindu entende que as pessoas nascem para funções diferentes na sociedade. Existem aqueles que devem ser a elite, como os brâmanes, e aqueles que devem trabalhar, como os sudras. Há ainda aqueles que devem ser excluídos, os dalitis.
As colunas são um espaço de opinião. Posições e argumentos expressos neste espaço não necessariamente refletem o ponto de vista do Jornal Dois.
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