No Estrela de Davi, assentados coletam o próprio lixo
Há duas semanas sem o serviço da prefeitura, moradores lidam com animais peçonhentos e residentes de bairros vizinhos que vão ao local despejar entulho, móveis e animais mortos
Reportagem publicada em 11 de dezembro de 2017
Por Bibiana Garrido e Lucas Zanetti
Dois urubus estavam à nossa espera quando chegamos na rua Amadeu Cavalieri, na Quinta da Bela Olinda, em Bauru. No trajeto que leva ao assentamento Estrela de Davi, as duas vias sem calçadas estão tomadas por lixo. Pouco à frente, encontramos um animal morto enrolado em uma sacola, impossível de ser identificado.
Logo na entrada da ocupação vemos um grupo em volta de três pilhas de resíduos e bastante fumaça. Três homens cuidam da queima do lixo enquanto dois meninos, Lucas e Gabriel, brincam ali em volta. Quando nos aproximamos, todos abrem sorrisos para nos receber: “Ó os jornalista!”.
Desde o dia em que a lixeira da entrada do bairro foi derrubada pelo caminhão de coleta, há duas semanas, a sujeira não é recolhida. Os próprios assentados se encarregaram de recolher, separar e incinerar os dejetos do Estrela. “Não tem apoio de fora, a gente se organiza e voluntariamente faz o serviço”, conta Adebaldo Setubal, um dos homens que trabalha de boné sob o sol quente.
Duas mulheres se aproximam em um carro. Sarah, acompanhada da amiga, está indo levar a filha para tomar vacina, mas para uns minutos para falar com a gente. “Metade do lixo que tem aí não é nosso”, reclama. Ela conta que o lixo parou de ser recolhido quando “chegou um caminhão com dois ‘bag’ de isopor, parou aí, jogou e foi embora”.
Perto de Sarah, os homens comentam que a situação saiu do controle com a quantidade de dejetos depositado no local e que parte dele vem de bairros vizinhos, que despejam móveis, colchões, entulhos e bichos mortos nas proximidades.
Cada pessoa que encontramos tem uma história para contar sobre outras, de fora, que vem jogar lixo na entrada do Estrela de Davi. Mesmo com a separação, limpeza e incineração, não está fácil regularizar a coleta. Sarah explica que muitos assentados não possuem sacos de lixo suficientes para recolher e organizar tamanha quantidade de sujeira: “O lixeiro alega que não vai pegar o lixo enquanto o local não estiver adequado”.
Com a movimentação, logo se aproxima dona Eva Camargo. A senhora mora ao lado de onde estão queimando o lixo e reclama dos animais peçonhentos que aparecem nas suas prateleiras de guardar comida.
“Minha casa é cheia de rato, aranha, mosca varejeira, um enxame. Eu passo veneno todo dia, quando acaba é um aperto. Dá até nojo de pegar comida pra comer”, lamenta. Ela também relata ter visto motoqueiros jogarem sacolas na frente do assentamento de madrugada.
Além dos problemas com o lixo, a falta d’água e a rede elétrica precária são outros entraves para o conforto dos assentados.
À nossa frente, Edilson Isolomi e Samuel Lopes continuam trabalhando com Adebaldo para manter as condições mínimas de higiene e limpeza por ali. “Essa semana levamos 15 sacos de vidro pro Ecoponto, o moço disse que era a primeira vez que chegava uma entrega assim lá”, diz Samuel, que pretende criar uma força-tarefa de coleta seletiva.
Assim como os outros nove assentamentos sob a liderança do Movimento Social de Luta dos Trabalhadores (MSLT) na região de Bauru, o Estrela de Davi sofre as incertezas das constantes ameaças de reintegração de posse.
“Isso aqui era antes era um lixão, hoje tá um bairro decente
de moradores”, afirma Adebaldo.
Após quase dois anos de assentamento a luta segue firme pelo direito à moradia digna. Edilson explica que ninguém ali quer morar de graça. Ele afirma que os assentados pretendem pagar pelo lote e pelo IPTU, mas a preços acessíveis, de acordo com a possibilidade de cada morador. “A gente quer uma coisa digna, que tenha lixeiro, água, luz. É o essencial do ser humano”.
Para os habitantes, os problemas com o lixo podem afetar de forma negativa a imagem da ocupação e aumentar o preconceito que já sofrem da sociedade. “É importante mostrar para a população de Bauru que a gente não é um bando de vagabundo. A gente precisa mostrar isso pros nossos filhos, nossos familiares, falar pros vereadores pra eles verem a nossa situação”, desabafa Edilson.
Jornal Dois tentou entrar em contato com o setor de limpeza pública da Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural (Emdurb) nos dias seguintes à visita, mas não obteve resposta pelo número divulgado no site da empresa.
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