Emancipação e o combate do Movimento Negro Socialista
“Ao se falar em “pobres” no Brasil, automaticamente estamos falando, também, da maioria da população negra, que será a mais prejudicada pelas políticas recessivas anunciadas pelo governo”
Coluna publicada em 03 de maio de 2019
Por Roque Ferreira
A escravidão no Brasil durou três séculos, de 1550 até 1888. Foram 300 anos de muita luta e resistência contra o regime escravocrata e sua crueldade que desumanizava o povo negro. Vários foram os movimentos de resistência e de luta, sendo que até 1695 a quilombagem era o movimento de resistência mais eficiente.
Os Quilombos eram o refúgio dos escravos fugitivos de engenhos e fazendas. Palmares foi o quilombo mais importante do período colonial brasileiro e sua origem remonta a 1580, localizado na Serra da Barrica, no Estado de Alagoas. Chegou a ter mais de 20 mil habitantes em mais de um século de existência e resistência.
Em 1695, o Império consegue derrotar os quilombolas, com uma expedição de mais de seis mil homens que contava também com artilharia e era comandada pelo mercenário denominado de “bandeirante”, Domingos Jorge Velho. Zumbi é capturado e assassinado, e sua cabeça exposta no centro de Recife, capital da província de Pernambuco. Com todo seu comando militar assassinado, o quilombo de Palmares se desintegrou definitivamente em 1710.
No meio do século XIX já não havia mais como manter a escravidão no Brasil. As lutas contra escravidão negra tomavam conta do país. As homenagens que até hoje recebe Zumbi são o testemunho da luta heroica e dolorosa de todo o povo negro, hoje parte importante da classe trabalhadora brasileira, para se libertar de toda opressão e exploração. Inúmeras revoltas populares se somavam às rebeliões de escravos, os assaltos a fazendas, justiçamento de fazendeiros, fugas em massa de fazendas.
Nas décadas de 1830 e 1840, o país havia vivido algumas das suas maiores rebeliões ou guerras internas. Entre 1835 e 1840 a província do Grão-Pará (atualmente os estados do Pará, parte do Amazonas, Amapá e Roraima) conheceu as revoltas da “cabanagem”, nome dado aos negros, índios e mestiços que viviam nas cabanas. Eles chegaram a tomar Belém e instituir um governo próprio, em choque frontal com a monarquia escravagista. Esta grande luta popular pagou um tributo de 40 mil mortos tombados na luta por liberdade e igualdade.
A Balaiada, no Maranhão, que durou de 1838 a 1841, teve como herói da monarquia o militar que ganhou ali seu primeiro título de nobreza, o Barão de Caxias (uma das mais importantes cidades do Maranhão), que viria a ser o Duque de Caxias, patrono do exército brasileiro, militar que se especializou em cometer genocídios. Como herói das classes populares, o negro Cosme, líder de um quilombo, comandou cerca de três mil homens armados em combates contra as tropas da monarquia. Mesmo na Guerra dos Farrapos, que se estendeu de 1835 a 1845, no Rio Grande do Sul, quando a elite local chegou a proclamar a República do Piratini, os negros jogaram um papel importante e, por sugestão do italiano Giuseppe Garibaldi, conquistaram a reivindicação de libertação de todos os negros que lutaram ao lado de Bento Gonçalves contra a monarquia criando os batalhões de lanceiros negros.
O Brasil chegava ao fim do século XIX marcado por rebeliões e imerso numa profunda crise econômica. Esta situação tensa, fruto do agravamento constante das crises econômicas no mercado mundial, juntava-se à pressão internacional da burguesia, que não podia permitir a continuidade da concorrência de produtos da mão-de-obra escrava. Mas, a escravidão não caiu de madura: foi derrotada pela primeira luta popular de caráter nacional da história brasileira.
O Movimento Abolicionista juntou negros, brancos, mestiços e mulatos. Entre seus líderes, estavam ex-escravos. Enquanto, nas fazendas, os escravos se rebelavam e fugiam ajudados pelos abolicionistas, outros atores entravam em cena. Os trabalhadores ferroviários do Estado de São Paulo e os operários tipógrafos, núcleos de uma classe operária ainda em formação, participaram ativamente do movimento, escondendo e transportando os negros fugidos para o Quilombo de Jabaquara na baixada santista, e para o Ceará, onde desde 1883 não havia mais escravidão, e imprimindo os panfletos antiescravistas. Há que se destacar também neste período a importância do movimento dos Jangadeiros do Ceará, que se recusavam a transportar e embarcar os poucos escravos ainda existentes no Ceará, para os estados do sul e sudeste.
A Abolição da Escravidão, no Brasil, foi resultado de um processo histórico complexo, onde o Movimento Abolicionista integrou instituições políticas, instituições da sociedade, espaços públicos, e também teve sua parte clandestina principalmente no Estado de São Paulo, com o movimento dos Caifazes.
OS CAIFAZES
Os Caifazes constituíram uma das vertentes mais radicalizadas do movimento abolicionista, aproximando-se e apoiando as fugas dos escravos. Publicado por Tales dos Santos Pinto em “Segundo Reinado”:
“Durante a década de 1880, a luta pelo fim da abolição conheceu certa radicalização de alguns de seus setores, conformando o que viria a ser conhecido como movimento abolicionista popular. Apoiando as fugas em massa e as rebeliões de escravos nas fazendas, essa vertente do movimento abolicionista aproximava-se das ações autônomas desenvolvidas pelos cativos, fortalecendo a luta contra a escravidão no Brasil.
Um desses grupos que ganharam destaque foi o dos Caifazes. Formado inicialmente por Antônio Bento de Souza e Castro (1843-1898), o grupo expandiu-se entre os setores populares da sociedade paulista na década final do Império, criando uma extensa rede de solidariedade à luta dos escravos.
Antônio Bento era membro de uma família abastada da sociedade paulista e formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo. Foi ainda delegado, promotor e juiz, mas acabou, com sua atuação, criando vários desentendimentos com os proprietários de escravos, já que favorecia os escravos. Um exemplo eram as ações judiciais em que Bento indicava abolicionistas para determinar o valor de alforrias, o que tornava o preço baixo e acessível aos escravos, ou mesmo com os despachos em que apontava a ilegalidade de manter no cativeiro escravos ingressados no país em 1831 e 1850. Posteriormente, Antônio Bento tornou-se jornalista, com o jornal A Redenção, divulgando os posicionamentos abolicionistas.
Um dos locais em que o grupo se organizava era a irmandade católica de Nossa Senhora dos Remédios. Os Caifazes eram formados principalmente por tipógrafos, ferroviários, artesãos, pequenos comerciantes e ex-escravos. A atuação do grupo consistia em organizar e planejar em conjunto com os escravos das fazendas e das cidades fugas em massa, garantindo ainda condições para os deslocamentos dos fugidos. Uma das figuras que se destacaram nesse tipo de ação foi Antônio Paciência, que, como seu nome mesmo revela, era utilizado principalmente na observação das condições propícias às fugas.
Outra das figuras que contatavam os escravos nas fazendas eram os chamados “cometas”, caixeiros-viajantes que tinham acesso aos latifúndios. Após a realização da fuga, muitos desses escravos se dirigiam às ferrovias onde eram transportados clandestinamente com o apoio dos trabalhadores ferroviários. O destino era geralmente as cidades de São Paulo e Santos, no litoral da província.
Em muitos casos, os Caifazes conseguiram resgatar das mãos das forças policiais escravos que haviam fugido e tinham sido capturados, contando ainda com apoio popular. Esses resgates ocorriam mesmo à luz do dia, após a criação de alguma falsa confusão que facilitava a ação.
Na cidade portuária, os Caifazes constituíram ainda o Quilombo de Jabaquara, que chegou a receber cerca de 10 mil escravos fugidos. Nesse local e também em outras cidades, as relações estabelecidas com comerciantes e alguns industriais garantiam empregos aos escravos que escapavam do cativeiro.
Os fazendeiros viam que as garantias legais que tinham sobre a propriedade escrava eram retiradas na prática pelos próprios cativos e seus apoiadores. Eles passaram a protestar pelo fato de perderam o controle sobre a propriedade que tinham sobre as pessoas. Segundo Antônio Rodrigues de Azevedo Pereira, Barão de Santa Eulália, “negar-se que nesta Província [de São Paulo] não há garantia para a propriedade escrava é não ver o sol. Aí está na Capital o Antonio Bento acolhendo negros de fazendeiros e os alugando por conta própria, sem que os donos possam reavê-los.”
As ações dos Caifazes representavam a entrada do abolicionismo dentro das senzalas e eitos, aproximando, dessa forma, a insatisfação dos trabalhadores escravizados com a agitação proporcionada também pelo movimento abolicionista nas cidades. Com essas ações populares, atacava-se o principal pilar de sustentação do Império. Segundo Maria Helena Toledo Machado, “o cimentar de solidariedade entre escravos, libertos, plebe e abolicionistas radicalizados, mesmo como virtualidade, foi percebido e combatido pelas autoridades, como um dos maiores desafios à superação controlada e conservadora da ordem escravista”. [2]
A RENDIÇÃO DO IMPÉRIO
Em 13 de maio de 1888, o império se rendia e a princesa Isabel assinava a Lei Áurea, que concedia a liberdade formal aos escravos, mas não garantia a sua emancipação.
Sobre a situação da população negra após a abolição, o sociólogo Florestan Fernandes em 1964, quando publicou sua obra “A integração do negro na sociedade de classes”, afirmou: “a desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho. (…) Essas facetas da situação (…) imprimiram à Abolição o caráter de uma espoliação extrema e cruel”.
História – O destino dos negros após a Abolição –
http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2673%3Acatid%3D28&Itemid=23
PERÍODO PÓS ABOLIÇÃO
O povo negro foi jogado à própria sorte. Carregando os efeitos colaterais de 300 anos de escravatura, passa agora a ser vítima do racismo estrutural do Estado, a ser tratado como cidadão de segunda categoria, a ser considerado inimigo interno, portanto sistematicamente perseguido e assassinados pelos aparatos policias, o que sem mantém até os dias atuais, 130 anos após a abolição da escravatura.
No início do século XX, ganha força no Brasil a ideologia da “democracia racial”, que nega a existência de racismo no Brasil. Segundo o professor e pesquisador da Universidade Federal de Sergipe, Petrônio Domingues, “havia o reconhecimento do preconceito, mas não do racismo. Na comparação com o contexto segregacionista americano, no Brasil era muito melhor, estávamos ‘livres’ do racismo. Trata-se de um discurso extremamente eficaz, que foi propagado por mais de um século indo além da elite brasileira. A consequência disso é que essa ideologia serviu como entrave para os negros adquirirem consciência racial e lutarem contra as desigualdades no Brasil.”
A resistência do povo negro colocava na ordem do dia um conjunto de reivindicações, sendo que a principal era de ser reconhecido como parte da população brasileira em igualdade de condições, sendo que viviam à margem, num verdadeiro limbo social. A resistência neste período se dá através de movimentos diversos como associações esportivas, culturais, clubes de baile, associações de auxílio mútuo de homens de cor, que promoviam uma série de ações para congregar a população negra.
Em 16 de setembro de 1931, durante o Governo de Getúlio Vargas, surge, em São Paulo, a Frente Negra Brasileira, que tinha como objetivo central integrar a população negra à sociedade. Chegou a ter 20 mil associados, com uma forte atuação social em um período em que o desemprego atingia em cheio o homem negro e as mulheres negras, atuando como domésticas, se tornaram o pilar de sustentação das famílias.
O nível de representatividade da Frente Negra Brasileira era tão grande e consolidado que se transformou em um partido político com o objetivo de buscar a representação negra na institucionalidade. Com o advento da Ditadura Vargas, em 1937 a Frente Negra foi colocada na Ilegalidade, assim como todos os partidos políticos, sendo levada a extinção.
Após o Estado Novo, vários grupos começam a se organizar, como a União dos Homens de Cor, em 1943, e o Teatro Experimental do Negro, em 1945, por Abdias do Nascimento, onde o conteúdo das peças encenadas tratava da exploração do negro brasileiro e o racismo a que era submetido. Já na década de 60, a influência do Movimento Pelos Direitos Civis nos Estados Unidos, a luta pela libertação das colônias africanas, os movimentos Black Power e “Black is Beautiful”, faz surgir uma série de movimentos de denúncia do racismo e da exclusão da população negra no Brasil.
O período da ditadura civil militar, iniciado em 1964, com a derrubada do governo João Goulart, teve como consequência uma brutal repressão ao movimento sindical, aos movimentos sociais, ao movimento estudantil e às organizações de esquerda, esmagando qualquer possibilidade de reação organizada, sendo neste período enquadrados como inimigos a serem abatidos os movimentos que discutissem a questão racial no Brasil.
Na metade da década de 70, com o fim do “milagre brasileiro”, abre-se uma crise no regime ditatorial, o que permite, mesmo que clandestinamente, a retomada e a organização operária e popular, que consegue furar os bloqueios impostos pela ditadura, como Movimento Contra a Carestia e as greves operárias do ABC, em 1978 e 1979.
Foi o que ocorreu em 18 de junho de 1978, com a ocupação das escadarias do Teatro Municipal por várias entidades negras e personalidades negras da luta antirracista, reunindo em torno de duas mil pessoas, sob forte cerco policial para protestar, denunciar a violência racial e a morte do jovem Robson Silveira da Luz, assassinado no 44º Distrito Policial de Guaianazes, e a discriminação racial que sofreram jovens negros do Clube de Regatas Tiete. Surgia então o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, e, em 07 de julho, ocorreu sua apresentação oficial como Movimento Negro Unificado, com uma base política classista e antirracista, e que completará, agora, em 2019, 41 anos de existência, com muitas mudanças em sua forma de atuação e também em seu programa.
NOVA REPÚBLICA
Com o fim da ditadura e o advento da Nova República, ocorre um processo de institucionalização e fragmentação do Movimento Negro. Muitas lideranças passam a integrar mandatos parlamentares, a ocupar cargos de confiança em governos das três esferas, surgem uma infinidade de associações, ONGS, movimentos culturais como o Hip Hop, coletivos com as pautas mais diversificadas, como, por exemplo, o acesso à educação, a questão da mulher, o combate a intolerância religiosa e a violência policial.
Na metade dos anos 90, este cenário começa a mudar e os movimentos negros passam por um processo de mudança radical, principalmente após a Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, promovida pela ONU, e realizada entre 31 de agosto e 8 de setembro de 2001, na cidade de Durban, na África do Sul.
Após a Conferência de Durban ganha força o multiculturalismo e as políticas de reparação como afirma Serge Goulart em seu livro “Racismo e Luta de Classes”: “A política das Reparações foi apresentada pelos movimentos negros nacionalistas, ou pan-africanistas, como uma saída ‘radical’ na luta contra o racismo e o imperialismo. Começou sendo apresentada como uma forma aparentemente radical de se opor às políticas afirmativas, às cotas e outras. Sua origem, entretanto, é a política reacionária das reparações de guerra. Esta política perde suas raízes no tempo. Ela sempre foi utilizada pelos estados vencedores como uma forma de ampliação da pilhagem sem a destruição de seu adversário. É um substituto inteligente da política de terra arrasada e da conquista direta. O movimento negro nacionalista pan-africanista que encara a questão como um problema de guerra entre nações (o povo negro da diáspora) empalmou esta política como palavra de ordem de exigência de reparação pela morte de milhões de negros como escravos, e pela destruição econômica e social da África. Na aparência radical e anti-imperialista, esta exigência, na prática, desloca a luta de classes para uma luta política de ‘africanos’ contra europeus, norte americanos e latinos americanos, que teriam se aproveitado da escravidão para ‘construir seus privilégios’ (grifo nosso) e que agora teriam que pagar por isso. Ela de fato coloca os ‘negros’ em oposição ‘aos brancos’, apagando a luta de classes e a opressão de classes do sistema capitalista”.
Em 2004, esta discussão ganha corpo e se aprofunda, pois chega de modo bastante forte a uma significativa parcela da população, em virtude do debate aberto sobre os projetos de lei que oficializam a reserva de vagas para negros nas universidades e o Estatuto da Igualdade Racial.
A efervescência dos debates sobre o tema foi uma demonstração inequívoca da importância dos assuntos para toda população, em particular para a classe trabalhadora, que tem uma grande parcela de negros. Com a ofensiva dos defensores das ditas políticas afirmativas, impulsionados por ONGs, instituições internacionais, Fundação Ford etc., encontrando a resistência daqueles que se apoiavam na luta pela igualdade e pelo socialismo e que se posicionaram contra, organizando o combate por vagas para todos e contra as políticas racialistas, o debate recolocou ao alcance das massas a discussão do racismo, que é um dos grandes problemas do Brasil. O enfrentamento entre os racialistas (defensores de cotas, políticas afirmativas, reparações etc.) e os defensores da luta pela igualdade política, econômica e social de toda a classe trabalhadora, que afirmam que é preciso lutar contra toda desigualdade, opressão e exploração, mas que a para derrotar o racismo é preciso derrotar o capitalismo, ganhou uma ampla visibilidade social, forçando o debate sobre a questão racial no Brasil e a situação de exploração que é imposta historicamente aos negros.
Os debates realizados fizeram florescer as divergências existentes dentro do movimento negro, principalmente sobre a questão que envolve classe/raça, o que se materializou em três posições. De um mesmo lado dois grupos de negros: os defensores da luta contra o racismo desvinculado da questão de classe, e aqueles que consideravam a questão de classe um fator determinante, mas que naquele momento abdicam deste combate e se associam ao primeiro para fazer a defesa das políticas afirmativas, como instrumento de reparações alegando que seriam reivindicações parciais e transitórias. São os cotistas radicais vinculados principalmente a organizações não governamentais, institutos, organizações religiosas, grupos de acadêmicos, universidades, cujos projetos são financiados principalmente por recursos de grandes corporações privadas que aplicam o conceito de “responsabilidade social”, bancos e fundações internacionais, como a Fundação Ford.
Na outra ponta deste debate estão aqueles, como os integrantes do Movimento Negro Socialista (MNS), que se colocavam contrários às políticas afirmativas, na medida em que se constituíam como eixos estruturantes de uma política de integracionismo negro ao capitalismo e ao Estado burguês, que nos discrimina e explora. E que ao contrário de ser uma reivindicação transitória trata-se de uma política que divide os negros, fazendo-os disputar entre si as migalhas e busca separar a classe trabalhadora entre trabalhadores negros e brancos na disputa pelo mercado de trabalho. E que afirmam que, no Brasil, a condição de classe é um fator determinante nas questões raciais. A partir desta constatação defendem que a luta de combate ao racismo deve estar ligada à luta de classes, sem que por isso se deixe de lutar contra toda e qualquer manifestação racista porque “seria preciso esperar acabar com o capitalismo para resolver a questão”, como afirmavam décadas atrás os velhos stalinistas. Para os revolucionários toda luta parcial contra a opressão e a exploração é parte integrante, e não deve ser levada separadamente, da luta contra o capitalismo.
Os dois primeiros grupos integracionistas afirmam que as políticas universalistas inscritas na constituição republicana, foram incapazes de “incluir o negro”, lhes negando o acesso aos serviços públicos essenciais, não se dando conta que a luta organizada do povo negro e não negro para garantir a aplicação desses direitos adquirem um caráter revolucionário nos dias atuais, pois se chocam com as políticas implementadas pelos governos, que para atender aos interesses do capital financeiro nacional e internacional e das grandes corporações transnacionais mantêm o superávit primário retirando bilhões de dólares que poderiam ser aplicados no país, para pagar os juros da dívida externa.
Este choque de opiniões levará, com certeza, a população negra, principalmente a classe trabalhadora e a juventude pobre e periférica, a compreender que dentro da atual estrutura republicana, baseada na propriedade privada dos meios de produção e na exploração do homem pelo homem, não há saída para negros e brancos pobres.
O combate realizado de forma organizada nas lutas do dia a dia, em defesa das reivindicações justas como educação pública, gratuita, em todos os níveis para todos, saúde pública e gratuita para todos, reforma agrária, demarcação das terras dos quilombos remanescentes, emprego, salário decente, aposentadoria pública e solidária, fim da violência policial, o que garantiria condições de vida decentes, pavimenta o caminho para construirmos as forças da revolução socialista e o instrumento político de massa no qual os negros e não negros pobres se reconheçam como irmãos, para lutar com o objetivo de conquistar o poder.
Os setores do movimento negro que negam a questão de classe, que impulsionam o “identitarismo”, que defendem a integração pura e simples dentro da ordem burguesa, cumprem o papel, apesar de seu radicalismo discursivo, de contribuir com o processo histórico de manutenção do racismo. Uma boa parte almeja ser integrada aos setores de classe média, e serem reconhecidos como parte de uma pseudo elite.
Os negros no Brasil não estão no que se convencionou chamar de classe média-baixa, média ou média-alta, de modo equilibrado, em relação aos brancos. Existe um número insignificante de negros que vagam por estes estratos. A maioria esmagadora dos negros brasileiros está confinada nas classes subalternas, o que nos leva a afirmar ser impossível combater o racismo de maneira eficaz se a questão de classe não estiver inserida como um elemento determinante deste processo.
Por isso, podemos afirmar que com aqueles setores do movimento negro que defendem as políticas afirmativas como uma questão tática, e não negam a questão de classe, é possível e se deve buscar a unidade de ação, o que exigirá uma discussão paciente, honesta, objetivando criar as condições para galvanizar os dois elementos, o que é central para a luta antirracista.
Os Partidos Comunistas (stalinistas) durante muito tempo trataram a questão do negro de modo rebaixado. De forma burocrática e ditatorial impunham a tese de que a questão do racismo seria resolvida quando o socialismo fosse instituído. Esta postura acabou por influenciar outras organizações políticas que se reivindicam de esquerda, onde a questão dos negros é praticamente inexistente em seus programas e teses. Ainda hoje, mesmo sendo os negros um grande e explorado estrato da classe operária, eles não se sentem representados pelos partidos que pretendem falar em nome da classe e se reivindicam socialistas e/ou comunistas, porque as agruras que o negro sofria, e sofre ainda hoje, são vistas com o olhar simplificador de que tudo vai ser resolvido “um dia”, após o capitalismo. O que abre caminho para toda sorte de embusteiros e suas ideias estranhas aos interesses da classe trabalhadora.
Recusam-se a levar em conta as especificidades de ser negro no Brasil, e toda carga repressiva presente na cultura racista da burguesia e seus aliados, que mantém os negros em quase sua totalidade confinada em favelas, palafitas, bairros miseráveis, como um grande estoque racial de reserva de mão de obra barata, destinada aos trabalhos insalubres, perigosos, penosos e mal pagos. O estado burguês, dito “republicano”, se apresenta nestes locais, através do seu aparelho repressivo, praticando uma enorme violência étnica e racial, principalmente contra a juventude negra, através de sua eliminação física deliberada, usando seu braço armado que é a polícia. Isso tem um objetivo político: “manter os negros em seu lugar” e reafirmar a cada momento que jovens negros e pobres ou são bandidos, ou vão acabar bandidos. É uma política de terror contra a classe trabalhadora, e de divisão, para melhor reinar da forma bárbara como o capitalismo existe no Brasil e na maioria dos países do mundo.
Combater a classe dominante branca exploradora, racista e seu Estado reacionário é uma tarefa central, como também é central combater uma minoria negra que integra as classes dominantes ou busca se integrar a elas e seus diversos extratos. Estas alcançaram os confortos da burguesia ou da pequena-burguesia, e passaram a atacar os movimentos negros que combatem a prática da caridade, via ONGs ou “coletivos”, que se constituem em instrumentos de cooptação de parcela de negros para o mundo do capitalismo decadente. Esses negros interessados nos valores burgueses ou pequeno-burgueses são um obstáculo à luta emancipatória da maioria esmagadora do povo negro. A luta contra o racismo, a exploração de classe, está exclusivamente nas mãos grande maioria negra oprimida e explorada.
O Movimento Negro Socialista, constituído em 13/5/2006 como um comitê permanente de socialistas contra o racismo e o racialismo, teve como propósito desde sua fundação ajudar os negros a se organizarem para combater o racismo e a exploração de classe, tarefa que se agiganta com a eleição do reacionário Bolsonaro.
A vitória de Bolsonaro, em outubro, com seu programa de ampliação dos planos de austeridade e a difusão de valores reacionários como o racismo, machismo, homofobia, exigirá do proletariado, e entre estes, os negros, uma elevação de sua organização enquanto classe para travar o combate e para se defender.
Ao se falar em “pobres” no Brasil, automaticamente estamos falando, também, da maioria da população negra, que será a mais prejudicada pelas políticas recessivas anunciadas pelo governo, que atingirão em cheio os serviços públicos – previdência, saúde, educação – como o que já ocorre com o congelamento de gastos públicos.
Para colocar em prática todas as medidas anunciadas pelo seu super ministro Paulo Guedes, Bolsonaro será obrigado usar todo o aparato repressivo do Estado como a polícia, o judiciário, e outros para sufocar qualquer movimento da classe trabalhadora e das massas contra seus planos de austeridade. A pretensão de Bolsonaro é sufocar a luta de classes por meios policiais. Isso aumentará de maneira substancial a violência contra a população negra e com certeza enfrentará uma enorme resistência da classe trabalhadora, incluindo nessa massa uma grande parte de seus iludidos eleitores.
A vitória de Bolsonaro foi o enterro da Nova República, do pacto social efetivado com a Constituição de 1988 e da democracia burguesa que sustenta o sistema de exploração de classe. Uma grande parte das massas, onde estão incluídos os negros, deixou claro que pouco lhe importa esse sistema que só fez até agora piorar suas vidas e ampliar seu sofrimento e a angústia permanentemente.
A campanha eleitoral e o resultado das eleições demonstram de forma inequívoca que a negação da luta de classes como um dos pilares centrais da luta antirracista, posição esta defendida por vários segmentos do movimento negro adaptado, contribui para “despolitizar” nossas lutas, confinando-as nas bolhas dos pós-modernistas, principalmente dentro das universidades, alimentando entre a vanguarda a ilusão de que poderiam ser incluídos neste sistema e nesta ordem como empreendedores, a nova nomenclatura para capitalismo.
Aos trabalhadores negros estão reservados os piores empregos. Existe um número insignificante de negros que conseguem sair dessa situação. A aplicação das políticas sociais compensatórias dos últimos governos não mudou em nada essa situação. O Brasil é o segundo país do mundo em população negra, ficando atrás somente da Nigéria. Mais de 51% da população são esmagados pela pobreza e pela violência do racismo através da discriminação e dos preconceitos, que naturaliza a violência oficial do Estado via seus aparatos repressivos, especialistas em assassinar jovens negros e pobres (são mais de 63 mil mortos a bala por ano no Brasil, a maioria sendo jovens, homens e negros).
A repressão policial, em particular os assassinatos cometidos nas “incursões” nos bairros operários de São Paulo e Rio, sempre tem jovens negros mortos como consequência. A política integracionista ao sistema e à ordem, que tem muitos adeptos no meio universitário e acadêmico, faliu definitivamente, pois o sistema capitalista nesta sua fase de apodrecimento necessita cada vez mais excluir milhões e dividir a classe trabalhadora para continuar a garantir a manutenção da taxa de lucro dos banqueiros e das grandes corporações, assim como os privilégios da exploração de classe.
A tarefa central para o próximo período para a população negra e para a luta antirracista é estar junto à classe trabalhadora, aos sindicatos, aos movimentos populares no combate contra este governo e ao que ele defende e representa, ou seja, o capitalismo. Nessa dinâmica vigorosa da luta de classes, como trabalhadores, devemos ter como perspectiva a construção de um partido, de fato, dos trabalhadores, que se coloque claramente como um partido da revolução socialista, onde a classe trabalhadora negra e sua juventude se sinta representada e seja protagonista.
As colunas são um espaço de opinião. As posições e argumentos expressas neste espaço não necessariamente refletem o ponto de vista do JORNAL DOIS.
Notas
[1] BRANDÃO, Marco Antonio Leite. Abolição da Escravidão nos ‘Campos De Araraquara’, SP: Notas de Pesquisa. p. 3. Disponível em < http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2010/11/ABOLI%C3%87%C3%83O-DA-ESCRAVID%C3%83O-NOS-CAMPOS-DE-ARARAQUARA.pdf>.
[2] MACHADO, Maria Helena Toledo. Escravos e cometas. Movimentos Sociais na década da abolição. Disponível em < http://www.cmu.unicamp.br/seer/index.php/resgate/article/view/62/67 >
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