Da Esquerda à Direita: O que fazemos com o Rei?

Iluminismo, Classes Sociais e Revoluções burguesas

Coluna publicada em 12 de janeiro de 2018

“A Tomada da Bastilha”, pintura de Jean-Pierre Louis Houël (1789) retrata o fim da monarquia na França e a tomada do poder pela Burguesia em 14 de julho de 1789 (Imagem: Pinterest/Domínio Público)
 
Por Arthur Castro, colunista do JORNAL DOIS

Antes de mais nada, é preciso ver como funcionava o mundo no passado, principalmente na Europa. Os governos eram, na maioria das vezes, monarquias absolutistas. Isso significa que o Rei tinha o poder absoluto, mandava em tudo. O monarca fazia parte da Nobreza, um grupo bastante poderoso que tinha privilégios por serem…da Nobreza. Filho de nobre, nobre era. Não pagavam impostos ao governo, ao contrário, viviam deles. Os membros da Igreja (também chamados de Clero), em especial da Católica, também eram bem influentes e ajudavam a decidir o que podia ou não se pensar, falar ou fazer.

Vários pensadores, no entanto, começaram a criticar tudo isso e dizer “ei, está errado!”. Esses homens questionavam as verdades religiosas, afirmando que a ciência era importante para entender o mundo e que a liberdade de crença era fundamental.

Alguns eram ateus, mas a maioria era cristã ou de outras religiões. Também falavam que era errado a Nobreza e o Clero terem as vantagens que tinham e que o Rei não deveria ter tanto poder. A maioria desses críticos viveram entre final do Século XVI (1500) até o Século XVIII (1700). Esse período foi chamado de Iluminismo, ou Século das Luzes.

Nessa época, haviam vários grupos que eram oprimidos pela dupla Nobreza e Clero. Um deles era chamado de Burguesia, basicamente formado por pessoas ricas, principalmente grandes comerciantes e donos de indústrias. Outro grupo era o Proletariado, trabalhadores assalariados dos negócios burgueses. Pense assim: o burguês é o patrão, dono de uma empresa do nosso dia a dia, e o proletário é o funcionário que recebe o salário mensal.

Também haviam os Pequeno burgueses, que a gente conhece como profissionais liberais, ou seja, médicos, advogados, pequenos comerciantes, classe média. Por fim, os Camponeses eram as famílias que trabalhavam em terras, normalmente controladas pela nobreza.

Cada um desses grupos nós chamamos de Classes Sociais.

 

Estrutura da sociedade estamental durante o Antigo Regime na Europa (Imagem: Reprodução/Pinterest)

 

Em um determinado momento, as ideias iluministas vão ganhar bastante força na Europa — e depois no mundo. Um dos principais pontos era a igualdade formal, isto é, todo mundo é igual perante a lei. Na prática, significava o fim das vantagens da Nobreza e do Clero.

A força dessas ideias vão causar três revoluções: a Revolução Gloriosa (Inglaterra, 1688–1689), a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789).

A Revolução Francesa

Na França, diante de uma situação de crise, o Rei convocou os setores da sociedade para se reunirem e discutirem os problemas do país. A Nobreza enviou representantes, o Clero enviou e o “resto” também enviou. Os nobres e membros da Igreja se sentavam à direita do Rei e o restante, à esquerda (opa!).

Quando tudo piorou, o povo derrubou as elites e prendeu o governante. Nessa hora, ocorreu uma nova divisão. A Burguesia, organizada em torno de um grupo chamado Girondinos, pulou para o lado direito. O lado da esquerda era liderado pelos Jacobinos, da Pequena Burguesia.

A Direita defendia: Monarquia Parlamentar (ou seja, o Rei não teria poderes e quem mandaria seriam políticos eleitos) através de uma aliança com a Nobreza e o Clero; Voto Censitário (apenas ricos votam); Educação exclusiva (apenas ricos estudam); Escravidão nas Colônias (em regiões, como o Haiti, a França dominava e mantinha negros como escravos).

A Esquerda defendia: República (sem Rei) e a morte dos Nobres e membros da Igreja; o Sufrágio Universal Masculino (todos os homens votam); Educação Pública (todo mundo estuda obrigatoriamente); Fim da Escravidão.

Por alguns anos vai ocorrer uma disputa entre a esquerda jacobina e a direita girondina pelo poder. Nesse meio tempo, ambos os lados vão assassinar opositores e reprimir protestos. Sindicatos vão ser criminalizados e as mulheres que defendiam direitos iguais, mortas. A Revolução vai terminar quando a Direita financia o golpe militar do General Napoleão Bonaparte.

As ideias revolucionárias da esquerda vão inspirar a Revolução do Haiti (1791–1804), revolução de escravos que leva à independência e ao fim da escravidão no país, além de diversos outros movimentos radicais pelo mundo todo.

 

Pintura da Revolução Haitiana, a revolta de escravos que tirou país da escravidão e do domínio francês (Imagem: Reprodução/Piratasyemperadores)

 

Em resposta, o Império Russo, o Império Austro-Hungaro e o Reino da Prússia (futura Alemanha) vão firmar a Santa Aliança: um pacto para reprimir revoluções ao redor do mundo.

Ideologias socialistas

A luta revolucionária iluminista tinha contradições internas. A luta por igualdade formal entre os homens preservava diversos privilégios, mas também questionava eles ao mesmo tempo. Se todos os homens são iguais, por que as mulheres não? Se temos igualdade, por que continua havendo uma elite e pessoas exploradas?

Os Jacobinos e os Girondinos eram, ambos, liberais. Os primeiros eram mais populistas e os segundos mais elitistas, mas ainda eram defensores da ideologia conhecida como Liberalismo: defesa da propriedade privada (isso é, os ricos tem o direito de serem ricos) e democracia representativa (políticos eleitos).

Com o início do Século XIX, as ideias liberais e iluministas ganharam força. Democratas e republicanos são chamados de esquerda; Monarquistas e conservadores, de direita. Ao mesmo tempo, o Capitalismo vai se espalhando pelo mundo. O sistema no qual a Burguesia manda e explora o trabalho do Proletariado. Em alguns lugares, os burgueses derrubaram os nobres; em outros fizeram alianças.

Eis que, no campo da esquerda, começa a surgir o Socialismo. Eram intelectuais que entendiam que precisavamos construir uma sociedade VERDADEIRAMENTE igualitária, sem ricos ou pobres. Talvez, até sem governantes e governados. A maioria dos socialistas eram idealistas: acreditavam que através de exemplos e de defesa de uma “fraternidade” iriam convencer as pessoas a construirem um novo mundo. Muitos defendiam cooperativas como novo modelo econômico. A defesa de igualdade entre homens e mulheres também crescia. Esses primeiros socialistas seriam chamados, mais para frente, por Frederich Engels, de Socialistas Utópicos.

Engels, um pensador alemão, vai se unir com outro, Karl Marx, e defender a necessidade de um novo socialismo. Era preciso abandonar a ingenuidade dos anteriores, e ver o mundo como ele realmente é. Ambos, em 1848, vão lançar “O Manifesto Comunista”.

 

O Manifesto do Partido Comunista, obra de Marx e Engels que transforma o campo da esquerda (Imagem: Reprodução/Pinterest)

 

Os Comunistas, ou hoje chamados de Marxistas, defendem que o Proletariado deve fazer uma Revolução para assumir o controle do Estado. Após uma fase transitória socialista, a “Ditadura do Proletariado”, o Capitalismo e o Estado vão desaparecer, alcançando um modelo de sociedade chamado de Comunismo. Posteriormente, o russo Lênin vai apresentar novas ideias, gerando o Marxismo-Leninismo.

Um antigo marxista, mas que vai abandonar a ideologia, é Ferdinand Lassale. Rompendo com a ideia de Revolução de Marx, ele vai defender que o Estado deve ser conquistado pacificamente, pelas eleições. Essa nova proposta é conhecida por Socialdemocracia. Originalmente também defendiam a chegada ao Comunismo, no futuro, mas hoje a maioria dos Socialdemocratas preferem um país capitalista com serviços públicos e programas sociais. Em alguns locais, são chamados de Trabalhistas.

Bom, voltemos ao Estado. Ele é, com palavras simples, aquilo que envolve o Governo (políticos eleitos), o sistema jurídico (Juízes, Promotores), Polícia e Forças Armadas. Para os Marxistas, o Estado surge da divisão de classes, e quando elas acabarem, ele deixará de existir. Sendo consequência, e não causa, ele poderia ser utilizado como um instrumento, conquistado por um Partido operário, e usado como arma para a libertação da classe trabalhadora.

Uma terceira linha socialista, contudo, vai ser contra o uso do Estado. Os Socialistas Libertários, ou Anarquistas, entendem que a Burocracia estatal (políticos, alto escalão militar, juízes, etc) também são uma classe dominante, assim como a Burguesia, e por isso devem ser derrubados. Ao invés do Estado, deveríamos construir uma Democracia Direta através de assembleias populares.

Com o tempo, as ideias socialistas vão ocupando todo o campo da esquerda. O fim da Nobreza na maior parte do mundo vai colocar a Burguesia como classe dominante e a ideologia liberal definitivamente na direita.

*Este texto está dividido em três partes, onde tento, de forma simples, explicar o significado de “esquerda” e “direita” na política. Muitas pessoas não entendem muito bem, e realmente às vezes é bem complicado até mesmo para quem está acostumado com essas expressões.

Na primeira parte, abordei as origens dessa divisão. A segunda vai focar a situação no Brasil e a terceira ao redor do mundo.

As colunas são um espaço de opinião. As posições e argumentos expressas neste espaço não necessariamente refletem o ponto de vista do JORNAL DOIS.