Por fraude no sistema de cotas raciais, 192 alunos podem ser desligados da Unesp em agosto

Desde 2014, cerca de 6 mil alunos pretos, pardos e indígenas entraram para a Universidade através do sistema de cotas raciais; professor membro das comissões de averiguação explica a política pública 

Publicado em 13 de agosto de 2019

Juarez Xavier é Professor do Departamento de Comunicação Social da Unesp Bauru e coordenador do Núcleo Negro para Pesquisa e Extensão Universitária (ARTE: Letícia Sartori/JORNALDOIS sob pinturas de Jean-Michel Basquiat e TJ Agbo)
Por Vítor Soares

A Universidade Estadual Paulista (Unesp) foi a primeira instituição pública de ensino superior do estado de São Paulo a adotar o sistema de cotas no vestibular. De lá para cá, desde 2014, cerca de 6 mil estudantes pretos, pardos e indígenas ingressaram nos 136 cursos de graduação da instituição.

O feito, inédito na história do país, teve como base diretrizes estipuladas em âmbito nacional com aprovação do Congresso e sanção da então presidente da República Dilma Roussef (PT). Naquele ano, 2012, somente a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) havia adotado cotas raciais em sua prova de ingresso.

Cinco anos depois, em 2017, a ONG Educafro, que atua para promover o acesso de negros ao ensino superior, protocolou junto ao Ministério Público uma denúncia sobre possíveis fraudes na política de inclusão em todo o país. Segundo o grupo, estudantes brancos estariam se autodeclarando como negros para obter direito às cotas.

Após as denúncias, a Unesp, em todos os seus campi, formalizou a criação de uma comissão temporária responsável por avaliar os dispostos na denúncia e passou a investigar, internamente, os casos de fraude.

Ao todo, 1903 alunos tiveram suas auto declarações avaliadas até o primeiro semestre deste ano. Desse total, 27 análises resultaram em expulsão e outras dezenas estão em fase de recurso junto à reitoria da Universidade.

Em agosto, 192 novos casos de possíveis fraudes serão avaliados pela comissão de averiguação — agora permanente na universidade — e há a possibilidade de novas expulsões.

Para ajudar a evitar que novos casos dessa natureza ocorram, conversei com o professor de jornalismo da Unesp, Juarez Xavier, que é presidente da comissão permanente de averiguação. Ele explicou quais critérios devem ser considerados pelo vestibulando na hora de assinalar a opção de cota racial na inscrição do vestibular.

Fatores fenotípicos

O principal critério estipulado pelo governo federal para a concessão do direito à cota racial no Brasil é fenotípico, ou seja, tem a ver com a aparência e não com os traços genéticos da pessoa.

Segundo Juarez, é essa definição de negritude que norteia o racismo vigente no Brasil. Nesse sentido, características como cor da pele, textura do cabelo e fisionomia (formato de boca, nariz e olhos) são levadas em conta pelas comissões de averiguação.

“Quanto mais escura é a pele, mais a pessoa sofre com o preconceito e a violência na sociedade brasileira”, explica o professor, que, além de professor, é coordenador do Núcleo Negro Unesp para a Pesquisa e Extensão (Nupe).

Convergência de fatores

Juarez explica ainda que não basta ter apenas uma das características estipuladas para ter o direito à cota. É preciso que haja, como explicou, uma convergência entre as características físicas que denotem a ascendência preta, parda ou indígena do aluno.

A regra para investigação, vigente nos atuais processos, é embasada por diretrizes definidas pelo Superior Tribunal Federal (STF), ainda em 2012, quando partidos políticos tentaram barrar o avanço das cotas raciais no Brasil.

À época, além de impugnar o pedido de barrar a política pública, o STF definiu que as universidades teriam autonomia para instalar suas comissões.

Inclusão

Para o professor Juarez Xavier, o sistema de cotas raciais deve ser protegido e aprimorado, a exemplo de outras políticas de inclusão que estão “mudando a cara da universidade”.

Ele destaca, nesta década, o aumento no número de mulheres, negros e pobres na Unesp, bem como a ampliação das políticas de diversidade a partir da adoção do nome social no ato matrícula, desde o ano passado.

“É um avanço para estes grupos acêntricos do ponto de vista acadêmico, social, étnico, e do ponto de vista da diversidade”, completa.

 
 
20 cidades serão visitadas em 10 dias pela Comissão de averiguação das autodeclarações de pretos e pardos na UNESP para aferição de documentos de 192 alunos. (Arte: Letícia Sartori/JORNALDOIS sob FOTO: Cristiano Zanardi/FOLHAPRESS e PINTURAS: Jean-Michel Basquiat e TJ Agbo)