Conselho Municipal da Juventude é formado e inicia atividades
Após 19 anos, conselheiros municipais da juventude são eleitos e representam Bauru nas etapas regional, estadual e nacional da 4ª Conferência da Juventude
Publicado em 3 de janeiro de 2024
Por Paula Bettelli
A primeira tentativa de construção do Conselho Municipal da Juventude (CMJ) de Bauru foi em 2004. Dezenove anos se passaram até o órgão ser instituído de forma oficial na cidade, em novembro de 2023. Em 2016, movimentos sociais se manifestaram e barraram o Projeto de Lei 09, que dispunha sobre a composição e funcionamento do CMJ.
Na época, a proposta feita pelo então prefeito Rodrigo Agostinho, sugeria que o órgão fosse colegiado, de caráter consultivo – ou seja, os conselheiros não tomariam decisões, apenas orientariam com sugestões – e integrasse a estrutura básica da Secretaria de Bem Estar Social (SEBES). A juventude se posicionou reivindicando que o órgão fosse deliberativo – com poder de decisão -, que a composição não fosse determinada pelo prefeito e solicitaram ampliação de vagas.
“Essa lei tinha diversos vícios, inclusive as análises da Procuradoria [da República do Município de Bauru] concordaram com os movimentos sociais”, resgatou a assistente social da Casa dos Conselhos, Ana Marta Alvares, na abertura da 4ª Conferência Municipal da Juventude, que aconteceu no dia 11 de setembro de 2023. “Aquele Conselho era uma indicação do Poder Executivo, de partidos políticos específicos”, descreve.
Em agosto de 2020 foi promulgada a lei municipal nº 7.368, instituindo o Conselho Municipal da Juventude como um órgão colegiado de caráter consultivo, com a finalidade de propor e formular diretrizes da ação governamental para a juventude bauruense. A sociedade civil elegeu os 20 conselheiros municipais em 15 de setembro de 2023 no Sesc. Na região do centro-oeste paulista, de 55 municípios, apenas Bauru, Promissão e Guaiçara têm conselhos municipais da juventude.
No dia 21 de novembro, os conselheiros eleitos tomaram posse, em evento realizado no auditório do Centro Administrativo da Prefeitura Municipal. Seis dias depois, em 27 de novembro, aconteceu a primeira reunião do órgão, na qual foi definida a Diretoria Executiva do Conselho, composta por coordenação, vice-coordenação, primeiro e segundo secretários. Além disso, estabeleceram o calendário de encontros de 2024: às segundas-feiras, às 19h, na Casa dos Conselhos. As reuniões são abertas à população.
Juventude em Bauru
De acordo com dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) de 2021, 20,6% da população de Bauru tem entre 15 e 29 anos, faixa etária que corresponde à juventude. “Uma faixa etária muito atuante nos movimentos políticos, sociais e culturais na cidade”, garante Vinicius Pereira, professor, produtor cultural e atual membro do CMJ de Bauru.
Vinicius, que também faz parte do Instituto Formando Mentes Coletivas (IFMC), relembra sua trajetória em movimentos sociais. Hoje com 26 anos, ele conta que sua porta de entrada em lutas populares foi o Coletivo Juntos, no qual entrou em 2014. “Era um coletivo político que organizou por alguns anos na cidade várias frentes de luta. Junto com trabalhadores em defesa do transporte público, por exemplo”.
O produtor cultural vê o CMJ como uma oportunidade de fazer com que as reivindicações dos jovens bauruenses tenham espaço no debate público. “Acho que é o espaço ideal para pensar essa faixa etária tão atuante, tão presente, com tantas demandas e que acaba nunca tendo um espaço de representação municipal para debater políticas públicas. Me candidatei ao CMJ por enxergar pela primeira vez na história da nossa cidade a possibilidade de compor um conselho que pode ser exemplo de mobilização e organização da juventude”.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2020 mostram a juventude como uma população plural. De acordo com o levantamento, a maior parte dos jovens brasileiros são negros e pardos, sendo 61% pardos, 10% pretos, 38% brancos, 0,5% amarelos e 0,4% indígenas.
O estudo também mostra que a maior parte das juventudes do Brasil residem em áreas urbanas. Da parcela da população entre 15 e 29 anos, 85,3% mora em áreas urbanas, com 41,2 milhões de jovens, enquanto há 7,1 milhões de jovens em áreas rurais.
Além disso, cerca de 6,6 milhões de jovens, aproximadamente 15% da população jovem, vivem com alguma deficiência, sendo a deficiência visual a mais comum.
E por fim, com dados ainda pouco consistentes pela falta de levantamento oficial, o Atlas da Juventude aponta para a existência de 20 milhões de jovens gays, 12 milhões de lésbicas e 1 milhão de jovens transexuais e travestis.
Juventude e envolvimento político
Ana Luisa Moreira, membra e segunda secretária do CMJ, revela que nunca havia participado de forma direta de movimentos políticos e sociais, sendo o Conselho seu primeiro contato. “Eu fiquei bem curiosa, é uma coisa muito nova para mim. Eu acho que tem que ter cada vez mais espaços para pessoas da minha faixa etária nessa posição. Principalmente porque a gente sabe que o governo é muito negligente quando se trata de educação e tudo mais, e só quem está ali na pele entende o que está acontecendo, sabe? De repente, para um trabalhador de 30 anos o novo ensino médio não fez diferença alguma, mas para a gente que está estudando, fez diferença”.
Com 17 anos e se formando no Ensino Médio, Ana Luisa avalia que o sentimento de não ter um espaço de escuta faz com que a juventude se afaste de discussões políticas. “Eu percebo que as pessoas da minha idade, meus colegas, não se sentem parte dessa luta política. Sentem que a política é algo para pessoas mais velhas, mais experientes. E é exatamente isso que os governantes afirmam, que nós somos jovens e não sabemos o que estamos falando. Os jovens não se sentem pertencentes a esses espaços”, considera.
Membro do Conselho Estadual da Juventude e professor, Gustavo Dallasta acredita que a convergência de diversos fatores causa o afastamento da juventude dos debates sociais. “Geralmente esse distanciamento acontece pela falta de tempo ao gerenciar trabalho e estudos; por desinteresse pela política; por não acreditarem no próprio potencial; ou mesmo não se sentirem confortáveis para ocuparem esses espaços”.
Além disso, ele aponta as diferenças sociais como um fator adicional, que dificulta a entrada da juventude periférica nesses espaços. “Bauru é uma potência criativa, nossa juventude exala criatividade. Infelizmente nem todos têm as mesmas oportunidades, e alguns precisam usar essa criatividade para correr atrás do progresso e de apoiar suas casas”, reforça.
De acordo com o Atlas da Juventude de 2021 – última edição realizada -, 57% dos jovens dizia não gostar de política ou não se envolver com o tema. Ao mesmo tempo, 34% afirmou não participar, mas se interessar por política, e 9% se considerava ativo politicamente.
O Estatuto da Juventude, lei criada para a defesa de direitos da juventude no Brasil que completou uma década em agosto de 2023, define a garantia da participação cidadã dos jovens a partir de quatro pontos, sendo eles:
- Inclusão do jovem nos espaços públicos e comunitários a partir da sua concepção como pessoa ativa, livre, responsável e digna de ocupar uma posição central nos processos políticos e sociais;
- Envolvimento ativo dos jovens em ações de políticas públicas que tenham por objetivo o próprio benefício, o de suas comunidades, cidades e regiões e o do país;
- Participação individual e coletiva do jovem em ações que contemplem a defesa dos direitos da juventude ou de temas afetos aos jovens;
- Efetiva inclusão dos jovens no processo decisório.
A construção do Conselho Municipal da Juventude acontece um ano após a eleição presidencial de 2022, na qual o número de jovens de 16 e 17 anos votantes cresceu 51% em comparação com as eleições de 2018. Este aumento demonstra um maior interesse dessa parcela da população em participar dos processos decisórios da política nacional.
O que faz um CMJ?
O Conselho Municipal da Juventude é um espaço para que representantes da juventude possam debater os projetos e as necessidades desta parcela da população, e propor a inserção deles na agenda municipal. A assistente social da Casa dos Conselhos, Ana Marta Alvares, listou as atribuições do órgão em três etapas: em primeiro lugar, levantar o que está acontecendo no município; em segundo, apontar prioridades; e por último, monitorar e avaliar as políticas públicas municipais para a juventude.
Uma pauta trazida pelo conselheiro Vinícius Pereira é a melhoria do transporte público e redução no preço da passagem. Questões que considera afetarem de forma direta a juventude bauruense.
“Quando a gente fala de transporte precarizado pode ser uma forma de contribuir para a segregação dessa juventude que não consegue acessar espaços, que não consegue ir para o rolê porque não tem ônibus para ir embora, ou não tem o valor do passe que é absurdamente caro, não tem linhas que atendam determinadas regiões nos finais de semana. Acredito que a pauta do transporte público venha com muita força dentro do CMJ, por ser uma pauta que afeta diretamente a juventude trabalhadora da cidade”
Na abertura da 4ª Conferência Municipal da Juventude, em 11 de setembro, Ana Marta citou, entre outras questões que dizem respeito à juventude, o encerramento de eventos da Prefeitura com bombas de gás. “A gente pode citar problemas crônicos em Bauru, que é uma cidade que produz eventos e encerra seus próprios eventos com bomba de gás. Será que a juventude está sendo afetada por isso? Com certeza sim. É uma faixa etária muito presente nesses espaços”, afirmou.
Em 1º de agosto, no último dos cinco dias de evento em comemoração aos 127 anos de Bauru, a Polícia Militar dispersou a população com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, caso que o Jornal Dois relatou aqui. O conselheiro Vinícius Pereira relembrou o caso, incluindo-o como uma questão de segurança pública que coloca a juventude em risco.
“Acredito que a questão da segurança pública seja um problema muito sério que afeta a juventude diretamente. Uma grande quantidade de abordagens violentas da polícia, em eventos públicos, para a dispersão do público – como é o caso do Aniversário de Bauru. Recorrentemente vemos cenas da juventude sendo convidada para a festa e depois sendo expulsa com bombas”, reforça.
De 2011 a 2021, o Brasil registrou 326.532 assassinatos de jovens. Os dados são do Atlas da Violência de 2023, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em conjunto com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nesta conta, a cada 16 minutos uma pessoa entre 15 e 29 anos foi morta no período. “São centenas de milhares de indivíduos que não tiveram a chance de concluir sua vida escolar, de construir um caminho profissional, de formar sua própria família ou de serem reconhecidos pelas suas conquistas no contexto social em que vivem”, diz o estudo.
Para a conselheira Ana Luisa, a problemática que mais chama sua atenção é em relação à precarização das escolas. “Eu entendo que a pauta mais urgente e que puxa vários ganchos, é a precarização das escolas públicas: a falta de professores, o ambiente totalmente sucateado, a falta de psicólogos e assistentes sociais, que é algo muito importante”, observa.
Conferências da Juventude
Em abril de 2019, o então presidente Jair Bolsonaro assinou o Decreto nº 9.759, conhecido como ‘Revogaço’. Com ele, foram extintos todos os conselhos, comitês e comissões, com exceção daqueles previstos em estatutos de instituições federais de ensino e dos criados ou modificados pelo próprio governo Bolsonaro. O sistema de controle social da juventude foi anulado com a aprovação deste decreto.
Em julho de 2023, Lula, no cargo de presidente da República, assinou novo decreto, este convocando a IV Conferência Nacional da Juventude e dando início às fases preparatórias dos estados e municípios, que resultaram, em cidades como Bauru, na construção do conselho municipal. O documento destaca que é muito recente a inclusão das pautas de juventude na construção de políticas públicas, e mais recente ainda a inserção dos jovens nos debates para a elaboração dessas políticas.
Durante a chamada ‘fase preparatória’ da IV Conferência Nacional da Juventude, aconteceram etapas municipais, regionais e estaduais em todo o país. Conselheiros e representantes da juventude de Bauru participaram da Conferência Estadual da Juventude, nos dias 23 e 24 de novembro no Thermas dos Laranjais, em Olímpia.
Dentre as autoridades presentes na abertura, estava o secretário de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, Fábio Pietro. Em seu discurso, Pietro chamou aulas de filosofia e sociologia de “vagabundas”. E afirmou, em fala direcionada aos jovens estudantes de ensino médio, que tais disciplinas são passadas aos alunos “para que vocês não aprendam nada”. Como resposta, foi vaiado pela platéia.
Ambas as disciplinas fazem parte da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que de acordo com o documento, “define o conjunto orgânico e progressivo de atividades essenciais que todos os alunos devem desenvolver”.
Vinícius Pereira, conselheiro que esteve na Conferência Estadual para pautar Cultura, classificou o evento como “bem tenso, uma experiência difícil”. Ele narra que o encontro não teve organização adequada.
Os grupos de trabalho (GTs), que eram 11 – divididos entre os onze eixos temáticos: cidadania, comunicação e liberdade de expressão, profissionalização, educação, diversidade, saúde, cultura, lazer, território, sustentabilidade e segurança -, foram organizados em salas, com dois grupos em cada sala. “As propostas tiradas nas Conferências municipais e regionais não foram repassadas para nós lá. Tinha gente querendo criar proposta na hora. As cidades que não estavam ali naquele GT sequer tiveram a possibilidade de suas propostas serem discutidas. Isso foi bem ruim”, criticou.
Cada GT deveria aprovar três propostas para serem apresentadas na Conferência Nacional da Juventude, que aconteceu entre os dias 14 e 17 de dezembro em Brasília.
A primeira etapa da Conferência Municipal da Juventude aconteceu em formato online e pode ser vista através do canal de Youtube do CMJ:
Carolina Guerra, professora e produtora cultural de Bauru, também foi à Conferência Estadual como representante da juventude da cidade na pauta de cultura. Para ela, a experiência dentro do GT de cultura, do qual fez parte junto com o Vinícius, foi positiva. “Trabalhar no grupo da cultura foi muito legal, tinham pessoas maravilhosas participando”, comenta.
Dentre as pautas discutidas, a produtora cultural ressalta a proposta de criação de uma casa de cultura indígena. “Onde tivesse um fomento à arte indígena, feita por indígenas, feita por jovens, para acolhimento, representatividade. Para também difundir a cultura [indígena]. Um projeto muito bonito”. A proposta foi apresentada por uma jovem indígena da baixada santista, aprovada pelo grupo de trabalho e levada para a Conferência Nacional da Juventude.
A professora destaca a presença de jovens adolescentes no espaço e a atenção especial das propostas aos jovens da periferia. “O bacana é que a maioria era bem jovem, desde menores de idade, adolescentes, e jovens de 18, 19 anos. Eles puderam expressar suas próprias vivências, cotidianos, e o que eles sentem de necessidades para serem atendidos pelo Poder Público. As propostas também foram bem legais porque elas falavam sobre os jovens que vivem nas periferias e são deixados de lado quando o Poder Público pensa em algo para a sociedade”.
Carolina aponta também a desorganização do evento, com atraso no cadastramento dos delegados de cada cidade e muito tempo dedicado às falas de políticos na abertura do evento, o que gerou atraso na divisão dos GTs e na discussão de pautas. Apesar disso, reconhece o encontro como um marco importante e os conselhos como espaços democráticos para pautar as juventudes brasileiras.
“O Conselho Municipal, Estadual e Nacional da Juventude são extremamente importantes. Eles garantem o futuro dos nossos jovens de uma forma justa, democrática, para que todos, todas e todes tenham acesso aos seus direitos. E a Conferência tem um papel importante justamente para a sociedade civil poder discutir o que seria melhor para os nossos jovens, não deixando apenas na mão de políticos do Poder Público, agindo pelas suas próprias experiências”.
Na etapa final dos encontros iniciados em agosto, a 4ª Conferência Nacional da Juventude trouxe para votação na plenária final as pautas selecionadas nas conferências municipais, regionais e estaduais. Débora Costa, assistente social e representante do Conselho Municipal da Juventude de Bauru, esteve na etapa nacional e conta que duas propostas levadas da conferência municipal da cidade foram aprovadas no âmbito da cultura: garantia de construção de centro culturais da juventude e de editais mais diversificados voltados para a juventude.
Assim como Carolina em relação à etapa estadual, Débora elogia a diversidade de jovens que estiverem presentes. “Uma das coisas mais interessantes nas conferências é a diversidade, a oportunidade de conhecer e debater com gente de todo lugar do Brasil. Na conferência nacional da juventude não foi diferente. Além do Brasil inteiro estar representado, havia uma diversidade muito grande de movimentos sociais e representantes de diferentes opiniões que agregaram muito ao debate e à construção das propostas”, afirma.
Com mobilização e participação das diversas juventudes brasileiras, as etapas prévias da Conferência alcançaram mais de 250 mil jovens. Ao todo, 1.535 cidades realizaram conferências municipais, alcançando cerca de 1.800 municípios brasileiros, de acordo com o site da Conferência. O fórum foi retomado após oito anos da 3ª Conferência Nacional da Juventude, realizada em 2015.