Cheiro de choro

“Quase todo dia eu acho que não vou dar conta, mas surpreendentemente, eu sempre dou”

Coluna publicada em 5 de abril de 2019

Tabus da maternidade: além dos clichês sobre ser mãe (Arte: Letícia Sartori / JORNAL DOIS)
Por Karol Lombardi

Tem dias que eu sinto que não vou dar conta. O bebê chora, os gatos miam, as moscas na louça que eu não lavei e o barulho do ventilador quebrado me faz querer bater o portão e deixar tudo pra trás. Já não me lembro da última vez que tomei banho sem cronometrar o tempo.

Tenho vontade de chorar, chorar largada como diziam as duplas sertanejas, mas minha vó disse que quanto mais eu choro, mais o bebê chora porque sente o cheiro do choro, e aí, um ciclo de choros sem fim te pega de vez. Que cheiro o choro tem eu não sei, mas trato de engolir o meu a seco, faço os olhos chuparem as lágrimas e deixo o chororo dele rolar. Tem dia que nada que eu faça faz ele parar. Saltos de desenvolvimento, picos de crescimento, fome, calor ou sono? O baby tradutor não veio junto com o produto ou sou eu quem não estou em conexão com ele? Tem dias que é foda!!!

As horas não passam, enquanto eu conto os minutos pro pai dele chegar, pra liberar meus braços cansados, acolher o bebê no colo, quando na verdade eu queria um colo pra mim, enfim, tem dias que eu realmente sinto que não vou dar conta.

O pai chega, dá duas balançadas e o bebê sorri, chupa o choro na hora e o pai diz: “tá vendo, ele nem dá tanto trabalho assim”. Nesses dias o saldo na conta de péssima mãe aumenta. Vou pro banheiro inconformada.

Choro no banho pra ver se as lágrimas se misturam a água e sabonete, será que assim ele vai sentir o cheiro de choro em mim?

Deságuo, do banho nem sei mais. Saio rápido, hoje não vou lavar o cabelo, o pai tá na porta balançando freneticamente pra conter o choro, “mor, acho que ele quer mamar”! Mas ele mamou faz 20 minutos!!!

A noite vem vindo, ele dormiu mamando, respiro fundo, mas com cuidado pra não despertar, mais uma noite em claro e eu desabo.

Quase todo dia eu acho que não vou dar conta, mas surpreendentemente, eu sempre dou. E outro dia nasce, acordo com um chorinho estridente…ué! será que o cheiro ainda está em mim?


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