Após reunião com PM, Conselho da Comunidade Negra quer elaborar projeto direcionado aos jovens de Bauru

“A gente tá começando do zero”, afirma presidente do Conselho da Comunidade Negra

Reportagem publicada em 12 de julho de 2018

 

 

Ao todo, 15 pessoas entre conselheiros municipais, representantes da PM, do poder público e da sociedade civil se reuniram para dialogarem sobre cultura, lazer e violência em Bauru (Foto: Ana Carolina Moraes/JORNAL DOIS)


Por Ana Carolina Moraes

Membros do Conselho Municipal da Comunidade Negra e dos Direitos Humanos se reuniram no Teatro Municipal, no último dia 3, para conversar com a Polícia Militar de Bauru sobre as abordagens aos jovens negros. A reunião foi marcada pela Secretaria Municipal de Cultura, que também esteve presente, representada pelo Secretário Luiz Fonseca.

O encontro buscou discutir possibilidades entre os Conselhos, o Poder Público e a Polícia Militar para que os direitos humanos sejam respeitados e a segurança dos jovens negros, garantida. “Eu tendo a acreditar que conversando, tendo esse diálogo, a gente vai conseguir amenizar a maneira que eles [policiais militares] abordam as pessoas”, comentou Greice Luiz, presidente do Conselho Municipal da Comunidade Negra.

 

A justificativa da ação porque uma garrafa teria sido atirada contra policiais; testemunhas negam ter visto tal ato (Reprodução/Redes sociais)

O motivo da reunião foi um incidente ocorrido após um evento no Parque Vitória Régia. O Arraiá de Xangô aconteceu no domingo, 23 de junho. No final do arraiá, policiais militares lançaram bombas de efeito moral no intuito de dispersar um grupo de jovens. A ação gerou uma mobilização nas redes sociais, que questionaram a atuação dos policiais, já que não só jovens estavam no Parque no momento do ocorrido.

“A PM não compactua quando extrapola”, informou o Capitão Bruno Mandaliti, comandante da 4.ª Companhia da Polícia Militar de Bauru. Segundo Mandaliti, não houve diálogo entre a PM e a organização do evento durante a ação, pois não se sabia quem fazia parte.

Conversa produtiva

“Foi bem produtiva a conversa. Dentro de um estado democrático de direito, foi possível deixar as pessoas livres para falarem, tanto por parte de reclamações e reivindicações, quanto o que é principal, a necessidade de melhorias”, comentou Capitão Mandaliti sobre a reunião.

A afroempreendedora Maisa Crespa contou situações em que foi constrangida por policiais enquanto expunha seu trabalho como artesã no Calçadão da Batista de Carvalho (Foto: Ana Carolina Moraes/JORNAL DOIS)

O debate rolou com relatos de ocorrências de abordagens agressivas pelos policiais em Bauru, explanações sobre a rotina e a forma de abordagens da Polícia Militar.

Um dos eixos da discussão foi a Lei Municipal Nº 6.903, conhecida como a “Lei das Festas Clandestinas”, que foi apontada por Tetê Oliveira, militante do movimento Juntos (PSOL), como um fator que favoreceu o aumento de ‘rolezinhos’ na cidade. A lei, sancionada em abril de 2017, proíbe a realização de eventos “sem a devida obediência às formas legais comerciais, tributárias, de fiscalização com respectiva gestão e vigilância de riscos para os usuários do evento”, como consta no documento. À época, movimentos sociais e jovens se manifestaram contrários a aprovação da lei, alegando que a norma restringiria opções de lazer na cidade.

Outros tópicos da Lei, como a obrigatoriedade de ambulância do Samu em eventos de grande porte, também foram discutidos na ocasião. Greice Luiz, presidente do Conselho da Comunidade Negra e membro da organização do Arraiá de Xangô alegou desconhecer as exigências da prefeitura apresentadas. “O comandante da PM chegou com documentos que a gente não conhecia, nem acesso a essas informações tínhamos”, comenta. De fato, as especificações para a organização de eventos no Parque Vitória Régia, por exemplo, não estão descriminadas no documento da “Lei das Festas Clandestinas. “Se realmente a gente participou do evento, ou apoio, ou atuou na organização, como é que a Prefeitura não nos orientou para ter Samu, polícia?”, questiona a presidente.

Os ‘rolezinhos’ também foram pauta da reunião. Membros do Conselho Municipal de Direitos Humanos questionaram o Capitão da PM sobre a repressão aos encontros de jovens, já que os rolezinhos não tem um organizador. “O ‘role’ acontece rotineiramente na cidade, quantos tiveram bomba de gás?”, respondeu o comandante durante a explicação de que as abordagens são realizadas para garantir a segurança da sociedade e também dos policiais envolvidos.

Na mira

O Atlas da Violência, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Fórum de segurança pública, foi divulgado no começo de junho de 2018. O documento atualiza os dados de práticas violentas em todo país e denuncia a violência contra mulheres e a população negra.

O Atlas do IPEA foi citado durante a reunião como um indicativo da violência na abordagem policial no Brasil. Presidente do Conselho Municipal de Direitos Humanos, Kátia Valerya comentou sobre o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e sobre os alvos dessas ações polícias. De acordo com o Atlas, 56,6% das mortes de homens entre 15 e 19 anos foram decorrentes de homicídios. Este índice teve aumento em 20 estados do Brasil, mas em São Paulo, seguindo a tendência dos últimos anos, a taxa caiu 46,7%. Apesar dos números, a violência no estado de São Paulo ainda é grande: só no ano passado, foram registrados 943 casos de mortes pela Polícia Militar.

Portas abertas

Ao final do encontro, o comandante convidou os membros de ambos os Conselhos para conhecerem o Batalhão e as estatísticas de abordagem de Bauru. “As portas da polícia militar estão abertas para os grupos que podem, até mesmo fazer uma auditoria do que a gente faz — quantidade de abordagens, aonde é abordado. Eu acho que aproximação, debate e diálogo é mais importante do que o próprio evento que está sendo feito”, conta.

 

Da esquerda para direita: Greice Luiz, presidente do Conselho da Comunidade Negra; Ricardo Santana, jornalista; Capitão Bruno Mandaliti, comandante do 4º Batalhão da Polícia Militar de Bauru; e Luiz Fonseca, Secretário Municipal da Cultura (Foto: Ana Carolina Moraes/JORNAL DOIS)

Para Greice, presidente do Conselho Municipal da Comunidade Negra, o encontro foi válido para elaborar novos projetos voltados à juventude. A presidente comenta que há anos não há iniciativas direcionadas à crianças e adolescentes, e que a reunião foi importante para mostrar esta realidade à Secretaria Municipal de Cultura e cobrá-los por isso.

A partir deste encontro, um projeto de lazer pensado para os jovens deve ser elaborado pelo Conselho em parceria com outros órgãos municipais. “Mesmo que já tenha acontecido ações parecidas, elas não foram efetivas. A gente tá começando do zero”, conclui.