A luta antirracista e o governo Bolsonaro

Aos trabalhadores negros estão reservados os piores empregos e um número insignificante de negros conseguem sair dessa situação — a aplicação das políticas sociais compensatórias dos últimos governos não mudou em nada essa situação

Reportagem publicada em 12 de dezembro de 2018

Como já ocorre no país com a lei que congela gastos públicos, as políticas recessivas anunciadas pelo novo governo vão atingir o em cheio serviços públicos como previdência, saúde, educação e prejudicando os mais pobres (Imagem: Reprodução/A morte do Avarento, pintura de Hieronymus Bosch)


Por Roque Ferreira, colunista do JORNAL DOIS

A vitória de Bolsonaro, em outubro, com seu programa de ampliação dos planos de austeridade e a difusão de valores reacionários como o racismo, machismo, homofobia, exigirá do proletariado, e entre estes, os negros, uma elevação de sua organização enquanto classe para travar o combate e para se defender.

Ao se falar em “pobres” no Brasil, automaticamente estamos falando necessariamente da maioria da população negra, que será a mais prejudicada pelas políticas recessivas anunciadas pelo governo, que atingirão em cheio os serviços públicos — previdência, saúde, educação — como o que já ocorre com o congelamento de gastos públicos.

Para colocar em prática todas as medidas anunciadas pelo seu super ministro Paulo Guedes, Bolsonaro será obrigado usar todo o aparato repressivo do Estado como a polícia, o judiciário, e outros para sufocar qualquer movimento da classe trabalhadora e das massas contra seus planos de austeridade.

A pretensão de Bolsonaro é sufocar a luta de classes por meios policiais. Isso aumentará de maneira substancial a violência contra a população negra e com certeza enfrentará uma enorme resistência da classe trabalhadora, incluindo nessa massa uma grande parte de seus eleitores.

A vitória de Bolsonaro foi o enterro da Nova República, do pacto social efetivado com a Constituição de 1988 e da democracia burguesa que sustenta o sistema de exploração de classe. Uma grande parte das massas, onde estão incluídos negras e negros, deixou claro que pouco lhe importa esse sistema que só fez até agora piorar suas vidas e ampliar seu sofrimento e a angústia permanentemente.

A campanha eleitoral e o resultado das eleições demonstra de forma inequívoca que a negação da luta de classes como um dos pilares centrais da luta antirracista, posição esta defendida por vários segmentos do movimento negro, contribui para “despolitizar” nossas lutas, confinando-as nas bolhas dos pós-modernistas, alimentando entre a vanguarda a ilusão de que poderiam ser incluídos neste sistema e nesta ordem.

Aos trabalhadores negros estão reservados os piores empregos. Existe um número insignificante de negros que conseguem sair dessa situação. A aplicação das políticas sociais compensatórias dos últimos governos não mudou em nada essa situação.

O Brasil é o segundo país do mundo em população negra ficando atrás somente da Nigéria. Mais de 51% da população são esmagados pela pobreza e pela violência do racismo através da discriminação e dos preconceitos, que naturaliza a violência oficial do Estado via seus aparatos repressivos, especialistas em assassinar jovens negros e pobres (são mais de 63 mil mortos a bala por ano no Brasil, a maioria sendo jovens, homens e negros). A repressão policial, em particular os assassinatos cometidos nas “incursões” nos bairros operários de São Paulo e Rio, sempre tem jovens negros mortos como consequência.

A política integracionista ao sistema e a ordem que tem muitos adeptos no meio universitário e acadêmico faliu definitivamente, pois o sistema capitalista nesta sua fase de apodrecimento necessita cada vez mais excluir milhões para continuar a garantir a manutenção da taxa de lucro dos banqueiros e das grandes corporações.

Estamos num período onde todas as batalhas que travamos são de vida ou de morte. Por isso, não pode haver entre nós condescendência com uma minoria negra que integra as classes médias, que alcançaram os confortos da pequena burguesia, e que sob uma aparente radicalidade identitária ataca os movimentos negros que combatem a prática da caridade, via ONGs, fundações, que se constituíram em instrumento de cooptação de parcela significativa de negros e negras para o mundo da pequena burguesia decadente. Essa minoria encantada e interessada nos valores pequeno-burgueses é um obstáculo ao combate que a maioria esmagadora do povo negro está chamada a travar contra o racismo e a exploração de classe, tarefa que está exclusivamente nas mãos da grande maioria negra oprimida que integra a juventude e a classe trabalhadora.

A tarefa central para o próximo período para a população negra e para a luta antirracista é o de estar junto à classe trabalhadora, aos sindicatos, aos movimentos populares no combate contra este governo e ao que ele defende e representa. Nessa dinâmica vigorosa da luta de classes como trabalhadores e trabalhadoras devemos ter como perspectiva a construção de um partido, de fato, dos trabalhadores que se coloque claramente como um partido da revolução socialista.


As colunas são um espaço de opinião. As posições e argumentos expressas neste espaço não necessariamente refletem o ponto de vista do JORNAL DOIS.