As escolas que não vão desfilar
Três agremiações deixaram de exibir suas alas e carros alegóricos no sambódromo: Azulão do Morro, Imperatriz da Bela Vista e Águia de Ouro. Entre os motivos em comum, a falta de dinheiro e de participação da comunidade
Reportagem publicada em 19 de fevereiro de 2019
Por Bibiana Garrido
Foi em 2011 que o carnaval voltou a acontecer no sambódromo em Bauru. O local é a quarta construção do tipo no país, depois da Marquês de Sapucaí (RJ), Sambão do Povo (ES) e da Passarela Nego Quirido (SC). No ano passado, 30 mil pessoas passaram pelo sambódromo, segundo a Secretaria Municipal de Cultura, para prestigiar aquele que já foi o maior carnaval do interior do estado de São Paulo.
É que a folia ficou em pausa por aqui durante dez anos. Na época, o prefeito Nilson Costa (PL) alegou falta de recursos enquanto sofria um processo de cassação. Durante a década em que o sambódromo ficou fechado, os desfiles ocupavam as avenidas, as ruas e os bairros.
A equipe do Jornal Dois conversou com presidentes de escolas de samba que acompanharam a retomada do carnaval na cidade, e que pararam de desfilar nos últimos anos.
Fomos até a casa de Cidinha Caleda, da Azulão do Morro, representante do Parque Jaraguá. Visitamos também José Carlos Zotino, da Imperatriz do Bela Vista. Entramos em contato com a escola Águia de Ouro, que saía pelo Núcleo Habitacional Presidente Geisel, porém, os integrantes não atenderam à reportagem.
De um carnaval que chegou a contar oito escolas nos desfiles, em 2015 no sambódromo, ficaram cinco confirmadas na edição de 2019.
Para Cidinha, presidente da escola de samba Azulão do Morro, os anos sem apoio da prefeitura foram o xeque-mate na folia bauruense. “O carnaval tinha morrido, e a gente continuou a desfilar pra não deixar morrer”, lembra. “Se não tem o carnaval, o dinheiro tá destinado pra cultura do mesmo jeito. Só que vai ficar no teatro. E o que eles fazem pra periferia? Nada. Ficou aí esses anos todos sem festa e não melhorou nada na saúde, na educação”.
Na visão dos presidentes, a década sem carnaval oficial influenciou negativamente a participação do pessoal do bairro porque interrompeu uma tradição que se fortalecia. Os dois são unânimes ao afirmar que uma geração perdeu o contato com a cultura da festa, e não teve a oportunidade de desenvolver interesse na participação dos blocos e escolas.
Tanto Zotino, quanto Cidinha, começaram a dar os primeiros passos no samba ainda na juventude. Olhando para trás, cada um tem quase 40 anos de carnaval.
Ele, que chegou como convidado para desfilar e virou presidente da antiga escola Camisa 10, nunca mais deixou a paixão pela folia. Da experiência adquirida e da vontade de unir o Bela Vista em uma nova agremiação, nasceu a Imperatriz. Já ela, participou dos desfiles do Nova Esperança até se juntar com o pessoal do Jaraguá para criar o bloco do Azulão, que depois virou escola.
“Se você vive numa comunidade com jovens de 12, 13 anos, que frequentam, participam dessa cultura do carnaval, eles criam amor. Mas houve um esfriamento, e quando retomamos já não foi a mesma coisa”, avalia Zotino, presidente da Imperatriz da Bela Vista. “Hoje temos adultos que não viveram isso, e eram para estar ajudando a construir esses carnavais”.
A Imperatriz da Bela Vista entrou no sambódromo antes e depois do hiato, mas Zotino conta que foi na Avenida Nações Unidas, em 1982, que ganharam o desfile com 1250 integrantes. Depois de ser desclassificada por falta de componentes, está parada desde 2016.
Nessa história, a Azulão do Morro também marcou presença. Desfilou pela primeira vez como escola em 2011 e já foi a campeã no retorno do carnaval no sambódromo. O último desfile da agremiação foi em 2017.
“Naquela época a gente tinha um nível de competição muito grande, era todo mundo querendo inovar. Eu ficava costurando as fantasias sozinho aqui em casa, eu e meu filho. E fui o primeiro do país a montar uma comissão de frente com mulheres”, diz o presidente da Imperatriz do Bela Vista. “Hoje já não tem o compromisso com a qualidade, já não temos carnavalescos, temos mercenários”, critica.
O excesso de trabalho nas mãos de pouca gente também é reclamação em comum de quem parou de desfilar. Cidinha revela que sofreu problemas de saúde por causa da diabetes e estresse em alta quando chegava a época de carnaval. “É muito sacríficio, chega uma idade que não dá mais”, diz ela, que quis passar a direção da escola adiante. “Nós paramos, e cadê? Ninguém do bairro continuou. Hoje as pessoas não dão valor”.
Nos terrenos baldios próximos à casa de Cidinha é que ficavam estacionados os carros alegóricos da escola. Um deles já foi vendido, o outro, espera a retirada pelo comprador. A presidente da Azulão conta que depois de decidir parar com os desfiles, guardou todo o material das fantasias e estruturas caso uma nova diretoria quisesse assumir a responsabilidade. E isso não aconteceu.
Sem gente para ajudar, as escolas ficaram cada vez mais comprometidas no planejamento e organização. Isso porque a verba da prefeitura para as agremiações só chega bem perto do feriado, o que compromete os cartões de crédito, cheques e economias dos responsáveis.
Enquanto a Azulão do Morro parou de desfilar de uma vez, o fim da Imperatriz passou por dois momentos. “Em 84, acabamos por interesses políticos que não queriam a gente desfilando. Começou a ter perseguição, a gente não podia ensaiar que chegava polícia. Aí eu resolvi dar um tempo”, relata Zotino. “Agora, quando voltamos, é que a gente não tinha estrutura financeira mesmo”.
As agremiações que não recebem patrocínio, ou seja, que dependem unicamente do dinheiro dado pela prefeitura, saem prejudicadas pela demora. Décadas de história ficam nos registros e na memória de quem fez parte de uma escola de samba que já acabou.
Na Águia de Ouro, que chegou a ficar em segundo lugar nas edições de 2013 e 2014, a falta do dinheiro também contribuiu para o encerramento das atividades. A escola anunciou ao público que não participaria do carnaval dez dias antes do desfile em 2018.
Quando questionados se pretendem voltar à ativa, os presidentes da Imperatriz da Bela Vista e da Azulão do Morro respondem que o tempo já passou. “Não deixei de gostar de carnaval, eu gosto”, balança Zotino, “mas hoje fazer uma escola de samba não é fácil”.
Cidinha, sob o reflexo dos troféus carnavalescos em sua sala de estar, conclui: “Na minha direção, nunca mais. O Azulão se acabou mesmo”.
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