Crisálida solitária
Gravidez além do que te contaram: as particularidades e descobertas da gestação, sob a ótica de Karol Lombardi
Coluna publicada em 5 de fevereiro de 2019
Por Karol Lombardi, colunista do Jornal Dois
A gestação é uma jornada solitária. Ninguém vai te dizer isso até que você a trilhe, e não, não é por maldade de nossas mães e avós, é porque gerar uma vida é um processo tão individual e silencioso que dificilmente encontraremos palavras para alertar quem quer que seja.
Também gosto de acreditar que ao ver aquele rostinho mirrado e aquele choro assustado nós, até então hospedeiras, nos transformamos e esquecemos, mesmo que momentaneamente, de todos os percalços enfrentados até ali. É o que consigo imaginar enquanto silenciosamente mesclo o meu ser ao de uma pessoa que será inteiramente avulsa de mim, dona de sua própria personalidade, desejos e medos.
Esses dias pensei a respeito do pronome MEU na frase “Meu filho!”, em primeiro momento me senti super, invencível e senti que nunca mais eu seria sozinha no mundo, porque sempre haveria o meu filho, parte de mim, carregando 23 cromossomos meus pelo tempo que a eternidade lhe couber nessa existência. Meu filho, minha metade… Mas fui tomada por um sentimento de egoísmo, e me senti culpada por querer possuir uma pessoa que ainda nem nasceu.
Então achei bonito formar um anagrama e atribuir à letra M do pronome, à “Mais do que” acrescido do EU. Assim meu filho seria Mais do que eu, não deixando de ser um pedacinho de mim, só que a melhor parte, a parte de mim que foi acrescida do maior milagre da vida que é, gerar outra vida.
Antes de engravidar eu pensava em como eu me vestiria, em como organizaria minha rotina para acordar cedo e fazer meditação para o bebê, na agenda que se dividiria entre pilates, hidroginástica e drenagem. Pensava em como eu me alimentaria bem e tomaria suco verde todos os dias com muito espinafre sim senhor! Até montei uma playlist de músicas calmas e cheias de significados para mim que deveria ser ouvida todos os dias, eu leria livros, assistiria documentários e faria um diário sobre cada dia à espera do meu filho.
Mas gerar um filho é um processo árduo, e isso fica bem claro a partir do momento em que você vê duas listrinhas no teste de farmácia. Tudo que você achava que sabia sobre o seu corpo muda do dia pra noite, aquele cardápio que te fazia tão bem já não te agrada mais, aquela rotina de trabalho que você tocava sem reclamar passa a ser uma maratona diária, aquela ladeira de casa se torna um monte Everest e tudo, exatamente tudo se volta para o bebê.
E não é só das preocupações que eu estou falando, nosso sistema biológico se configura para atender o bebê em primeiro lugar, você se torna literalmente a hospedeira, biologicamente falando. E a sociedade te coloca no grupo das mães, aquelas que estão passando por um momento “interessante”, que de fato o é. Mas para os homens, deixamos de ser mulher, é improvável e repugnante pensar de forma sexual em nós, as mulheres que ainda não geraram nos olham como coitadas, condenadas a se vestir mal e encher os ouvidos alheios com papo de maternidade, e ai, ai de nós se não falamos, não pesquisamos ou não parecemos gratas todos os dias, ai entramos para o time seleto de gestantes ruins, pessimistas e egoístas.
Para as ex gestantes agora promovidas à mães, somos uma tábula rasa da maternidade, nossas ideias, mesmo que formada por muitos artigos científicos e opiniões profissionais, é mera utopia, e nunca conseguiremos aplicar tais ideias à realidade se elas não conseguiram. E se por um infortúnio ousamos dizer que as vezes, o fracasso é a falta de tentativa de mudar a forma como encaramos a criação, e que não devemos repetir ao nossos filhos a forma que fomos criados, ai pronto, é guerra declarada!!! Gestante arrogante versus mãe exausta. E no fim, acredite, ninguém está com a razão. Ou todas estamos, porque em cada mulher, um universo inteiro, experiências únicas, vivências exprimidas, doloridas e singulares, porque mesmo em categoria generalizada, a gestação é um processo apartado, cada mulher teve que deixar algo para trás, desenvolver seus instintos e se preparar pra nunca mais ser ímpar. E como tudo na vida, há a sua beleza nisso também, como uma crisálida estou a espera daquele que me metamorfoseará.
As colunas são um espaço de opinião. As posições e argumentos expressas neste espaço não necessariamente refletem o ponto de vista do Jornal Dois.
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