Tim Maia em Bauru: o show que ninguém viu

A passagem de Tim Maia por Bauru foi marcada pela criação do termo “baurete”. Apesar de conhecido, pouca gente se lembra do show que virou uma lenda

Reportagem publicada em 28 de janeiro de 2019

Tim Maia teria se apresentado no Luso em 1971. (Colagem: Letícia Sartori/JORNALDOIS sob Arte: Viviam Campelo/@lomblinha, MauricioRar/@mauriciorar59, Bruno Martins/bruno.m4rtins e Julia Malkova/@jmalkova)
Por Lorenzo Santiago

“A década de 70 foi muito movimentada no cenário cultural de Bauru. Teve show do Roberto Carlos, Gilberto Gil, Mutantes. Mas do Tim Maia eu sinceramente não me recordo” afirma o engenheiro Veríssimo Barbeiro. E também Sivaldo Camargo, Sylvestre Oliveira, Tuba Ferreira e Beto Pampa. A frase foi dita e repetida várias vezes na busca por mais informações sobre o folclórico show do síndico em Bauru. Muita gente conhece a história, mas poucas realmente estiveram, ou sequer se lembram, do show de Tim Maia em Bauru. 

O livro ‘O Som e a Fúria de Tim Maia’, de Nelson Motta, traz na página 62, uma passagem sobre o show de Tim na Cidade Sem Limites. Segundo o autor, o músico veio para Bauru sem um cigarro de maconha e perguntou durante a apresentação, se alguém tinha um Baurete (fazendo alusão à droga):

A fissura era tanta que, no meio do show, no meio da música, Tim perguntou o público: “Aqui não é a terra daquele sanduíche esperto, o bauru? Pois é, o B é muito bom mas eu estava querendo mesmo era um… bauruzinho, um baurete” implorava, fazendo o gesto de ‘empinar pipa’ com a mão para a platéia perplexa. Ninguém entendeu nada, mas depois do show apareceu um hippie doidão e conseguiu seu baseado, consagrando a palavra baurete, que seria um clássico do seu vocabulário, se integraria às gírias dos músicos e viraria título do LP Os Mutantes e seus cometas no país dos bauretes 

O livro não traz mais detalhes sobre data e local do show, mas segundo o diretor artístico da Companhia Estável de Dança de Bauru, Sivaldo Camargo, a apresentação teria ocorrido entre os anos de 1970 e 1971 na Associação Luso Brasileira. “Eu não me lembro desse show, mas eu conheço essa história do cigarro de baurete. A gente até tentou achar esse maluco que deu o baseado pro Tim depois de um tempo, mas não conseguimos”, resume Camargo. 

A versão de Sivaldo faz sentido. O LP dos Mutantes que carrega a homenagem a Bauru – Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets – foi lançado em 1972. O problema é que, mesmo àqueles que tiveram contato com a organização de shows na época não se lembram dessa passagem de Tim.

Circuito

A década de 1970 ficou marcada pela passagem de grandes shows na cidade. A maioria era realizada por estudantes das universidades. 

Era o começo da vida universitária em Bauru. A faculdade de Odontologia da USP foi criada em 1962 e a Fundação Educacional de Bauru (FEB) é de 1967. As duas recebiam apoio do compositor Benil Santos para os eventos do “Circuito Universitário” – Santos era quem facilitava o contato com artistas. As entidades estudantis organizavam os shows e ganhavam dinheiro com a venda de ingressos. 

Na FEB, o principal espaço de mobilização estudantil era o Diretório Central dos Estudantes CIENTE (Centro de Ciências, Engenharia e Tecnologia), responsável pela promoção de eventos e festas. O engenheiro Veríssimo Barbeiro foi presidente na criação do CIENTE, em 1972, e conta que as entidades extrapolavam os limites da universidade para a realização dos shows:

“Na época tinha até uma disputa entre a Engenharia e a Odonto, de quem trazia os melhores shows. O Vinicius [de Moraes] e o Toquinho a gente organizou na Luso. Nesse mesmo período, a Odonto trouxe o show do Caetano Veloso, por exemplo” afirma Veríssimo Barbeiro.

Os eventos eram frequentados por universitários e jovens da classe média bauruense. Não existiam muitas casas de shows e a vida social destas pessoas era nos clubes e atividades dos Centros Acadêmicos. “Nós tínhamos uma sede, um espaço com sala de jogos, bar, restaurante e boate. Lá acontecia toda a movimentação do dia a dia dos estudantes” relembra Veríssimo. 

Veríssimo Barbeiro Filho foi presidente do CIENTE na década de 70 e ajudou a organizar eventos na faculdade e em clubes de Bauru (Foto: Arquivo FEB)

Para os bauruenses da classe média-alta, a lanchonete do Capristor era o rolê dos finais de semana. Um ambiente fino, com um mezanino onde ficava a banda contratada fixa e algumas mesas, o andar de baixo com todo o saguão para mesas e cadeiras. As pessoas quase não dançavam. Este público consumia muito a MPB que estava em alta, como Chico Buarque e Caetano Veloso. Fora desse nicho, Roberto Carlos tinha uma forte influência por tocar nas rádios. 

Tim Maia não estava nesse circuito na época. Não fazia parte nem da cúpula branca e de classe média da MPB, nem do Rock que fazia sucesso com Erasmo e Roberto Carlos. Em 1971, Maia tinha acabado de lançar seu primeiro álbum. Tocando uma mistura de funk, soul e MPB, o músico não estava no hall de músicas mais ouvidas entre os universitários. Só para se ter uma ideia, Chico Buarque já tinha, nesse mesmo ano de 1971, 8 discos gravados. Tim era um homem negro do subúrbio carioca: um perfil que não era compatível com o que os ricos consumiam na época.

‘Baurets’

A história do cantor em Bauru contada no livro do Nelson Motta é confrontada na autobiografia de Rita Lee. Segundo o livro da cantora, Tim não pediu os “baurets” no meio do show, mas no próprio camarim:

Camarim secura total. De repente, Tim começa a gritar: “Porra, aqui é a terra do bauru, alguém vai ter que me comprar um bauru. Tô com fome. Não entro no palco se não rolar um bauru!”. A produção entra no camarim preocupada com os gritos, os dois meganhas entram atrás e Tim interpreta a situação: “Eu só canto se me descolarem um bauru, entendeu? Bauru! Bauretz! Eu quero um bauretz, sacou? Bauretz!”. Sim, a produção “sacou” perfeitamente. A solução foi dar uma grana para os dois meganhas com a missão de comprar o famoso sanduíche antes que a apresentação daquela noite fosse para o brejo. “Ni qui” a rapaziada de uniforme saiu, a rapeize do beise deitou e rolou. Naquele momento histórico, a cannabis foi oficialmente batizada nos meios artísticos de bauretz.

A história dos ‘baurets’ ficou famosa por ter feito de Bauru um apelido muito usado por Tim Maia e Rita Lee, mas o show não ficou na memória e se tornou um grande folclore popular. 

Sylvestre Oliveira é coordenador de programação  e apresentador da Rádio Unesp FM. Foi DJ nos anos 80 nos principais bailes blacks da cidade. Era um dos principais DJs do Sandália de Prata. Apesar de ter circulado no meio da música bauruense, Sylvestre também não se lembra da passagem de Tim Maia na cidade lanche: “Eu tive contato forte com o Tim em Araraquara, mas em Bauru eu não me lembro”.

Nossa reportagem entrou em contato com Nelson Motta e Rita Lee, através de suas assessorias e redes sociais, mas até a publicação não tivemos respostas.