Mais alagamentos, mais calor e menos sombra: como seria a cidade sem árvores
Falta de distribuição, planejamento e diversidade nas espécies soma-se à expansão de estruturas cimentadas que vedam o solo e aumentam a temperatura
Reportagem publicada em 22 de janeiro de 2018
Por Bibiana Garrido
Quando a gente sobe a rua em um dia de sol forte, dá para ver as ondas de calor balançando pouco acima do asfalto. No verão é que geralmente as pessoas voltam a prestar atenção nas árvores — a busca por um espaço de refresco traz aquela sensação de “pô, árvore é importante”.
Do chão, dos muros das casas e das paredes dos prédios, o concreto quente expande a sensação térmica para todos os lados.
A Bauru da década de 1950, naturalmente, tinha uma paisagem muito mais verde do que a de agora. Novas construções, novos bairros, ampliação de vias e redução de calçadas na cidade em industrialização acabaram por não oferecer muitas opções e incentivo para a vegetação urbana.
“Se você olhar uma fotografia de Bauru de 50 anos atrás vai ver que nós perdemos muito verde. Nossa, como tinha árvore em Bauru!”, lembra Emerson Crivelli, da Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos de Bauru (Assenag).
Quase 70 anos depois, as árvores permanecem concentradas nos lugares onde já existiam: bairros como Bela Vista, Gasparini, Estoril e Vila Falcão. Essa é a avaliação de Luiz Fernando Nogueira, engenheiro agrônomo da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma).
“Se eu passar lá no Estoril, que tem aquelas árvores bem antigas e grandes, percebo que não fica tão quente e até a umidade do ar é melhor para respirar”, comenta Laís Verardo, moradora da região do centro.
A qualidade do ar em Bauru já foi tema de estudo da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb): em 2012, nossa frota de veículos liberou cerca 5,89 mil toneladas de poluentes no ar. Vale lembrar que temos, em média, um carro por habitante — e que a taxa de aquisição de automóveis por dia é mais alta que a taxa de natalidade no mesmo período.
“Aqui no centro, além de não ter muita árvore, fica muito sujo por causa da poluição”, fala a bauruense Laís. “Eu não sou alérgica a poeira, mas minha mãe tinha crise asmática na época que morava pra cá”.
Responsáveis por reter gás carbônico e produzir oxigênio, as árvores ajudam a diminuir a poluição do ar e reduzem a ocorrência de doenças respiratórias e de pele. Problemas relacionados ao estresse também são menos comuns em áreas bem arborizadas. É o que diz documento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) sobre o efeito calmante que esses espaços têm nas pessoas.
Onde estão as áreas verdes?
Não existem dados oficiais sobre os números da arborização urbana no município, e, para ter um controle da situação, a Semma realiza vistorias periodicamente. “Por experiência e pelos dados de vistorias da Semma é possível afirmar que ainda estamos em situação confortável”, avalia Luiz Fernando Nogueira. O engenheiro agrônomo credita essa confiança às árvores que ainda estão de pé nas regiões históricas da cidade, mas não sabe dizer como será quando elas, por causas naturais, tiverem de ser cortadas.
Recentemente foram realizados exames de ultrassom em árvores da Praça Rui Barbosa e da Av. Nossa Senhora de Fátima com o objetivo de avaliar a saúde das espécies para realização de obras nesses locais.
“A importância ambiental de árvores daquele porte tem que ser preservada enquanto for possível, pelo conforto térmico proporcionado. A quantidade de água que suas folhas retardam para chegar no solo em uma chuva é muito grande e a liberação de água para a atmosfera melhora a umidade do ar. Os benefícios são imensos”.
— Luiz Fernando Nogueira, engenheiro agrônomo da Semma
A substituição de uma árvore derrubada é obrigatória por lei e, de acordo com Nogueira, muitas vezes o resultado dessa medida é menor do que o esperado. “O plantio de arbustos em lugar de grandes árvores é um problema a ser enfrentado se não tomarmos consciência logo”.
Para além dos limites residenciais e industriais, as fronteiras do perímetro bauruense se estendem até as Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e suas unidades de conservação. As APAs Água Parada, Rio Batalha e Vargem Limpa-Campo Novo juntas somam 628 hectares protegidos.
Essa configuração de mata ao redor da cidade é colocada no Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica e do Cerrado como um ecossistema de “fragmentos bastante isolados, imersos numa paisagem dominada pela agricultura e por grandes centros urbanos”.
Poucos municípios no estado de São Paulo preservaram áreas maiores que 100 hectares, segundo o escrito, o que serviria de modelo para “planos futuros de recuperação vegetacional” em Bauru.
“O que sobrou de mata nativa é muito pouco. São pequenas porções que a gente vê uma separada da outra, não tem uma continuidade”, avalia o biólogo Raphael Oliveira. “Tem rodovia, estrada pra tudo que é lado. Muitos sítios, fazendas e agora também os condomínios que estão invadindo os espaços. Esse é o cenário: pouca mata nativa contínua e perturbação dos animais silvestres”.
A fragmentação das matas e frequente expansão de atividades urbanas acaba reduzindo áreas de vida de animais territorialistas, como a onça e o lobo. Raphael trabalha com a preservação dessas espécies e fala sobre a dificuldade dos animais para achar alimento em APAs de baixa qualidade ambiental — o que acaba fazendo com que apareçam de vez em quando no meio da cidade.
“Pelo simples fato de esse animal procurar alimento, ele tem que andar vários quilômetros de uma mata nativa para outra, vai cruzar por várias rodovias. Hoje o atropelamento dessas espécies é um dos fatores mais fortes que contribuem para extinção. O pessoal acha que tem muito animal por aí, mas na verdade eles tão apenas mais visíveis. Eles não tem mais mata, não tem mais lugares para se esconder. É uma coisa bastante complicada esse avanço urbano na zona rural, é preocupante pra gente”.
— Raphael Oliveira, biólogo
Outro ponto lembrado pelo especialista é a falta do cumprimento da regulação sobre as matas ciliares em Áreas de Proteção Permanente. Não preservar a mata que fica em volta dos cursos d’água pode aumentar os riscos de poluição e contaminação dos córregos e rios.
Como arborizar a cidade?
A fiscalização também vem à tona em uma conversa com Márcio Colim, membro do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Condema) e do Instituto de Arquitetos Brasileiros (IAB).
“Existe uma lei específica da própria Secretaria do Meio Ambiente com relação ao plantio de árvores da cidade”, diz o arquiteto. Para regularizar qualquer construção em área urbana é preciso que a pessoa responsável mantenha uma árvore a cada sete metros de fachada. É a condição para a retirada do Habite-se, documento que autoriza o registro do imóvel.
“Não tem a pós-fiscalização depois de tirado o documento, não há acompanhamento, muitas quadras você caminha sem árvore”, aponta Colim. “São coisas que nunca mais foram fiscalizadas e não foi exigido nada”.
A dificuldade para o aumento da vegetação urbana está também na falta de um padrão nos tamanhos das calçadas. Para o membro do Condema, isso atrapalha o plantio de árvores nas regiões do centro e residenciais, que têm muitas placas e guias rebaixadas para garagens e estacionamentos.
“Temos calçadas muito estreitas, de 1,5m, 1,2m. Seguimos uma norma de acessibilidade, então, se a calçada tá curta, como é que vai colocar uma árvore se vai ocupar espaço para as pessoas andarem?”, questiona.
Na visão de Emerson Crivelli, arquiteto, ex-presidente e membro da Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos de Bauru (Assenag), seria preciso um incentivo maior para o plantio de árvores na cidade.
“Precisaria de uma coisa inteligente, por exemplo, vamos plantar porque você vai ter desconto no IPTU”, propõe o arquiteto.
A ideia da arborização urbana é vista por Crivelli, assim como por demais profissionais e estudiosos da área, como um investimento que se traduz na melhora da qualidade de vida, da temperatura da cidade, da oxigenação, além de criar áreas de sombra e espaços de convivência coletiva.
Fora a presença de árvores nas ruas, a manutenção de gramados, jardins e vegetação de porte variado dentro dos imóveis seria importante para envolver a população em um novo tipo de pensamento urbano.
“Se você olhar o desenho das praças, ainda são pequenas as áreas. Precisa ter essa construção dentro dos lotes, não só de maneira isolada”. O arquiteto alerta para épocas de chuva e a importância de se manter um solo que não seja totalmente impermeável — o que pode provocar alagamentos.
O que plantar?
Para que uma vegetação possa trazer benefícios para a sociedade de maneira efetiva ela precisa ser diversa. A proporção máxima indicada para a presença de uma mesma espécie por território é de 20% — ou seja, até um quinto do local pode ser ocupado por um único tipo de árvore. Os outros 80% teriam de dar morada para plantas diferentes.
Quem explica isso é Dorival José Coral, professor do curso de Ciências Biológicas da Universidade do Sagrado Coração (USC).
Há dez anos no trabalho com flora urbana, Dorival desenvolveu juntamente com estudantes da graduação pesquisas de levantamento em bairros como o Jd. Pagani, Jd. Brasil, Vila Coralina, Núcleo Octávio Rasi, Jd. Guadalajara e Vila Engler.
A árvore mais encontrada em todas as regiões estudadas é a Oiti, que chega a ocupar mais de 40% do Jd. Marambá. “Nosso primeiro problema é a baixa diversidade e a falta de percepção e planejamento em relação à distribuição dessas espécies”, argumenta o professor.
No site da Semma é possível encontrar uma lista de árvores nativas adequadas para plantio na região. São fornecidas medidas de altura e de diâmetro, bem como características de cada espécie. Para a regularização de imóveis, ressalta Dorival, é importante observar a fiação elétrica e postes ao redor na hora de escolher o tamanho da árvore.
O serviço de podadores irregulares, que podem muitas vezes machucar a planta e atrapalhar seu crescimento, bem como a falta de cuidado e manutenção, são outros problemas que o professor enxerga na cidade.
“Isso nem sempre tá condicionado ao poder público, pode ser um problema da pessoa”, comenta Dorival, sobre a escolha de árvores pela beleza e não com um planejamento de acordo com lugar. Muitas espécies estão com a copa invadindo casas, bifurcam na base e atrapalham o pedestre”.
“É a escolha equivocada da espécie que causa uma condução inadequada, que faz com que a árvore vire um transtorno em vez de benefício”, completa.
Bauru ocupa a posição número 58 no ranking do Programa Município VerdeAzul (PMVA), iniciativa do Estado de São Paulo. Entre as metas estabelecidas pelo programa está a proposta de que cada município deve ter 100m² de sombra por habitante.
Uma árvore em estágio de crescimento ideal gera, em média, 18,3m² de área de sombreamento. Espécies estudadas pelo grupo da USC na Vila Engler apresentaram média de 5m² de sombra.
A cada ano o ranking do PMVA é atualizado de acordo com as metas cumpridas pelas cidades, nenhuma chegou a essa marca ainda. No topo da lista, uma conhecida vizinha nossa: depois de Novo Horizonte e Fernandópolis, Pederneiras está no terceiro lugar.
“Hoje, em Bauru, pelos nossos cálculos, esse valor está muito abaixo do recomendado”, reflete Dorival. “Para atingir isso, temos que mudar uma série de coisas. Primeiro, deixar de podar as plantas de maneira errada; segundo, plantar as espécies certas nos lugares certos; terceiro, é a condução dessas espécies de forma adequada”.
Serviço
Precisa podar uma árvore?
A Semma tem podadores cadastrados e capacitados por um curso oferecido pela própria secretaria. Para solicitar a poda de maneira gratuita basta ir ao Poupatempo. Clique aqui para ver os documentos necessários.
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