“Vamos passar o natal no albergue”, diz morador de ocupação
Reintegração de posse desocupa obra parada no Jardim Nova Esperança; cerca de 200 pessoas dizem não ter para onde ir
Reportagem publicada em 5 de dezembro de 2017
Por Lorenzo Santiago e Lucas Mendes
Era pouco mais de 8 horas da manhã quando os policiais começaram a chegar e fechar a rua São Sebastião, na altura da quadra 14, no Jardim Nova Esperança em Bauru. De início, 7 viaturas, um caminhão do corpo de bombeiros, 5 motos da Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas e uma ambulância do SAMU.
O efetivo policial foi convocado para a manhã desta terça, 5 de dezembro, a fim de retirar as cerca de 50 famílias do Morada Doce Sonho. A ocupação estava no conjunto de prédios do Minha Casa Minha Vida (MCMV) que seria o Residencial Manacás.
As famílias formadas por crianças de colo, jovens e idosos (muitos trabalhadores) vivem distribuídas entre os 18 blocos de apartamentos da unidade. Elas tiveram que desocupar os prédios devido a uma ação judicial de reintegração de posse movida pela Caixa Econômica Federal, responsável pelo financiamento dos empreendimentos do MCMV.
Com 288 apartamentos, o residencial surgiu através da demanda dirigida do MCMV, a fim de atender a necessidade de moradia da população da favela do Jaraguá, que fica nas proximidades. Responsável pelo empreendimento, a construtora Casa Alta abandonou as obras que já estavam 93% concluídas, como consta no site da empreiteira. A empresa justificou dificuldades financeiras e falta de recursos para interromper a construção.
“Isso não é certo, é desumano”, diz Maicon Rodrigo Santos, morador da ocupação. “Nós vamos passar o natal em albergue”. Para Vera Lúcia Godoi, a preocupação é a mesma: “Muitas famílias aqui não têm para onde ir, e eles querem nos separar. É fim de ano, pra onde que essas mães vão com as crianças? Vai morar todo mundo separado? Marido num lugar, filho no outro, e o que vai ser o natal dessas crianças?”, indaga.
Segundo a Secretaria de Bem Estar Social (SEBES), as famílias vão ser encaminhadas para casas de passagem e abrigos do município. Mães com criança de colo para um lado, pais para o outro, pois as casas de passagem são divididas por sexo.
Os pertences pessoais também preocupam os moradores. Maicon diz que já perdeu a conta de quantas vezes ele teve seus bens levados pela SEBES e nunca mais viu “nenhuma camiseta sequer”.
“Eles começam a obra e vendem o sonho pras famílias. Mas na verdade estão iludindo a gente, porque aqui é pra favela, pro gueto, ou seja, é pra quem precisa mesmo”, explica Gabriel Santos Batista, outro morador da ocupação. “A empreiteira decretou falência, mas cadê o dinheiro de tudo isso aqui?”, questiona.
“Não temos moradia”
“Nós ocupamos porque a gente estava precisando de moradia”, lembra Gabriel Batista. “Nós temos direito de moradia, e precisamos de atenção do poder público, e ninguém informa nada. A gente só quer saber pra onde nós vamos”.
Com a demora em entregar os apartamentos, em junho deste ano os moradores da região ocuparam os prédios. Muitos deles já tinham sido contemplados com os apartamentos e estavam esperando a finalização das obras para realizarem o sonho da casa própria. A ocupação se deu sob a bandeira do movimento Força Nacional de Luta (FNL). Após desentendimentos com a coordenação, o movimento se retirou da ocupação e os moradores ficaram por conta própria no local.
As famílias do Morada Doce Sonho passaram a se organizar de forma autônoma, com a colaboração de ativistas e militantes da cidade. As ligações elétrica e hidráulica foram instaladas pelos moradores, que se dividiram em frentes de atuação para organizar internamente a ocupação. Outras melhorias também foram na limpeza do lugar, com a retirada de entulho acumulado no terreno.
“Nós ficamos aqui porque não temos moradia, não temos pra onde ir. Quem tá aqui é só gente que realmente precisa, porque se a gente não precisasse não estaríamos passando por essa humilhação”, diz Vera Lúcia.
De acordo com o secretário municipal do Bem Estar Social, José Carlos Augusto Fernandes, no momento em que a justiça notificou a SEBES sobre a reintegração houve uma reunião com as famílias da ocupação, para que o poder público informasse dos encaminhamentos possíveis. “Na ocasião não foi prometido casa ou abrigo para essas pessoas. Então eles foram conscientizados antecipadamente”, explica Fernandes.
“A partir de agora nós podemos fazer os encaminhamentos, seja de uma ajuda emergencial, de uma casa de passagem ou para cursos, em que a pessoa possa gerar renda e sustentar sua própria família”, completa o secretário.
A partir desta terça-feira, quase 200 pessoas não tem mais onde morar. O destino? Nenhum deles sabe ao certo.
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