Gasparini, o prefeito comunista de Bauru, ganhou homenagem 35 anos após sua morte

Além do núcleo habitacional e da escola estadual que já recebem seu nome, Edison Bastos Gasparini foi saudado por familiares, amigos e companheiros de militância e luta política

Reportagem publicada em 26 de março de 2019

Tem uma história que contam que o Gasparini amava tanto os animais que, num posto de beira de estrada, tentou reanimar um sapo moribundo que estava pelo caminho (Foto: Bibiana Garrido / JORNAL DOIS)
Por Lucas Mendes

Com receio de que algumas pessoas que estavam no Teatro Municipal na noite do último sábado, 23, ficassem assustadas, o historiador Antônio Pedroso Júnior convidou o público a cantar o Hino Nacional Brasileiro, ao invés da Internacional Comunista — o hino do comunismo revolucionário.

Puxado à capela, o hino foi cantado pelas cerca de 200 pessoas presentes. O acompanhamento musical veio na metade da segunda parte, quando Roger Pereira fez soar os acordes no piano em que se apresentou durante a noite ao lado da cantora Marthynha Ferraz. Ao final, gritos de “Lula livre” e “Marielle presente” foram bradados da plateia.

O evento em Bauru tinha começado pouco depois das 20h. Meia hora antes pousava na Base Aérea de Brasília o Airbus A-319, que trazia o presidente Jair Bolsonaro de volta do Chile. A passagem de Bolsonaro pelo país teve manifestações contrárias e protestos que o relacionavam ao fascismo, racismo, misoginia e neoliberalismo.

Gasparini Jr. recebeu da CSB homenagem póstuma a seu pai (Foto: Lucas Mendes / JORNAL DOIS)

Eleito prefeito de Bauru em 1982, Edison Bastos Gasparini, o “baixinho”, como era chamado, recebeu em sua homenagem um tributo cultural — a primeira cerimônia do tipo nos 35 anos que se passaram desde sua morte.

“Façamos nós com nossas mãos”

O Tributo Cultural à Gasparini surgiu de uma conversa de boteco. “Como dizia o falecido Isaias Daibem [professor e militante socialista], boteco também é cultura. Eu estava tomando uma cerveja com o Sivaldo e surgiu a ideia da gente resgatar a história do Gasparini”, resume Pedroso.

Além de tomarem cerveja juntos, Pedroso e Sivaldo Camargo, diretor da Companhia Estável de Dança, fizeram o roteiro da homenagem a Gasparini. O evento foi realizado em conjunto com a Secretaria Municipal de Cultura, o Observatório de Educação em Direitos Humanos da Unesp e a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB).

 
Dupla Roger Pereira e Marthynha Ferraz fez a ambientação musical da peça, que contextualizou a trajetória de Gasparini com canções de cada época vivida pelo político (Foto: Lucas Mendes / JORNAL DOIS)

Autoridades municipais marcaram presença. Estavam lá o prefeito Clodoaldo Gazzetta (PSD) e seu vice Toninho Gimenez, os vereadores Sandro Bussola (PDT), Marcos de Souza (PP), Roger Barude (PPS) e Luiz Carlos Bastazini (PV).

Nascido em Botucatu no ano de 1933, Gasparini veio para Bauru nos anos 1950 estudar direito na Instituição Toledo de Ensino (ITE). Na “cidade sem limites”, conheceu a ideologia marxista-leninista com militantes políticos como Alberto de Souza e o líder ferroviário Antenor Dias, conforme apontam os registros históricos do livro “Subversivos Anônimos”, de Antônio Pedroso.

Casado com Darci Gomes da Silva Gasparini, teve os filhos Rosana Márcia, Edison Júnior, Helena, Alecsander, Matheus e Marcos.

Foi eleito vereador de Bauru em 1959 e reeleito em 1963. Exerceu legislaturas consideradas “populares”, por conta do apoio na criação de sindicatos e associações de classe, pela luta contra o aumento do custo de vida da população e pela defesa dos menos favorecidos.

“O Crime do rico, a lei o cobre”

Em 1964 ocorreu o golpe civil-militar que tirou João Goulart da Presidência da República. Seis dias após o golpe, todos os vereadores da Câmara Municipal de Bauru votaram pela cassação do mandato de Gasparini. Ele conseguiu reassumir o posto de vereador em agosto de 1965, por decisão da Justiça.

“O Gasparini é uma liderança forjada na resistência à ditadura”, disse Gilberto Maringoni, na saída do Tributo Cultural, enquanto combinava com amigos da “velha guarda” de Bauru onde iria tomar uma cerveja. “Quando a gente olha para um líder político como ele, não podemos pensar que estamos falando do passado”.

Jornalista e professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC, o bauruense Maringoni faz uma ligação entre os apoiadores da ditadura nos anos 1960 e nos dias de hoje, disparando contra a “classe média fascista, que não gosta de pobre, de preto, de LGBT, que é contra os trabalhadores e que apoiou Bolsonaro”.

“Essa homenagem hoje não é um ato para relembrar o passado, mas um ato marcante para a conjuntura de hoje”, sintetizou.

Repórter da TV Record, o bauruense Gérson de Souza foi mestre de cerimônias do evento, organizado por Antônio Pedroso, que cochicha ao seu lado (Foto: Bibiana Garrido / JORNAL DOIS)

Gasparini foi eleito vereador mais uma vez em 1972 e reeleito em 1976. Nessa época, ajudou a criar secção bauruense do Comitê Brasileiro pela Anistia. Em 1982 chega à prefeitura, e tem como vice o professor José Gualberto Tuga Angerami.

Poucos dias após a eleição é descoberto um tumor em seu cérebro. Em 1º de fevereiro de 1983 tomou posse já enfraquecido pela doença. Nove meses depois ele viria a falecer, aos 49 anos de idade.

“Trabalhador forte e fecundo”

Enquanto rolava o tributo, as portas do teatro ficaram abertas. Na soleira da entrada lateral foram colocados dois ventiladores de coluna, com a missão de fazer circular o ar dentro do ambiente.

Isso porque o ar condicionado do Teatro Municipal, mais uma vez, não funcionou. Roberto Pallu é o secretário interino da Cultura, nomeado pelo prefeito após Luiz Fonseca deixar a pasta, e está há menos de uma semana no cargo.

Pallu confirmou que o ar condicionado estava “sendo consertado aos poucos”. Segundo ele, primeiro foi arrumado o disjuntor e, na sequência, “uma outra peça”. “Depois de trocar essas peças, encontramos o defeito real no motor. Na terça-feira (26), uma equipe vem para abrir o motor e ver qual é o real problema e fazer o conserto ou a troca de forma definitiva”, garantiu.

Familiares de Gasparini estavam no teatro e acompanharam a homenagem. Um de seus filhos, Edison Gasparini Júnior, subiu ao palco e fez uma fala representando a família. “O que está faltando hoje é humanidade”, disse ele ao final do evento. “A vida dele sempre foi de luta, para melhorar a vida do próximo, ele externava humanidade”.

 
Parte da família de Edison Bastos Gasparini esteve no evento (Foto: Bibiana Garrido / JORNAL DOIS)

O tributo à Gasparini trouxe um mini-documentário com depoimentos de pessoas que conviveram com o ex-prefeito, fotos e imagens históricas. O vídeo foi intercalado com apresentação musical da dupla Marthynha Ferraz e Roger Pereira.

“A opressão não mais sujeitos”

“Tudo indica que nós estamos entrando numa situação política de muito enfrentamento e muita luta popular. É preciso que surjam novos gasparinis”, projeta Maringoni, que considera Bolsonaro um “imbecil” e os filhos do presidente “milicianos”. “É a primeira vez que o crime organizado chega ao Palácio do Planalto”, fulminou. “Isso tem que ser enfrentado porque esses caras estão destruindo o Brasil”.

Teatro Municipal de Bauru: novela do ar condicionado que não funciona ainda não foi resolvida (Foto: Bibiana Garrido / JORNAL DOIS)

O filho do “baixinho”, Gasparini Júnior, lamenta a situação em que o país se meteu. “Do jeito que as coisas estão indo, nós vamos acabar matando um ao outro no meio da rua”, reflete.

Em Bauru, o nome de Gasparini foi usado para batizar um núcleo habitacional e uma escola estadual. Gasparini Júnior entende que o nome de seu pai está preservado na cidade. “O que falta, às vezes, é a gente mostrar para a população quem ele foi e qual o seu significado”, ponderou. “É preciso mostrar para as pessoas que podemos ter mais humanidade”.

Na mesma pegada, lembrando o humanismo de Gasparini, Pedroso citou uma “frase imortal” do companheiro, dita no extinto jornal “Diário de Bauru”, 19 dias antes do golpe militar de 1964: “Para fazer o bem ao povo, não precisa ser comunista, basta ter bom senso”.