Quem pode treinar? A situação dos paratletas em Bauru

Esportistas paralímpicos pagam para praticar e representar o Brasil em competições internacionais

Publicado em 24 de maio de 2019

Bauru teve 45 atletas contemplados pelo Bolsa Atleta em 2019 (Foto: Lorenzo Santiago / JORNAL DOIS)
Por Lorenzo Santiago

“Treinar, comer e dormir. É só isso que precisa o atleta”. Segundo o mesatenista, Claudio Massad, esses são os pilares para qualquer pessoa que vive do esporte. A intensidade e a forma como são planejados esses três aspectos varia de modalidade para modalidade esportiva. Assim como as condições oferecidas, que alteram de cidade para cidade.

O cenário do esporte em Bauru também envolve essa complexidade. Enquanto equipes como o Bauru Basquete e o Vôlei Bauru disputam campeonatos de ponta em suas respectivas categorias e recebem um investimento de mais de 300 mil reais mensais, diversos paratletas lutam diariamente em busca de incentivos e patrocínios que ajudem na manutenção da prática esportiva na cidade.

Claudio é espelho dessa realidade. Campeão pan-americano, tricampeão brasileiro e 18º no ranking mundial de sua categoria, o paratleta ainda paga para praticar o esporte: “Eu recebo um patrocínio, bolsa atleta atrasado há 2 anos e um salário da prefeitura como coordenador. Além de atleta eu sou coordenador, motorista, preparador físico, mas para diversas competições eu tiro do meu bolso para inscrição, transporte e alimentação”.

O principal recurso do Governo Federal é o Bolsa Atleta. O programa foi criado em 2005 e estava vinculado desde então ao Ministério do Esporte. Com a extinção da pasta no governo Bolsonaro, o incentivo está submetido ao Ministério da Cidadania e administrado pela Secretaria Especial do Esporte.

Muitos paratletas medalistas em campeontos nacionis e internacionais estão há mais de 1 ano sem receber os benefícios do Ministério do Esporte (Imagem: Lorenzo Santiago / JORNAL DOIS)

O Bolsa Atleta promove o incentivo aos atletas de alto rendimento e categorias de base. Em 2019 foram 3.142 pessoas contempladas pelo programa em todo o Brasil. A cidade de Bauru foi uma das que mais teve atletas aprovados, com 45 atletas. Mesmo assim, a Prefeitura não oferece estrutura para grande parte dos paratletas:

“O único espaço que eu uso com ajuda do poder público é o Centro de Treinamento, que é alugado pela Prefeitura. De resto tudo eu tiro do meu bolso” explica Cláudio.

Para o tênis de mesa a Prefeitura aluga o espaço e contribui com o transporte em algumas viagens. De resto, o atleta tem que arcar com todos os custos: desde o gasto com técnicos até os equipamentos e academia.

O incentivo ao esporte na cidade pode ocorrer pela infraestrutura, transporte, departamento médico, comissão técnica e retornos financeiros. Algumas modalidades como o tênis de mesa o poder público aluga o local necessário. Para outras modalidades só é possível a prática em clubes.

ISS

A única lei municipal que regula e estimula os atletas de alto rendimento é o Imposto Sobre Serviços (ISS). O imposto é cobrado sobre empresas e profissionais autônomos que prestam qualquer tipo de serviço: médico, transporte, construção, dentre outros. Apesar de ser instituído pela União, o ISS é regulamentado pela Prefeitura Municipal.

O imposto recolhe de 2 a 5% do arrecadado por essas categorias. A porcentagem varia de acordo com o serviço prestado. Uma alternativa da Lei do ISS é a transferência valor do imposto para associações esportivas. A empresa paga e ainda tem a sua marca divulgada pelo clube ou pelos atletas.  

Claudio Massad vai disputar os jogos Parapan-Americanos emagosto de 2019 no Peru (Imagem: Acervo pessoal)

Em Bauru essa lei sofreu alterações no final de 2017. O repasse destinado às instituições esportivas passou a ser feito somente por aquelas empresas que pagam 5% desta taxa. Claudio Massad explica que “a alteração da lei foi só para quem recolhe 5% fez cair demais a arrecadação. Não são muitas empresas que recolhem 5%. A saída pra mim é começar a ter leis de isenção fiscal, para investir no esporte. ISS é um imposto baixo”.

O imposto hoje impacta 775 empresas de Bauru, segundo dados do site da Prefeitura. Pelo portal não fica discriminado o número de empresas que têm recolhidos 5% dos serviços. Mesmo assim, o repasse da empresa à uma entidade esportiva é opcional: é uma forma de isenção da taxa.

“A maior dificuldade é a falta de recurso. A gente precisa valorizar o profissional, investir em infraestrutura, dar condições de viagem, hospedagem, alimentação, material. No caso do tênis de mesa o material é caro: raquete, borracha, inscrição de campeonato. Falta uma política esportiva de estado, ou seja, entra e sai governo a política não muda.  O problema é que a política é de governo. Se o cara não gosta, não investe”, afirma Claudio Massad.

O para-desporto, modalidade esportiva para pessoas com deficiência, enfrenta mais desafios em Bauru. A infraestrutura requer acessibilidade, os profissionais precisam dominar as diferentes patologias e o transporte deve suprir as demandas de cada paratleta.

Além da falta de investimento, a busca por parceiros é dificultada pela falta de visibilidade dos esportes. Catia Oliveira é mesatenista e enxerga a captação de recursos como um trabalho extra de cada paratleta: 

“Dificuldade de conseguir patrocínio é grande. Culturalmente não temos isso estabelecido. Precisa ter resultado pra ter retorno para ambas as partes. Mas as empresas precisam enxergar o esporte como um crescimento, uma oportunidade de tirar pessoas da rua e [que isso representa] um futuro emprego. A pressão é maior a cada vitória. Você tem que mostrar resultados para os seus parceiros e para conseguir mais patrocínios.”

Catia Oliveira foi medalista nos jogos Parapan em Toronto (Imagem: Fernando Maia/MPIX/CPB)

Diferente da realidade de muitos atletas paralímpicos, Catia tem uma equipe de seis pessoas que trabalham diariamente com os treinos, a parte médica e até na busca por recursos. A mesatenista entende que este é o ideal para cada pessoa que vive do esporte: “O atleta tem que estar focado no esporte. Não pode ter outras distrações, senão o desempenho nos campeonatos fica prejudicado” afirma Catia.

A grande exceção no contexto municipal é a Associação Bauruense de Desportos Aquáticos, ABDA, que atende alunos de forma gratuita. O investimento na ABDA são inteiramente do ex atleta de pólo aquático, Claudio Zopone. A associação não cobra inscrição ou mensalidade de nenhum atleta. Só é cobrado o desenvolvimento dos atletas.

Com três terrenos em Bauru, a ABDA prepara atletas desde a infância até o profissional para competições de alto rendimento. A nadadora Glauciene Ribeiro conta que “na ABDA eu não pago nada. Tudo é a ABDA que disponibiliza. Tenho toda a parte suplementar, treino… A gente tem até bolsa estudantil. Temos também horário de estudos, professores para dar aula de reforço e até aulas de inglês nós temos aqui”.

Muito distante da realidade dos outros esportes praticados em Bauru, a associação paga profissionais, transporte e inscrições em campeonatos. A única coisa que a entidade não fornece são os equipamentos para competições.

ABDA tem inscrições abertas para todas as idades durante todo o ano (Imagem: Lorenzo Santiago / JORNAL DOIS)

“Um maiô bom pra nadar é R$1.800,00. E dura menos de um ano. Para praticar esporte é um custo. Mas pra competir eu preciso disso. Então fazer parcerias é interessante mesmo sem o retorno financeiro. Um maiô doado por uma marca esportiva já ajudaria tanto para divulgação da marca quanto para os campeonatos” explica Glauciene.

Com ou sem a Prefeitura?

Catia, Claudio e Glauciene são atletas paralímpicos que disputam competições nacionais e internacionais. Claudio, Glauciene e Catia já foram medalhistas nos jogos Parapan-Americanos. Só neste ano, a mesatenista também vai jogar ainda um torneio na China.

Com um número elevado de competições internacionais no calendário, os custos para as disputas também ficam altos. “Hoje não é possível viver do esporte sem auxílio do poder público. Se isso não existisse, não seria possível viver só do esporte”, afirma Catia.

A necessidade de contribuição do poder público à prática dos esportes que não estão em evidência é unânime dentre os atletas. O que muitos deles tentam é discutir como deve ser feito esse suporte.

Claudio Massad é membro do Conselho Municipal de Esportes. O Conselho discute as principais demandas da prática esportiva na cidade, além de propor políticas públicas possíveis. Para Claudio, as possibilidades no município no aumento do incentivo no esporte passam pela captação de recursos privados pelo poder público:

“O importante é aumentar o aporte e criar leis que facilitem isso. O dinheiro está na esfera privada, a gente precisa puxar esse dinheiro pro esporte. Às vezes não com patrocínio direto, mas com meios que facilitem a promoção do esporte e da cultura”, aponta o mesatenista. “A gente não pode depender do poder público, mas o poder público tem que dar caminhos pra gente desenvolver o esporte.”

O esporte de alto rendimento é importante em todo o mundo para se criar espelhos e exemplos. Não na formação de novos atletas, mas na inspiração e estímulo à prática esportiva. O Brasil é um dos países que mais gasta dinheiro com o esporte. Mas um Dossiê da ESPN revelou que é uma das nações que mais desperdiça esse dinheiro investido. Segundo a reportagem, fraudes e benefícios à cartolas são os aspectos que mais colaboram com esse desperdício, além da forte retenção da verba em uma única modalidade: o futebol masculino profissional.  

Glauciene Ribeiro foi campeã nacional no Circuito Brasil em Abril deste ano (Imagem: Lorenzo Santiago)

Sem investimento forte nas categorias de base, o esporte nacional depende de iniciativas privadas para se desenvolver. Seja em clubes ou em associações, o trabalho fica restrito a quem tem dinheiro e recursos para investir. O grande problema é que as entidades esportivas não vão pensar o esporte de forma global: é pensado apenas o esporte como competição e resultado.

No caso do para-desporto, esse trabalho de expansão da prática fica ainda mais limitada. Com modalidades invisibilizadas, muitos atletas não têm técnicos e nem sequer onde treinar. Em muitos casos o esporte é uma fisioterapia para atenuar os problemas decorrentes da patologia. Glauciane é exemplo disso: “Eu comecei treinando aqui na ABDA porque eu precisava nadar por causa do meu problema. Só depois, com o desenvolvimento, foi que eu virei atleta”.

A nadadora conta que se não fosse a ABDA ela teria que estar pagando uma academia particular e dificilmente estaria competindo. A Associação disponibiliza toda uma infraestrutura e uma equipe de profissionais dedicada aos atletas e atletas paralímpicos. Mas ela ressalta: “Ainda tem muita gente que não conhece a ABDA ou que não consegue vir até aqui, então simplesmente não tem como praticar o esporte. Essa é uma triste realidade de muitos paratletas aqui de Bauru”.

A equipe de reportagem tentou entrar em contato com o Secretário de Esportes Municipal mas não obteve resposta até o momento.