No Dia Mundial da Água, professor de Bauru lança documentário pela preservação

Premiado no Fórum Mundial da Água, Marcio Francisco Martins pedalou e filmou trajetos por 13 estados brasileiros para promover a educação ambiental; último episódio da série de vídeos está disponível a partir desta segunda, 22, Dia Mundial da Água

Publicado em 22 de março de 2021

Motivado pela conscientização em torno da água, professor viaja por 11 meses pelo país e produz documentário (Fonte: Reprodução/Pedalágua)
Por Camila Araujo 
Edição Bibiana Garrido 

O consumo de recursos hídricos no Brasil aumentou em 80% nas últimas duas décadas e a previsão é de que, até 2030, haja um acréscimo de 24% na retirada. Segundo relatório da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, é possível traçar uma relação na intensidade do uso da água com o desenvolvimento econômico e o processo de urbanização do país.

E se a água é desperdiçada por uns, falta para outros: 3% da população do Brasil não tem acesso à água encanada e 37% da população, o que corresponde a cerca de 78 milhões de pessoas, não têm tratamento de esgoto.

Marcio Francisco Martins conta que o contexto dos recursos hídricos no Brasil foi o que o motivou para dar início ao projeto “PedalÁgua”. Professor de Geografia em Bauru e gestor ambiental, realizou uma viagem de bicicleta por 13 estados brasileiros em 2016 com a intenção de promover práticas de educação ambiental pelas escolas do país.

O resultado do projeto foi premiado no Fórum Mundial da Água (2018) e virou documentário dividido em seis episódios, lançado em março de 2021. O último episódio está disponível a partir desta segunda-feira, 22 de março, data em que se comemora o Dia Mundial da Água.

Trajeto

Natural de Jaú, Marcio relata que, primeiro, pegou um avião do estado de São Paulo até o Pará. Ao chegar em Altamira, no dia 10 de janeiro, montou a bicicleta ainda dentro do aeroporto e começou a pedalar. Passou pelos estados Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro até retornar a São Paulo. Chegou em 10 de dezembro à cidade natal, Jaú.

Professor passou mais de 6 mil quilômetros sobre a bicicleta em 13 estados brasileiros (Foto: Reprodução/Pedalágua)

Altamira é o segundo município mais violento do Brasil – conforme Atlas da Violência de 2019, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A cidade paraense viveu uma transformação com o início da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, e recebeu milhares de trabalhadores empregados pelo projeto.

Um estudo promovido pelo Instituto Ambiental mostrou que Belo Monte comprometeu o ciclo ecológico do Rio Xingu e impactou a segurança alimentar das populações indígenas e ribeirinhas da região. Resultados de monitoramento mostram diminuição no consumo de peixes a partir de 2016, devido à oscilação da vazão no rio.

“Pedaula”

A Amazônia é um dos lugares mais úmidos do planeta. No primeiro vídeo da série, entitulado “Pedalando pela Transamazônica”, o professor explica o fenômeno a partir da teoria dos rios voadores: a umidade é empurrada do continente em direção à Cordilheira dos Andes. Impossibilitada de passar por ali, deságua no território amazônico.

O viajante se disse surpreso ao ouvir dos moradores da região que o Pará estava seco. Uma das pessoas entrevistadas pelo ciclista, o senhor Gumercindo, comenta que “gado chegou a morrer de fome e de sede” naquele ano de 2016.

Na sequência, Márcio avalia: “Eu estou preocupado que o desmatamento realmente pode modificar o regime de chuvas das grandes cidades do Brasil”.

Dados de monitoramento por satélite divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que a taxa de desmatamento na Amazônia entre agosto de 2019 e julho de 2020 aumentou 34% em comparação com o mesmo período do ano anterior.

Mais de 9,2 mil quilômetros quadrados de floresta foram derrubados em 12 meses, área equivalente a seis vezes o tamanho do município de São Paulo.
É a segunda alta consecutiva nos primeiros dois anos de gestão do governo Jair Bolsonaro (sem partido). No período de agosto de 2018 a julho de 2019, foram 6,8 mil quilômetros quadrados desmatados.

“Por que será que as pessoas que tentam defender a floresta amazônica são assassinadas?”, questiona Márcio na série documental, ao lado do túmulo de Dorothy Stang, religiosa e ativista ambiental assassinada em 2005. Conhecida como Irmã Dorothy, ela foi enterrada no Centro de Formação São Rafael, na zona rural do município de Anapu, no Pará. O local virou ponto de peregrinação desde o ano de sua morte.

Relatório anual da ONG Global Witness aponta que o Brasil é o terceiro país que mais mata ativistas ambientais. Em 2019, ao menos 24 defensores da terra e do meio ambiente foram assassinados – quatro a mais que no ano anterior.

São cenários, cidades, estados e questões ambientais diferentes que passam pelos episódios do documentário. “Eu tenho o sonho de alertar as pessoas para as grandes dificuldades que podem vir a acontecer com a escassez de água em um futuro próximo. Esse lançamento faz parte da concretização desse sonho”, pontua o professor.

Em Bauru 

Quase metade da água é desperdiçada por perdas na distribuição em Bauru. Antes mesmo de chegar às residências, vaza pelos canos 47,7% de todo o volume produzido no município. O Painel Saneamento Brasil revela que existem mais de 6 mil bauruenses sem acesso à água.

O desperdício na distribuição, além de representar menos água disponível para a população, reflete em perdas no faturamento do serviço. O Departamento de Água e Esgoto (DAE) ganha 47,5% menos do que poderia, caso a água chegasse aos consumidores em sua totalidade. São aproximadamente R$ 85 milhões a menos na arrecadação anual.

Um dos eixos de narrativa de “PedalÁgua” é a questão da crise hídrica do Sistema Cantareira que abastece a região metropolitana de São Paulo, e que durou entre 2014 e 2016. A estiagem que atingiu o estado paulista nesse momento também chegou a Bauru, em 2014. Mas não foi a última crise hídrica enfrentada pelo município.

Em outubro de 2020, a população fazia fila na bica de água do Departamento de Água e Esgoto (DAE) porque não havia água nas torneiras de suas casas. Para encher as garrafas, os munícipes tinham que esperar por pelo menos 25 minutos. A solução para quase metade da população bauruense foi tentar manter recipientes plásticos abastecidos.

Para bióloga, preservação individual não basta: é preciso proteger o bioma (Foto: Camila Araujo/Jornal Dois)

O nível da água para captação no Rio Batalha estava bem abaixo do ideal de 3,20 metros: no dia 3 daquele mês, chegou a 1,27 metros, pior marca desde 2014. O Rio Batalha abastece 38% da população bauruense.

Os motivos que levam ao desabastecimento do rio podem estar relacionados com o desmatamento, aponta Cinthia Fernandes, bióloga. O Cerrado, bioma presente na cidade, é impactado pelo desmatamento no entorno de nascentes e rios. Segundo a bióloga, isso faz com que a quantidade de água que brota da terra diminua. “As plantas do Cerrado têm raízes profundas que buscam água dos lençóis freáticos e trazem para a atmosfera”, aponta.

Cinthia explica que a característica do Cerrado é principalmente o solo, mais do que a própria vegetação. O solo do bioma é poroso, aerado, e permite que as raízes se desenvolvam, podendo chegar a 60 metros. Desse modo, a vegetação consegue se adaptar ao clima e promover o ciclo da água. “Não fosse por isso, essa água ficaria ali parada”, comenta.

Por esse motivo, o bioma é considerado o berço das águas. Toda recarga e ciclo dos aquíferos acontece devido a essa vegetação específica, que consegue acessar as águas profundas. Nascentes das principais bacias hidrográficas nascem no Cerrado brasileiro: Platina, Amazônica e São Francisco.

Consumo

A retirada total de água estimada para 2020 é de 2.083 metros cúbicos por segundo, segundo relatório da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. 

Atualmente, o principal uso da água no país, em termos de quantidade utilizada, é a irrigação (52%), seguido do abastecimento humano (23,8%) e da indústria (9,1%).

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