Não são só crianças, são crianças pretas!

Sobre o racismo na infância e as consequências para a formação da pessoas negras

Reportagem publicada em 28 de abril de 2018

“Como criar crianças doces em um país ácido?” (Foto: Geroge Barker/ Unsplash)
Por Naiara Patricia dos Santos Neves, colunista do JORNAL DOIS

Tema recorrente nas rodas de conversa da militância feminina negra, assunto que aflige mães, pais, familiares, e deve ser combatido pela sociedade, principalmente por professores e cuidadores — como proteger nossas crianças negras do racismo?

Neste sentido, Taís Araújo, mulher preta, atriz, ícone do empoderamento negro e da militância por igualdade racial, questionou, no TEDx São Paulo em 2017, “como criar crianças doces num país ácido”. A fala dela trouxe um importante recorte de gênero e raça. Mãe de duas crianças negras, um menino e uma menina, logo, grande é a sua preocupação com a criação dos filhos no Brasil, tendo em vista, que o racismo se apresenta logo na mais tenra idade do indivíduo negro.

“Como não jogar sobre elas (crianças) uma vivência, experiência, até uma mágoa, que é minha. Mas, também, como não permitir que elas enfrentem o mundo de maneira ingênua, para que não sejam atropeladas pelo racismo que existe na estrutura do nosso país?”, pergunta.

Se for um menino negro, aos olhos do racismo, ele é mau, indisciplinado, tem dificuldade de aprendizagem, não precisa de cuidados. Os estereótipos sobre um menino negro ficaram evidentes quando uma imagem de criança observando fogos no réveillon de Copacabana fora compartilhada inúmeras vezes nas redes sociais, as pessoas viram naquela imagem um menino pobre, abandonado, quem sabe até um menor infrator.

Criança negra assiste a queima de fogos na Virada do Ano em Copacabana (RJ), nos primeiros minutos de 2018. (Reprodução: Lucas Landau/ Reuters)

Com relação à menina negra não é diferente: acrescenta-se o fato de serem erotizadas e “adultizadas” precocemente. Nesses últimas dias, alguns blogs e jornais brasileiros divulgaram a pesquisa realizada na Faculdade de Direito da Georgetown University (EUA), intitulada como “Infância interrompida: o apagamento da infância de meninas negras”. As pesquisadoras entrevistaram mais de 300 adultos, de diversos níveis de escolaridade e classes sociais residentes em diferentes regiões dos Estados Unidos para explicar o que é o racismo estrutural e como ele age. O resultado mostrou como as garotas negras são vistas como “menos inocentes do que garotas brancas”, visão racista que faz com que muita gente encare as ações de meninas negras de forma diferente do que as de meninas brancas, incutindo às meninas negras menos senso de acolhimento, proteção e apoio.

Por vezes lemos notícias sobre situações de racismo estrutural e institucional. Em forma de desabafo, por exemplo, uma mãe divulgou que precisou mandar um bilhete a professora de sua filha, pois mais de uma vez, a menina teve os cabelos crespos e volumosos presos pela professora, uma forma de opressão a estética dos negros. Para alguns cabelo e imagem é um assunto fútil, para os negros, cabelo e estética é resistência. Muitas crianças que hoje são adultas passaram sua infância ouvindo que cabelo crespo é cabelo ruim, que eram feias, chegando à fase adulta com a autoestima completamente abalada.

(Foto: Reprodução/ Facebook)

A verdade é que as famílias ainda não sabem lidar com essas questões. E não devemos cobrar delas, mas sim orientá-las. A quem devemos cobrar principalmente, são os profissionais da educação, que já deveriam estar preparados para lidar com as diferenças. Não podemos naturalizar práticas racistas, deixar com que roubem a infância de nossas crianças pretas, atingindo seu desenvolvimento e autoestima.

Devemos quebrar os estereótipos relacionados à criança negra acolhendo-os, adotando-as, criando espaços de aprendizagem com representatividade, livre de preconceitos, educando as crianças a respeitar as diferenças.

Não fechemos as janelas da vida para nossas crianças negras!


 

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