Flux014, rap e funk: um documentário do Jornal Dois 

Produção é um recorte da efervescente cena das batalhas de rap e bailes funk no interior de São Paulo, organizados por uma juventude que resiste frente à presença e ação policial nos espaços de lazer da população mais pobre, negra e periférica 

Publicado em 2 de outubro de 2019

Os rolês da quebrada em cada zona da cidade (Arte: Paulo Cavalcante/Jornal Dois)
Por Bibiana Garrido

Uma cidade que convive há dois anos com a lei que proíbe “festas clandestinas”. Uma juventude que, ao se reunir, corre o risco de receber uma batida policial à porta de casa, na rua, no parque ou na praça. Segregação espacial, negação do direito à cidade e do espaço público para o lazer do pobre, negro e periférico. Vontade de fazer arte, criar música, letra, poesia, beats, hits e espalhar cultura nesse cenário repressor. 

Esse é o contexto que deu origem ao documentário “Flux014: os rolês da quebrada”, exibido pela primeira vez ao público no dia 21 de setembro em Bauru, interior de São Paulo. A produção é do Jornal Dois, mídia independente local, com apoio do Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo.  

O lançamento contou com apoio da Fumacê casa cultural, que cedeu o espaço para realização do evento. Foram três exibições lotadas na mesma noite – cerca de 180 pessoas assistiram Flux014 de graça. Nath MC, DJ Montanha, Estrofe MC, JS Subverbal e Deh Emici, representantes do rap e do funk bauruense, colaboraram com apresentações em pocket shows nos intervalos de exibição.

É 014 porque é o DDD. Fluxo é um dos tipos de evento retratados no documentário: a união espontânea de muita gente na rua para ouvir música, dançar, paquerar, brincar, como em uma grande festa a céu aberto. 

Batalhas de rap e bailes funk também estão no foco da discussão, que mostra desde a organização desses eventos culturais; a estrutura, improvisada para uns, mais profissional para outros; os meios de transporte mais utilizados, seja ônibus, bicicleta, ou as próprias pernas; a representatividade da mulher nesses espaços; e como eles impactam a vida de quem participa.

Rolês da quebrada e para a quebrada organizados de maneira independente e voluntária por crianças, jovens e adultos.

Mael Emici (esquerda), organizador da Batalha das Cerejeiras, que também cola com Timbá (direita), na pioneira Batalha da Panelinha (Foto: Flux014/Reprodução)

São homens e mulheres falando sobre a resistência artística que vivem todos os dias e que passam, de boca a boca, de geração para geração. Dizem interior tem voz. Dizem que é preciso sonhar. “O rap é a segunda chance de muita gente”, diz Mina Min, uma das entrevistadas, integrante do grupo de rap bauruense Ouro D’Mina. “Hoje a mídia mostra pra todo mundo que o funk só sabe levantar bandido. A gente aqui mostra o outro lado, eu tenho família, os meninos aqui tem família”, desabafa Diogo Almeida, um dos entrevistados que organizam bailes funk com a ajuda dos familiares e amigos. 

Entre as batalhas de rima explicadas nas entrevistas e acompanhadas mês a mês, estão a Batalha da Panelinha, das Cerejeiras, da ZL (Zona Leste), da ZONE (Zona Oeste Nova Esperança), dos Crias e do Placo.

Os bailes funk, organizados entre amigos e parentes, ficam mais nos espaços fechados e privados – por conta da reação da população e da polícia diante desse tipo de evento em espaço público. No Flux014, tem edições em uma chácara do Santa Cândida e no Jardim Prudência. 23 entrevistados, incontáveis pessoas envolvidas no corre e muita coisa para dizer.

Histórias reais que ultrapassam ameaças e opressões para continuar existindo. Uma batalha de rima em tal bairro no domingo, outra, naquele outro bairro, terça-feira. E assim vai durante a semana, quinta, sexta, sábado. Baile funk. O giroflex passa, os botas às vezes descem, às vezes botam a arma na cabeça de alguém.

Flux014 é o retrato da cultura de quem briga para ter cultura. Assista no Youtube: