Mondelli, Multicobra, Assuã: 135 empresas de Bauru devem quase R$ 1 bi à Previdência

Empresas falidas ou em atividade dão calote e prejudicam o pagamento das aposentadorias de trabalhadores

Publicado em 17 de julho de 2019

Ao todo, empresas brasileiras devem mais de R$ 400 bilhões à Previdência (Foto: Lucas Rodrigues / Jornal Dois)
Por Lucas Mendes

Bauru tem 3.283 pessoas e empresas endividadas com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), órgão responsável pela Previdência Social no Brasil. Considerando as dívidas maiores que R$ 1 milhão, a lista chega a 135 nomes, a maioria de empresas.

Somados, os 135 débitos chegam ao valor de R$ 904 milhões. Parte dos calotes são de empresas que faliram, quebraram ou estão em liquidação judicial, o que dificulta o pagamento aos cofres públicos.

Mas existem registros de empresas devedoras que seguem em atividade na cidade, como as escolas do grupo Preve Ensino, a empresa de cobrança Multicobra e a construtora Assuã. 

Terceiro colocado da lista, com uma dívida de mais de R$ 87 milhões, o frigorífico Mondelli está em processo de falência e segue alvo de uma batalha judicial pela compra da massa falida da empresa. 

Outro conhecido da população é o Esporte Clube Noroeste. O time deve à Previdência mais de R$ 3 milhões.

As 15 empresas bauruenses que mais devem à Previdência (Arte: Lucas Mendes / Jornal Dois)

A tabela elaborada pelo Jornal Dois exibe as 15 empresas bauruenses com dívidas superiores a R$ 10 milhões. Algumas delas estão “inaptas” de acordo com pesquisa feita no cadastro da Receita Federal. 

Segundo a Instrução Normativa nº 1863, da Receita Federal, a inaptidão do CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) traz algumas complicações, como as proibições de celebrar convênios ou contratos que envolvam gasto de dinheiro público e a responsabilização dos sócios pelas dívidas das empresas.

A lista

A lista com os devedores da Previdência é pública e qualquer cidadão pode acessar os dados. Eles fazem parte do levantamento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que relaciona as pessoas ou empresas inscritas na Dívida Ativa da União (DAU). Acesse aqui. 

Devem dinheiro para a Previdência Social empresários que não fizeram pagamento da contribuição de funcionários ao INSS, patrões que não pagaram a contribuição previdenciária de empregados domésticos e pessoas físicas que foram responsabilizadas pelas dívidas de empresas que faliram.

De acordo com a PGFN, que é vinculada ao Ministério da Economia, a lista não inclui os contribuintes que já parcelaram suas dívidas ou que entraram com ação judicial para discutir a origem da obrigação de pagar ou o seu valor. 

Dívida bilionária 

A dívida total de pessoas e empresas brasileiras com a Previdência é de mais de R$ 427,3 bilhões, segundo o Relatório de Gestão do Ministério da Fazenda, de 2017. A Prestação de Contas do Presidente da República do mesmo ano, elaborada pelo Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU), aponta um valor maior: aproximadamente R$ 430,4 bilhões. O documento aponta que a dívida previdenciária cresceu 0,63% entre 2016 e 2017.

A PGFN separa as dívidas de acordo com a perspectiva de recuperação do dinheiro. Segundo essa divisão, 63% do total (ou R$ 269,4 bilhões) apresenta chance distante de recuperação e 37% (ou R$ 157,9 bilhões) pode, em algum grau, ser recuperado.

O relatório da CGU também mostra que há um total de R$ 71,6 bilhões parcelados por devedores da Previdência, o que indica que passaram por renegociação e poderão ser quitados. 

Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, depois de inscritos na DAU, o órgão adota medidas para reforçar a cobrança, como processos judiciais, a inclusão do nome do devedor no Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal (CADIN) e proibição do contribuinte tomar empréstimo em bancos. 

Da onde vem a reforma da Previdência

A discussão sobre as despesas da Previdência Social no Brasil está no centro do debate desde 2016, quando o governo Michel Temer (MDB) propôs uma reforma da Previdência.

Pelo placar de 379 a 131, reforma da Previdência foi aprovada em primeira votação na Câmara (Foto: Luis Macedo / Câmara dos Deputados)

Depois de ser engavetada em 2018, foi a vez do recém eleito governo Jair Bolsonaro (PSL) encaminhar seu projeto para a reforma das aposentadorias, em fevereiro de 2019.

A atual reforma da Previdência é uma das principais propostas do governo Bolsonaro para o país atingir o chamado “equilíbrio fiscal” – uma espécie de harmonia entre ganhos e despesas do país.

A defesa do governo e de parte dos economistas é de que a Previdência brasileira é deficitária, ou seja, gasta mais do que arrecada, principalmente devido ao envelhecimento da população – o que motivaria uma reforma. 

A arrecadação total da seguridade social, no entanto, é superavitária –  gasta menos de que arrecada. Em 2017, o Senado Federal elaborou um relatório a partir das discussões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Previdência. De acordo com o texto, não há déficit no setor, e a falta de fiscalização de crimes fiscais e de cobrança dos grandes devedores são alguns dos problemas que não estão sendo considerados na proposta do governo. 

Uma das explicações sobre a existência dos grandes devedores é a lentidão e ineficiência do poder público na hora da cobrança. 

Segundo um estudo de 2012 do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), o tempo médio de tramitação de uma ação de cobrança da PGFN é de nove anos, nove meses e 16 dias, e a probabilidade de conseguir a recuperação total da dívida é de 25,8%.

O instituto também aponta que a PGFN é menos eficiente que outros órgãos do governo na hora de cobrar as dívidas.

Balanço das receitas e despesas da seguridade social no Brasil (Arte: Reprodução / ADUFRGS-Sindical)

Para o Instituto Fiscal Independente, órgão vinculado ao Senado, a iniciativa de endurecer a cobrança de devedores é necessária mas “secundária”, pois o pagamento das dívidas não seria suficiente para cobrir o déficit da Previdência alegado pelo governo. 

A reforma foi aprovada no plenário da Câmara dos Deputados em 10 de julho. Como se trata de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), precisa passar por mais uma votação no plenário da Câmara, antes de ir para discussão no Senado Federal. 

Como funciona a arrecadação da Previdência

Por regra os patrões contribuem ao INSS com 20% sobre o total das remunerações pagas ao funcionário durante o mês. O cálculo pode variar, e produtores rurais, equipes de futebol profissional e empregadores domésticos têm outra base para chegar ao valor da contribuição.

A Previdência Social é um direito do cidadão brasileiro e garante o pagamento de benefícios como aposentadoria, pensão por doença, invalidez ou morte e seguro desemprego. Pela Constituição Federal, a previdência faz parte da seguridade social, que inclui também as áreas da Saúde e Assistência Social.

Para pagar as aposentadorias e pensões e financiar prestação de serviços como o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Bolsa Família, a seguridade social recebe dinheiro da contribuição de patrões, empregados com carteira assinada e servidores públicos.

Os trabalhadores que têm carteira assinada, por exemplo, contribuem com uma taxa sobre o seu salário, que varia entre 8% e 11% de acordo com a renda.

Além da arrecadação previdenciária, a seguridade social é financiada por impostos: CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), PIS/Pasep e Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social).

As empresas

O Jornal Dois entrou em contato com as empresas que aparecem na tabela elaborada pela reportagem e possuem CNPJ ativo, para se manifestar sobre as dívidas e se existem esforços para a quitação dos valores.

Até a finalização da matéria, Multicobra, Mondelli, Habitar Administração e Serviços, Grupo Preve, Temperalho, Assuã e Rodoviário Ibitinguense não deram resposta.

A reportagem também entrou em contato com o Esporte Clube Noroeste, citado no texto. Em nota, o Noroeste confirma que é público que a instituição possui dívidas, acumuladas nas gestões anteriores, de 2012, 2013, 2014 e 2015. O Norusca tem constantemente o desejo de quitá-las e até aderiu, em 2016, ao Programa de Modernização da Gestão de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro), que engloba todos os débitos de FGTS e INSS em aberto. Mas a entidade suspendeu os pagamentos provisoriamente. O clube estuda pedir uma revisão ao governo federal dos valores devidos, uma vez que parte já pode ter sido paga em acordos trabalhistas. E parte dos débitos ainda cobrados estão prescritos.

Não foi localizado nenhum contato de email ou telefone da empresa SAT – Engenharia e Comércio, para solicitar um posicionamento.