Uma defesa da razão

Eu não estou aqui querendo dizer que se deve acreditar nisso ou aquilo, ou ofender a religião de ninguém; o meu ponto é que religião é religião e ciência é ciência

Coluna publicada em 7 de março de 2019

René Descartes foi um filósofo, físico e matemático francês (Imagem: Pinterest)
Por Arthur Castro, colunista do Jornal Dois

Até uns 300 a 400 anos atrás, a explicação para quase tudo no mundo era religião ou outras questões de fé. Isso mudou com o chamado “Iluminismo”, entre os anos 1600 e 1800, quando a ciência começou a ganhar força. É claro que tiveram alguns problemas. Algumas pessoas queriam transformar o conhecimento científico numa nova religião, algo que colocava em risco a própria ciência. Errando e acertando, com o tempo as pesquisas e investigações científicas começaram a ocupar o lugar de explicações do mundo. Mas por que a ciência cumpriria um papel melhor do que a fé?

Crença pode ser algo bom, dependendo de como usada. Você pode acreditar que tudo vai dar certo no final, acreditar em si mesmo para melhorar sua autoestima ou acreditar em uma relação pessoal com a espiritualidade e até mesmo Deus. Você pode acreditar que uma sociedade pode melhorar ou que pode passar em uma prova de um concurso.

Agora, quando falamos sobre saúde, educação e bem-estar da sociedade, não podemos tratar crenças pessoais como se fossem verdade. Não podemos, por exemplo, ter um tratamento médico que não funciona oferecido no SUS só porque algumas pessoas acreditam, e nem podemos deixar de ensinar o Big Bang nas escolas porque algumas pessoas não gostam dessa teoria. E aí entra o debate das pseudociências.

O que define aquilo que chamamos de pseudociência? Isso não é a mesma coisa que ter fé ou crença em algo. Pseudociência não é religião, espiritualidade ou qualquer coisa semelhante. Pseudociência existe quando alguma crença tenta se apresentar como ciência SEM SER. Ou seja, afirma que utiliza os métodos científicos de pesquisa e investigação, mas não utiliza.

Vou dar alguns exemplos.

A Teoria da Evolução ganhou força com Charles Darwin e o seu livro A Origem das Espécies. Segundo o Evolucionismo, os seres vivos passam por mutações biológicas e, sua sobrevivência depende se essa mutação ajudou a se adaptar ao meio ambiente ou não.

Um exemplo simples é o vírus da gripe: todo ano muda e se torna diferente, tornando difícil a criação de uma vacina eficiente. Um exemplo complexo é o ser humano: aquele que começou a andar ereto (com a coluna reta) conseguiu avistar predadores na savana africana e sobreviveu, enquanto o que continuava andando curvado acabou desaparecendo.

A Evolução não é uma fé, nós não simplesmente “acreditamos” nela. Existem várias e várias provas de sua existência. A Igreja Católica e diversas outras religiões reconhecem que ela é verdadeira. No entanto, alguns grupos extremistas religiosos tentam negar que ela seja verdade e divulgam mentiras disfarçadas de ciência. Chamo de mentiras porque elas não têm nenhuma prova ou evidência, mas mentem que tem.

Segundo o Criacionismo e o Design Inteligente, Deus fez o mundo diretamente, do barro, e Adão e Eva existiram. Essas organizações fundamentalistas tentam forçar que isso seja ensinado nas escolas, como se fosse ciência, sendo um ato de intolerância contra pessoas com crenças diferentes, além de uma ameaça às descobertas científicas legítimas. A realidade é apenas uma: existem evidências da Evolução, e não existem do Criacionismo.

Outra pseudociência muito divulgada é a da Astrologia, especialmente entre setores de classe média. No passado tudo era religião, inclusive os estudos do mundo. No entanto, quando o Iluminismo ganhou força, cientistas decidiram separar o que era crença do que era real. Os estudos sobre o Universo, planetas e estrelas, os estudos sérios, pertencem à ASTRONOMIA.

Já a Astrologia é crença: não há evidências de que “energias” sejam liberadas por astros nem que estes sirvam de “relógio sobrenatural”. Aliás, é de se apontar que certos divulgadores da Astrologia lucram com ela, vendendo horóscopos ou mapas astrais a preços altíssimos.

Eu não estou aqui querendo dizer que se deve acreditar nisso ou aquilo, ou ofender a religião de ninguém. O meu ponto é que religião é religião e ciência é ciência. Quem quiser acreditar em horóscopo que acredite, mas reconheça que isso é apenas questão de fé, não algo com evidências reais.

E isso vale para o Espiritismo Kardecista. Os kardecistas costumam divulgar sua religião alegando que ela é também uma filosofia — o que pode ser tranquilamente — e uma ciência — o que é falso. Não há nenhuma evidência científica de que espíritos existam. Eles podem até existir, mas até o momento não houve descoberta pelos métodos científicos.

Por fim, um exemplo extremamente perigoso é o da Homeopatia. Se afirmando uma medicina séria, os métodos homeopáticos não apenas não possuem evidências comprovadas, como representam um perigo: muitos “médicos” homeopatas são contra a vacinação, que eles chamam de “alopática”. O crescimento do movimento antivacina é um dos responsáveis — ainda que não sozinho — do crescimento de epidemias de diversas doenças ao redor do mundo.

A Homeopatia e “medicinas alternativas” colocam em risco a saúde das pessoas que, inocentemente, acham que ela pode lhes curar.

O Brasil é um país com liberdade religiosa assegurada, e isso é importante. As pessoas são livres para serem católicas, evangélicas, espíritas kardecistas, umbandistas, candomblecistas, ateias, agnósticas, wiccas, satanistas, astrólogas ou quaisquer outras coisas.

Mas crença é crença e evidência é evidência. O que eu falo não é uma pregação ateísta, mas uma verdade reconhecida por inúmeras pessoas — várias religiosas — ao redor do mundo.

Confundir as coisas, ao longo da História e em várias situações nos dias de hoje, já se mostrou fatal.


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