Como está a testagem da covid-19 nas unidades prisionais de Bauru tendo em vista a volta das visitas presenciais

 

Testagem ainda não foi realizada em todas as unidades prisionais do município. Em meio à falta de dados concretos sobre casos, visitas presenciais voltam a acontecer

Publicado em 02 de dezembro de 2020

(Imagem: Gatsi/iStock)
(Imagem: Gatsi/iStock)

Por Paula Bettelli

Edição Bibiana Garrido

Desde a chegada da covid-19 no país, menos da metade da população brasileira foi testada para detectar infecção pelo vírus. Até final de outubro, 25,7 milhões de pessoas, o que equivale a 12,7% da população, havia feito testes diagnósticos da doença. Os dados são da edição mensal da PNAD COVID19 divulgada pelo IBGE. Sem a testagem em massa, as estatísticas ficam comprometidas. 

Isso é o que tem acontecido em todo o território nacional, inclusive no sistema prisional. Daqui de fora pode ser difícil ter acesso à informação sobre os cuidados tomados dentro dos presídios, e tudo indica que o Brasil não conhece o panorama real da infecção pelo vírus no cárcere.

Até 25 de novembro 36.969 presos testaram positivo para a doença no Brasil e 33.451 se recuperaram. É o que revela o Painel de Monitoramento do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). 

Nos presídios de Bauru 896 presos testaram positivo para a doença e foram curados até essa mesma data. Entre os funcionários 76 tiveram diagnóstico positivo, com um óbito. Foram até o momento 4.671 presos testados – 72,2% da população carcerária total da cidade, segundo dados fornecidos pela Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (SAP).

Informações desencontradas 

Em nota ao Jornal Dois a Prefeitura de Bauru cita a parceria entre a Secretaria Municipal de Saúde e o Estado de São Paulo, pela qual recebeu 17 mil testes de covid-19 do Instituto Butantã. Coube ao município treinar os funcionários dos espaços de confinamento para aplicação dos testes.

De acordo com a prefeitura as testagens aconteceram no Centro de Progressão Penitenciária I (CPP I) e no Centro de Detenção Provisória (CDP) em 18 de setembro. Por outro lado, a SAP afirma que houve testagem em massa no CPP I de 17 de setembro a 26 de outubro, no CPP II entre 30 de outubro e 1 de novembro, e no CDP de 14 de setembro a 6 de outubro. O CPP III não passou por nenhuma testagem até o momento, segundo as informações da prefeitura e da SAP.
 
Carlos Eduardo Piotto, diretor jurídico do Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária do Estado de São Paulo (Sindcop), diz que as testagens em massa já foram realizadas em todas as unidades prisionais da cidade. “A divergência é que, para nós, foi informado que a prefeitura cedeu e fez os testes, e a SAP diz que foi ela que forneceu para a prefeitura. A gente não sabe quem está falando a verdade”.
 
As informações não batem, os dados também não. Leonardo Biagioni, coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, comenta que, através de suas observações aos resultados de testagens em massa em presídios paulistas, a porcentagem de diagnósticos positivos é semelhante à analisada do lado de fora do cárcere – o equivalente a 30% da população.
 
O que a gente tem visto é que nas unidades onde se realiza a testagem em massa, têm seguido o parâmetro nacional de índice de contaminados. Se você pega o sistema prisional hoje, dá quase 30% de população testada que foi diagnosticada com a covid-19. Nas unidades [da cidade] de São Paulo tem sido praticamente essa mesma média”, pontua.
 
O Painel de Monitoramento indica que a porcentagem é ainda maior. Dos presos testados no sistema prisional brasileiro até 25 de novembro, 46% testaram positivo.

 

Com as testagens feitas até agora, 7,4% da população carcerária de Bauru testou positivo para covid-19. Nos quatro primeiros meses da pandemia, esse percentual se manteve em 0,15%.

Visitas presenciais e o risco na pandemia

Suspensas desde março as visitas presenciais voltaram a acontecer nos presídios do Estado de São Paulo no início de novembro.

O coordenador do Núcleo de Situação Carcerária conta que quando retornou às inspeções nos presídios, em junho, depois três meses em pausa por conta do isolamento, ouviu muitas queixas em relação à falta de notícia dos familiares. “O que a gente tem ouvido muito é uma angústia em relação à falta de notícias, principalmente dos familiares. Angustiados pelos familiares não saberem o que está acontecendo ali dentro”.

Sem notícias, as famílias começaram a temer pela vida de seus parentes presos.

Em junho a SAP implantou o programa “Conexão Familiar”, e após três meses sem contato nenhum com pessoas de fora detentos puderam se comunicar com suas famílias pela internet. Cada um tinha direito a 5 minutos de conversa por vídeochamada.

Biagioni explica as dificuldades enfrentadas com a visita virtual. “Foram muito insuficientes, até pela ausência de tecnologia da maioria das famílias das pessoas presas, que por ser maioria pobre não contam com o uso de ferramentas possíveis para uma conexão de internet que possibilite uma visita virtual”.

Diretor no sindicato dos agentes penitenciários, Piotto avalia que a volta das visitas presenciais foi devido à pressão por parte dos familiares dos presos. Em sua perspectiva, os detentos estão bem informados do perigo que é o contágio pelo vírus. “A maioria tem consciência e sabe o risco que é de contaminação, e a carnificina que podia ser caso se espalhasse ali”.

O representante do Sindcop faz ainda um alerta: “A doença está circulando, a gente não tem vacina, e o risco da visita presencial é muito, muito grande”.

Além da falta de equipamentos de proteção em quantidade e qualidade suficiente, as unidades prisionais de Bauru não apresentam quadro suficiente de profissionais da saúde. Piotto diz que quase não há equipe médica, e apesar de abrir concursos, a procura é baixa. “A remuneração paga pelo Governo do Estado para os médicos, enfermeiros, é muito baixa. Na iniciativa privada o médico ganha muito mais. Então como no Estado ele ganha pouco, apesar de abrir concurso constantemente, a procura é baixa”.

Leonardo Biagioni confirma: “Nenhuma das 176 unidades prisionais do Estado de São Paulo conta com equipe mínima de saúde nos termos do Programa Nacional de Atenção Integral à Saúde Dentro do Sistema Prisional”.

Desencarceramento

O coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo reforça a necessidade do desencarceramento em massa. “A gente sabe que o desencarceramento já era necessário antes de qualquer período pandêmico, e depois da pandemia só tornou-se mais séria essa necessidade”, pontua Biagioni. 

O Brasil é o terceiro país que mais prende pessoas em todo mundo e o segundo maior em ritmo de aceleração de crescimento da população carcerária. Em Bauru, esse número beira os 6.470 presos.

Piotto descreve as prisões de Bauru como locais “insalubres, fechados, úmidos, pouco iluminados, pouco arejados e superlotados”. 

Sobre a superlotação das celas na cidade, o servidor prisional conta em detalhes: “Uma cela que cabe doze presos chega hoje a trinta, trinta e dois. Mas já tivemos caso de 50 presos em uma cela para 12. Não tem nem ar para respirar”.

Ao J2 a SAP declara que “se confirmado o diagnóstico, o preso será mantido em isolamento na enfermaria durante todo o período de tratamento”. Piotto rebate e diz que os presos são isolados nas próprias celas. “Eles fazem o isolamento da cela”.

Onde o risco é maior

A propagação de doenças é maior no sistema prisional. Se a tuberculose atinge 33 pessoas para cada 100 mil brasileiros, a proporção entre os detentos é de 932 casos para cada grupo de 100 mil – dados de 2015 do Ministério da Saúde. 

O Núcleo Especializado em Situação Carcerária da Defensoria Pública buscou com que fossem efetivadas medidas preventivas contra um surto nas unidades prisionais, para além do desencarceramento. Entre elas, pediram habeas corpus para mulheres gestantes e lactantes e para a população idosa. Ambos foram negados pela Justiça.

“A tuberculose tem um índice muito mais alto nas unidades prisionais do que fora do sistema prisional, 28 vezes mais. Não tem condição alguma da manutenção das pessoas ali dentro”, protesta o coordenador do núcleo. “As principais medidas preventivas, higienização e distanciamento social, não são possíveis de serem aplicadas dentro de uma unidade prisional”.

Questionados diante da possibilidade de um surto de covid-19 nas unidades prisionais, nem a prefeitura, nem a SAP informaram se há protocolos de ação para Bauru.

Denúncia internacional

Em junho deste ano 213 instituições de todo o país apresentaram à ONU (Organização das Nações Unidas) e à OEA (Organização dos Estados Americanos) uma denúncia contra a gestão da pandemia dentro das unidades prisionais. 

Participaram o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura (MNPCT) e a Conectas Direitos Humanos.

As entidades pedem que os organismos internacionais solicitem um posicionamento às autoridades brasileiras e também a adoção de medidas emergenciais. Além disso, falam sobre a incomunicabilidade com as pessoas presas durante o período de pandemia. 

“Embora o discurso tenha sido de isolamento temporário, a prática é de rompimento total de comunicação, uma vez que esta é apenas realizada por meio das visitas familiares, advogados e defensores públicos”, diz o documento.

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