Sem acesso à cidade, pessoas com deficiência vivem isolamento mesmo antes da pandemia
Calçadas irregulares e sem piso tátil são alguns dos vários fatores que impedem a inclusão
Publicado em 22 de abril de 2020
Por Henrique Leão
Edição Bibiana Garrido
Revisão Camila Araujo
O direito de ir e vir, assegurado pela Constituição Federal, garante a liberdade de “locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. Mais do que disponibilizar este direito, é preciso criar meios para que ele seja executado, oferecendo uma cidade acessível para seus cidadãos.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 45,6 milhões de pessoas declararam possuir algum tipo de deficiência, o que representa 23,9% da população brasileira.
Bauru não foge à lógica brasileira: não possui calçadas acessíveis, tampouco fiscalização que consiga atender a todo o município, como afirma Paulo Yamamuro, diretor do Departamento de Uso e Ocupação do Solo da Secretaria de Planejamento (Seplan): “Pelo fato de ser inerente ao setor de fiscalização e por depender de denúncias, nós não conseguimos fiscalizar Bauru inteira, mas a intenção é tornar todas as calçadas acessíveis”.
Além das barreiras físicas enfrentadas por essa população, a falta de conhecimento com relação à deficiência promove barreiras sociais que causam o isolamento social dessas pessoas, antes mesmo da pandemia do coronavírus e as medidas restritivas de circulação para evitar o contágio. É o que conta Marielle: “Eu acho que eu vivia o isolamento por minha conta, não que eu estivesse isolada. Eu tenho um pouco de vergonha, não vergonha de sair, mas eu fico um pouco envergonhada pelo fato de ter que ensinar as pessoas a como lidar com deficiência visual. Eu me restringia a sair, a conhecer novas pessoas e acho que isso não foi algo imposto a mim, foi algo que eu fazia também”.
Marielle ressalta como esse isolamento a afetou: “Eu ficava mais nervosa, eu tive crises existenciais e depois fui melhorando e fui vendo que eu tinha que me impor para a sociedade e que ela teria que aprender a conviver comigo. Passei a conviver com pessoas que também tinham deficiência, fiz mais amizades e melhorei muito”.
Fernanda Polastri, fisioterapeuta no Lar Escola Santa Luzia para Cegos, avalia que a cidade não é preparada para pessoas com deficiência (PCDs) e observa a ausência de piso tátil, que são as faixas em alto relevo fixadas no chão para auxiliar a locomoção de pessoas com deficiência visual. “Na porta dos locais, acabam o piso tátil, de forma que não guia o deficiente visual dentro do espaço. Eu costumo dizer que o direito de ir e vir deles acaba na porta de vidro. Eles vão depender de alguém para conduzi-los porque os locais não são adaptados no interior, apenas nas calçadas”, comenta.
A fisioterapeuta também menciona que as pessoas que não têm deficiência não a enxergam nos outros: “não sei se é por falta de conhecimento ou a ignorância da pessoa, mas eu percebo que, se as pessoas com deficiência não aparecerem para a sociedade, a sociedade não vai notá-las. Se elas forem vistas, as pessoas vão despertar uma curiosidade em torno da temática da deficiência”.
Desvalorização de PCDs
Tendo que lidar com a diabetes desde os dois anos de idade, Marielle Mendes, 33 anos, sofreu um descolamento de retina em 2009 por conta da doença e desde então possui deficiência visual.
Estudante de pedagogia em Bauru, ela conta que nem sempre se sentiu bem recepcionada nos lugares que frequentava: “Em lojas do comércio central de Bauru, quando nos atendem, querem fazer tudo rápido e nos tratam mal. Não existe um preparo para atender deficientes”.
A estudante opina que muitas pessoas não entendem o que é a deficiência: “Hoje elas me tratam bem, mas no começo era um pouco ríspido. Depois as pessoas foram vendo que a cegueira não pega, agora tenho amigas, eu vou na casa delas. Elas já entenderam que eu sou só cega e o resto eu sei fazer tudo”.
Jorge Galli, advogado e coordenador do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, argumenta que a população tem uma visão distorcida sobre o que é possuir deficiência: “A grande maioria da população entende como uma incapacidade, que a pessoa com deficiência não tem não tem plena capacidade de exercer as atividades, são tratadas como criança ou de uma maneira muito protecionista”.
Marielle conta que quando ficou cega, a família não a deixava lavar louça com medo de que ela não iria conseguir: “Me tratavam como se eu não soubesse o que era uma faca, até que um dia eu falei que iria lavar tudo. Aí eu mostrei para minha família que eu tinha capacidade de lavar, que eu tinha perdido a visão e não a capacidade de lavar uma louça”.
“A sociedade pensa que nós temos que ficar reclusos, em um canto sem fazer nada. Só que nós vamos lá e mostramos que não. Costumo dizer que todos os dias temos que matar um leão, porque sempre temos que mostrar que somos capazes. O que nos impede de um dia chegar à presidência da república? Já vi vários políticos deficentes”, conclui Marielle.
Barreiras impostas pela urbanização
Uma ida rápida ao centro, para pessoas sem nenhum tipo de deficiência, pode ser algo simples. Para quem possui mobilidade reduzida, é um desafio.
“Se a gente for no centro da cidade, a gente não tem acessibilidade. Tem os camelôs, as barracas que ficam no meio da calçada, o que nos força a ir pra rua, o que para um cego, é muito perigoso”, comenta Marielle.
Roseli Meireles, antiga vendedora e atual aposentada por invalidez, sofreu um acidente em 2009 que deixou sequelas extensas em sua perna, segundo conta à reportagem. Em 2013, decidiu amputar a perna direita devido às constantes dores.
Ela diz que, antes de utilizar a prótese, ir ao centro de Bauru com cadeira de rodas era algo inviável: “Você chegava nas lojas tinha aquela soleira mais alta, você não via um espaço de rebaixamento para você subir com a cadeira. Andar pelas calçadas daquela região, lotadas de barracas, com muitas árvores no meio do caminho e estreitas dificultam muito a locomoção”.
Acessibilidade
Em Bauru, o Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência estima que cerca de 5,27% da população de Bauru possui algum tipo de deficiência, o que corresponde a cerca de 20 mil pessoas.
Suéllen Rosim (Patriota), atual prefeita de Bauru, menciona em seu plano de governo “incluir como prioridade a acessibilidade em projetos do município”.
Paulo Yamamuro diz que “as obras da cidade tem por caráter serem acessíveis, muitas delas que estão em andamento estão prevendo todos os dispositivos para oferecer acessibilidade.”
Um dos maiores desafios citados pelo diretor é a implantação de rotas acessíveis, para que todos possam circular em todos os lugares com autonomia.
A Lei das Calçadas prevê que pelo menos se tenha 1 metro e 20 centímetros, de forma a contemplar a diversidade de locomoção e ocupação desse espaço pelos pedestres. Em uma circulação breve pela cidade, é possível ver calçadas em situação irregular: não possuem a largura mínima de faixa livre de 1 metro e 20 centímetros, pisos soltos e sem piso tátil, como nas fotos a seguir:
Também é possível encontrar alguns exemplos de calçadas regulares, com largura mínima e fácil circulação, como na imagem a seguir:
Para denunciar calçadas irregulares em Bauru, ligue na divisão de fiscalização: (14) 3235-1257.