Por Ana Carolina Moraes, Lorenzo Santiago e Daniel Russo
A Lei de Drogas (que regula as políticas sobre drogas no Brasil desde 2006) não define exatamente o que é considerado como tráfico de entorpecentes no país. Isso quer dizer que não especifica a quantidade de droga que determina o crime nem as ações e contextos que poderiam configurá-lo. Drogas, segundo a legislação, são os “produtos capazes de causar dependência”. Essa imprecisão pode gerar várias interpretações a respeito da caracterização do crime e da ação policial nestes casos.
O mapa a seguir traz os registros da ação policial em cima do tráfico de drogas em janeiro deste ano em Bauru. Ao todo, foram analisados 40 boletins de ocorrências de natureza “entorpecente” durante os 31 dias do mês. Este gráfico foi construído com base nos dados coletados nos boletins de ocorrência disponíveis para a imprensa no Plantão Policial da cidade, e destaca as informações sobre gênero, raça, quantidades apreendidas e tipos de entorpecentes.
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RESULTADOS
O levantamento feito pela equipe do JORNAL DOIS apresenta indicativos que constroem um perfil do indivíduo abordado nas ações policiais de combate ao tráfico de drogas e das regiões que têm maior incidência desta atividade. Vale lembrar que todos os dados foram coletados com base nos boletins de ocorrência que a equipe teve acesso, e não refletem a realidade como um todo por dois motivos: é possível que alguns boletins de ocorrência tenham sido censurados e o caso corra em segredo de justiça. Os dados podem ser subnotificados, ou seja, algumas abordagens policiais podem não ter sido registradas pelos policiais.
Segundo os dados oficiais da Secretaria de Segurança Pública, em janeiro de 2017 foram registrados 47 ocorrências de natureza “entorpecentes” (soma dos dados de ocorrência de porte de entorpecentes e de tráfico de entorpecentes). A maior parte — 16 registros — ocorre pela 2ª Delegacia de Polícia, que fica na zona norte da cidade. A 3ª Delegacia de Polícia, situada na zona sul, compilou menos ocorrências: cinco no total.
O levantamento também mostra em que lugar estão a maior e menor incidência de práticas ilícitas com entorpecentes. A análise dos boletins de ocorrência coletados mostra que há mais atividades policiais nos bairros acêntricos (afastados do centro). Das 40 ocorrências verificadas, 80% foram iniciadas durante patrulhamento pelos bairros da cidade. O mapa mostra ainda que a região que mais teve registros de ocorrências foi a Zona Oeste, seguida da Zona Norte e Leste. Apesar de a delegacia da Zona Sul (área de desenvolvimento econômico da cidade) ter recebido ocorrências, a região não teve nenhum caso registrado.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que a população bauruense tenha alcançado 371.690 pessoas em 2017 e que 27% se autodeclara como negra (soma dos que se identificaram como pretos ou pardos). O levantamento do JORNAL DOIS indica que esta parcela da sociedade tem mais chances de ser abordada pela polícia durante as ações de combate ao tráfico de entorpecentes. O número de negros enquadrados representa 62% de todos os boletins registrados, enquanto o número de brancos alcançou 38%. Ao comparar essas informações com as autodeclarações na cidade, percebe-se que há uma desproporção: a minoria da população é negra, porém, a maioria das abordagens têm como alvos essas pessoas. No mês de janeiro, a chance de um negro ser abordado foi o dobro de um branco.
Além deste indicativo, os dados apontam que as apreensões com maiores quantidades de entorpecentes ocorrem com pessoas brancas. Apesar da minoria das apreensões serem realizadas com esta população, 79,8% (9 quilos 794 gramas) de toda a droga foi apreendida com brancos, enquanto 20,2% (2 quilos 478 gramas) com negros.
A análise dos boletins de ocorrência sobre a faixa etária dos indivíduos abordados revelou que 73,3% da ação policial sobre tráfico no mês de janeiro teve como alvo jovens de 18 a 30 anos; este grupo etário foi responsável pela maior parte da droga apreendida (67% de toda a droga — 8 quilos 303 gramas). Seis pessoas acima de 30 anos foram presas, mesmo número de menores de idade. A diferença é que os menores de idade carregavam, ao todo, 124 gramas de entorpecentes, enquanto os adultos maiores de 30 anos portavam 3 quilos 845 gramas.
38 homens foram abordados em janeiro segundo o levantamento, e 78% dessas abordagens aconteceram durante patrulhamento policial — a maioria (42%) realizadas à noite. Com relação às mulheres, seis mulheres foram abordadas no período. Metade delas foi presa ao tentar entrar em unidades prisionais com drogas para visitarem seus companheiros. Se comparado às mulheres, o número de homens envolvidos em ocorrências de entorpecentes é 6,5 vezes maior.
Como a gente fez:
As informações dos boletins de ocorrência foram organizadas pelos repórteres em oito pontos (local, horário, sexo, cor da pele, tipos de abordagem, encaminhamento da ocorrência, quantidade e tipos de drogas). Foram desconsiderados da contagem os boletins de ocorrência referentes a apreensões de drogas com reeducandos e com pessoas presas. Mesmo tendo sido coletados diariamente, os resultados podem não expressar todas as ocorrências desta natureza dentro do período mencionado e não traduzem toda a realidade sobre o tráfico de drogas e a ação policial na cidade.