O Carnaval em Bauru vai custar mais de 603 mil reais para a Secretaria de Cultura. (Foto: Lucas Mendes / JORNAL DOIS)

Por Beatriz Santana, Lorenzo Santiago e Lucas Mendes


São dois dias de desfile de carnaval — o primeiro no sábado, dia 10, e o outro na segunda-feira, dia 12. O público que vai para o Sambódromo “Gilberto Carrijo”, no Núcleo Geisel, vai assistir ao final de um processo que começou meses atrás. O planejamento envolve diversas secretarias da Prefeitura de Bauru, cinco escolas de samba, nove blocos carnavalescos, trabalhadores, vendedores ambulantes, barracas de comida e bebida, turistas em torno daquela que é uma das maiores festas populares do Brasil.

O carnaval não é só samba. Quem banca essa estrutura toda? Ao lado da festa principal e dos desfiles, uma economia gira, com possibilidades de aumento da renda para quem usa a ocasião como meio para garantir ou melhorar seu sustento.

Em Bauru, o carnaval no sambódromo ficou dez anos parado. Retornou em 2010, com a organização e o financiamento da Prefeitura de Bauru, que garante uma verba para as agremiações que desfilam. O dinheiro sai do orçamento da Secretaria Municipal de Cultura, e é o maior investimento da pasta entre todos os eventos que ela organiza ao longo do ano.

Cada escola de samba tem direito a 60 mil reais, desde que já tenha desfilado no ano anterior. Para os blocos, a verba é de 16 mil reais, na categoria especial. Os blocos da categoria originalidade recebem uma verba de 7 mil reais, e também não participam da competição, apenas desfilam pelo sambódromo.

“É muito risco ficar dependendo apenas do poder público”, afirma Luiz Antônio Fernandes Fonseca, secretário municipal de cultura de Bauru. “Não que a gente fale isso no sentido de acabar com o apoio. Pelo contrário, a nossa promessa é de enquanto estivermos aqui, vai continuar. Mas é um risco, né? Com a arrecadação e tudo mais”, completa.

A visão do secretário

Buscando aumentar a renda do carnaval, diminuindo a contrapartida da prefeitura, Fonseca lançou mão neste ano de um edital para empresas patrocinarem o evento. Para ele, o carnaval pode ser “rentável para todos os lados”, opinião que serviu de modelo para a iniciativa.

Segundo o secretário, a tentativa de conseguir uma empresa que apoiasse as agremiações foi baseada em cidades grandes, mas nunca utilizada no interior: “Isso foi inédito, uma quebra de paradigma. Tivemos alguns interessados, mas infelizmente chegou-se a conclusão de que não seria o momento para esse investimento, então não tivemos nenhuma [empresa] para esse carnaval.

Ele afirma que o modelo é aplicado em São Paulo e Rio de Janeiro, “mas em cidades pequenas eu não conheço”, salientou.

Outra novidade nos desfiles deste ano foi a utilização de dois processos de licitação: um deles para contratar a empresa encarregada do som do sambódromo e grades e outro para a logística do evento, como fornecimento de transporte e gruas, organização da concentração e dispersão, fornecimento de materiais, troféus, tendas, camisetas e gradis metálicos, além de ficar encarregada do repasse da verba municipal às escolas e blocos.

Apesar da iniciativa inédita, nenhuma empresa vai patrocinar o carnaval este ano, por meio do edital aberto pela prefeitura (Foto: Lucas Mendes / JORNAL DOIS)

Dois processos diferentes, com duas empresas vencedoras. Na avaliação de Luiz Fonseca “isso deu sucesso. Muitas empresas se cadastraram no pregão de som, muitas empresas foram para o processo de estrutura. E foi legal porque isso teve uma diminuição de custos e despesas: no ano passado foram gastos 840 mil reais só nesses dois itens, e este ano 600 mil reais. É uma economia significativa, sem que se perca a qualidade, porque o edital está muito mais exigente também”, explica.

A Secretaria de Cultura mudou o período de inscrição das empresas este ano. A ideia foi de antecipar o processo licitatório para que as escolas recebessem a verba antes do previsto. Segundo Fonseca, no começo de outubro de 2017 o documento estava pronto, o que permitiria que ele fosse realizado em dezembro para o repasse às agremiações ocorrer em janeiro.

“O problema foi que as empresas não mandaram orçamentos, e quando mandaram foi num valor tão elevado, que o valor médio do pregão foi muito alto. E isso ficaria muito além do que a gente poderia pagar. Não tem lógica, até porque nós sabemos dos custos [do evento]”, ressalta.

Pra quem desfila

Para osrepresentantes das agremiações, o problema levantado pelo secretário é o que mais prejudica a preparação das agremiações para o carnaval. Olívia Arantes de Souzaé presidente da Coroa Imperial e diz que o valor repassado pela prefeitura não é o suficiente. “Estamos a dois dias do carnaval e só hoje [8 de fevereiro] que eles liberaram os 40% da verba. Agora, o que você faz com 40% se você tem uma dívida de 70 ou 80 mil, pra mais?”, questiona.

Cristiane Ludgério, carnavalesca do bloco Estação Primavera, explica que para suprir um pouco o déficit de repasse financeiro, sua agremiação promove eventos como festas e almoços comunitários, e que a própria população do bairro custeia por meio de doações, para que o lucro arrecadado seja revertido em materiais para a construção do desfile da agremiação.

Segundo Olivia, a organização de eventos como esses seria facilitada com a abertura do sambódromo para as escolas usarem fora da época dos desfiles. “A prefeitura devia deixar o sambódromo para as escolas de samba fazerem algumas festas, ou então ela fecha e faz um show, põe uns ingressos pra vender, atrai o povo, e até mesmo pode levantar fundo para as escolas”

Ludgério diz que o maior problema enfrentado pela maioria das escolas e blocos é o dinheiro: “Criatividade sobra, mão de obra sobra, só que sem dinheiro não se faz nada. É muito caro, a prefeitura é limitada. São 60 mil reais pra escola, 16 mil reais pra blocos, só que nenhuma escola faz carnaval com 60 mil. O carnaval da Estação custa em torno de uns 20 mil reais. Só que a gente vai atrás de material mais barato, inferior, trocamos, mas se for levar a ferro e fogo com menos de 25 mil reais não coloca o carnaval na rua”, revela.

“Você pode até fazer eventos [durante o ano], mas quem fala que coloca a escola na avenida, com dinheiro de evento, é mentira”, garante Valdemir Cavalheiro, o último a exercer o mandato de presidente da Escola de Samba Azulão do Morro. “O evento pode agregar pessoas, mas falar que ele vai gerar dinheiro pra render e pôr uma escola na avenida, eu discordo e posso provar que não tem como. É muito caro”, finaliza.

Não deixe o samba morrer

Com 18 anos de existência, a Azulão do Morro não vai desfilar no carnaval deste ano. Campeã na volta dos desfiles, em 2011, a agremiação encerrou o último carnaval em terceiro lugar, atrás da Acadêmicos da Cartola e da campeã Mocidade Unida da Vila Falcão.

“No último carnaval, tivemos dificuldades com verbas para pôr a escola na rua”, conta Cavalheiro. “É uma escola carente que não tinha patrocínio, então era muito difícil. E a Cida [Aparecida Caleda, a Cidinha, ex-presidente da Azulão] estava desgastada, com a saúde sendo afetada, e disse que não ia mais para a escola. No último carnaval, em 2017, nós ficamos em terceiro lugar, mas já sabíamos que seria o último desfile”, revela.

Outra escola tradicional que deixará de desfilar este ano é a Águia de Ouro. A entidade, do Núcleo Geisel, seria a primeira a entrar no sambódromo, no sábado. De acordo com o vice-presidente da escola, Thiago Fernando de Moura Simões, o motivo da desistência seria falta de dinheiro.

“A Águia manifestou o interesse de sair do carnaval há mais de 30 dias. Não foi o problema da verba da prefeitura que fez a Águia sair. Ela saiu por problemas pessoais e particulares deles. Até porque o dinheiro nunca saía antes de cinco dias”, defende o secretário de cultura.

“A gente deixou de desfilar porque a verba da secretaria demorou muito pra sair”, alega Darcy Minhano Simões, presidente da Águia de Ouro. Segundo Simões, em outubro aconteceu uma reunião na Unesp, ocasião em que o secretário prometeu a verba para o mês de dezembro. “Chegou em dezembro e nada. Quando começou Janeiro a gente já viu que não ia dar e tivemos que desistir”, pontua.

Azulão do Morro deixou de desfilar este ano. A escola não tem pretensão de voltar a desfilar no Carnaval. (imagens: Lorenzo Santiago e Ana Carolina Moraes. Edição: Lucas Mendes / JORNAL DOIS)

“Pra você ter uma ideia de quem tá fazendo carnaval hoje em dia, faz com dinheiro do bolso”, reitera Cavalheiro, da Azulão do Morro. “Até porque a subvenção da prefeitura ainda não saiu. Colocar uma escola na rua dá trabalho. É um processo demorado, são muitas etapas. Como você vai montar uma fantasia sem dinheiro? Não tem como”, finaliza.

Potencial econômico

O Carnaval da cidade movimenta muita gente. Em 2017 foram cerca de 25 mil pessoas circulando no sambódromo, contando os dois dias de desfile. A prefeitura também abriu um edital para a venda de produtos. São 120 barracas comercializando desde comidas até artesanatos. Esse cenário gera renda para quem trabalha e possibilita que o dinheiro circule.

O que faltam são levantamentos e informações para quantificar essa circulação de dinheiro.

O público esperado é de mais de 10 mil pessoas por dia circulando no Sambódromo (Foto: Lucas Mendes / JORNAL DOIS)

“Eu hoje não tenho esses dados. O ano passado a gente não conseguiu mensurar, não tinha esse preparo e não tinha como fazer pela Cultura”. Na edição de 2018, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico Turismo e Renda (Sedecon) estará no carnaval fazendo um levantamento do impacto da festa na geração de emprego e renda. “Puxamos essa atividade para termos a possibilidade de um levantamento mais real, pra gente poder ter essa informação mais pra frente”, explica Fonseca.

Outro aspecto que nunca tinha sido discutido é a respeito do turismo que o carnaval gera. A atração de pessoas da região de Bauru nunca foi estimada. “A questão do turismo, de quantas pessoas vêm para Bauru, gasto com hotelaria, está amarrado com a Sedecon. A gente não tem esses dados” afirma o secretário.

A circulação de dinheiro pela cidade não se limita somente ao público que comparece aos desfiles. O gasto que as escolas têm com materiais para confecção de fantasias e alegorias também poderia impactar diretamente na economia bauruense. Isso porque poucos são os utensílios comprados na cidade. “Aqui em Bauru a única coisa que a gente comprava era cola quente, porque era o mesmo preço de São Paulo. Mas o grosso do material mesmo era em São Paulo, porque não compensa comprar aqui. Pra se ter uma ideia, um metro de cetim lá (em São Paulo) é 4 reais. Aqui (em Bauru) é 10 reais”, afirma Cavalheiro.

A carnavalesca Cristiane reafirma a impossibilidade de comprar materiais em Bauru: “ A gente compra tudo em São Paulo. O preço é muito alto aqui. Não tem como nenhum bloco e escola comprar as coisas aqui. O único serviço que a gente recorre é mão de obra. Os profissionais que montam os carros alegóricos é um exemplo”.

O secretário de Cultura afirma desconhecer como é feito o gasto das escolas com o carnaval: “Esse é outro dado que nós não temos. Aonde que elas compram? Qual mercado que elas compram? Bauru, São Paulo, Rio, Minas? Eu não sei”. Mas Luiz entende também que “O melhor meio de renda seria esse dinheiro circulando aqui dentro”.

Saída

Extinta em 2000, junto com o fim dos desfiles carnavalescos em Bauru (retomados em 2010), a Liga das Escolas de Samba é apontada como uma alternativa para os problemas de organização das agremiações que participam do carnaval.

Para Valdemir Cavalheiro, da Azulão do Morro, a existência de uma liga possibilitaria a construção de eventos organizados em conjunto pelas entidades carnavalescas ao longo do ano, de forma que a distribuição dos lucros fosse igual para todas as agremiações associadas. Dessa maneira, tanto o repasse da Secretaria de Cultura quanto os rendimentos extras seriam equivalentes. “Aí você uniria as escolas poderosas com as agremiações menores, para uma distribuição em partes iguais”, explica.

Os desfiles começam às 20h45 no dia 10 e às 19h15 no dia 12. (Foto Lucas Mendes / JORNAL DOIS)

Ainda segundo Cavalheiro, a verba destinada às escolas deveria ser entregue à liga, e repassada às entidades nos meses que antecedem o carnaval, que é quando se dá início aos preparativos para cada desfile.

Cristiane Ludgério também acredita que os problemas passam pelas escolhas das empresas que se credenciam nos editais. “O problema está nas empresas que eles [a prefeitura] colocam para o carnaval. Eu acho que tinha como procurar uma empresa antes e soltar um pouco do dinheiro em dezembro pra que a gente se adiantasse. A gente tem condições de fazer um carnaval perfeito na cidade. Mas por que não sai? Porque é feito em cima da hora, às pressas, corrido”, protesta.

O secretário de cultura afirma que também acredita na reestruturação da liga “Uma organização das agremiações que qualquer evento que aconteça saia pela Liga, para que a renda que entre, fique, parte dela pra um fundo que durante o ano financie as escolas” e completa “A grande maioria das agremiações é dependente da secretaria. A dependência é cada vez maior, os riscos ficam maiores, por isso a organização se faz necessária”.