Quanto custa morar em Bauru? O Mapa da Especulação Imobiliária na cidade
Diferenças de preço das residências de região para região geram desigualdade no acesso aos recurso e à moradia
Publicado em 13 de julho de 2018
Por Ana Carolina Moraes e Lorenzo Santiago
“O mercado [imobiliário] de Bauru sempre foi muito bom”, comenta Carlos Damiati, subdelegado do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (CRECI). “Às vezes tem a pessoa que reclama, quem vem do sul (do Brasil) geralmente fala ‘poxa, mas Bauru é tão caro’, mas sempre teve seu mercado e sempre reagiu muito bem”.
Para Damiati, a crise vivida entre 2015 e 2016 prejudicou a economia como um todo — e o setor imobiliário não ficou de fora desta realidade. “Na crise ficou ruim para Bauru, mas ficou ruim para todo mundo. Hoje eu vejo um cenário melhor do que antes porque tá melhorando, mas tá melhorando devagarinho, tá ganhando consistência para não voltar”, observa. De acordo com o SECOVI, entre janeiro e dezembro de 2017, o Valor Global de Vendas (VGV), que dá uma estimativa de lucro das vendas no setor, somou R$ 374,9 milhões. Por mês, a margem de lucro foi, em média, de R$ 31,2 milhões em 2017.
Mesmo assim, o setor é o que mais cresce na cidade, com bons resultados mesmo em tempos de crise. Em 2014, por exemplo, 2.456 unidades residenciais foram lançadas, segundo o Sindicato da Habitação (SECOVI SP). Em 2015, o índice caiu para 851 imóveis lançados; no ano seguinte, houve uma recuperação e 2.357 unidades foram lançadas. 2017 fechou o ano com 1.602 lançamentos, 32% a menos que o mesmo período em 2016.
O subdelegado da CRECI explica que as casas são imóveis que vendem muito bem: “pela oferta, pelo valor, casa venda mais”. A análise por segmento do SECOVI, que aponta as características que são melhores avaliadas conforme a Venda Sobre Oferta (VSO) — índice que calcula o total de imóveis vendidos sob as ofertas lançadas — confirma esta afirmação. Os imóveis com quatro dormitórios tiveram VSO de 92,2% em 2017; foram 77 imóveis ofertados e 71 vendidos no ano passado. O número é o segundo melhor em resultados nesta categoria, fica atrás somente dos imóveis com um dormitório, que tiveram resultado de 100% (10 anúncios e 10 vendas). Já a faixa de área privativa em m² que teve melhor desempenho foi os de acima de 130 m², com VSO de 71%. A faixa de preço com maior venda sobre oferta é a entre R$ 750 mil e R$ 900 mil, com 71%. Todas as características estão mais próximas da estrutura de uma casa do que de um apartamento.
O destaque são as casas nos loteamentos fechados, onde, de acordo com Carlos Damiati, “você tem a liberdade de uma casa e a segurança de um apartamento, com portaria 24 horas”. Damiati expõe a diferença entre condomínio e associações de moradores, ressaltando que a expressão “condomínio” tem sido usada de forma inadequada. Isso porque condomínio é um residencial todo padronizado, onde todos os lotes têm a mesma medida e proporção, mais comum em residenciais verticais. E quando há um loteamento residencial com terrenos, o adequado é chamá-lo associação de moradores, pois se uma pessoa construir uma garagem a mais, por exemplo, o residencial não se configura mais como condomínio.
O preço médio por metro quadrado em residenciais verticais em Bauru foi de R$ 5,6 mil em 2017, segundo o SECOVI. O valor foi 13,2% maior que o ano passado, registrado como R$ 4,9 mil.
Onde tá mais caro?
Para a secretária de Planejamento de Bauru, Letícia Kirchnner, “esses valores são exorbitantes”. Ela explica que “Bauru tem um estoque de áreas ociosas, principalmente nas Zonas de Indústria, Comércio e Serviços (ZICs). Isso interfere também no mercado. Então como se tem uma demanda muito elevada por habitação em Bauru, e você não tem disponibilidade de terra, quem tem terra, vende por preços exorbitantes. Os valores do metro quadrado de terra em Bauru são exorbitantes.”
O mapa a seguir mostra a oferta de imóveis à venda em Bauru nas regiões norte, sul, leste e oeste, apresentando informações sobre os valores, os tipos de habitação e as características do imóvel. Para saber como o mapeamento foi elaborado e como navegar, clique sobre a parte cinza, na aba direita do mapa.
De fato, o mapeamento confirma a fala de Carlos Damiati, subdelegado da CRECI: “todo local tem sua procura, tem o seu nicho”. Há ofertas por imóveis — casas e apartamentos — em todo o território urbano, desde os loteamentos residenciais mais caros até os bairros acêntricos.
Três pontos são importantes para serem observados neste mapa.
O primeiro é sobre a abrangência da oferta de imóveis e os valores de cada uma das imobiliárias analisadas. Cada imobiliária tende a ter mais imóveis anunciados na sua região. A imobiliária da Zona Sul, Norte e Zona Leste têm ofertas de imóveis principalmente nos bairros dessas áreas; a da Zona Oeste, contudo, concentra a maioria dos imóveis disponíveis no eixo centro-sul da cidade.
Quanto aos valores, é possível notar a mudança de preço de acordo a valorização da área onde a imobiliária está: a imobiliária da Zona Sul, que é a mais cara da cidade, é a que oferece imóveis a preços mais elevados nos imóveis, que estão concentrados na região sul. Por outro lado, a imobiliária da Zona Norte, localizada em uma área com menos infraestrutura, dispõe de imóveis espalhados no território e com valores inferiores às demais imobiliárias das regiões. No entanto, vale comentar que os valores dos imóveis mais baratos são, na verdade, os mais caros desta seção.
O segundo aspecto a ser observado é a concentração de imóveis ofertados na cidade. Os mais caros estão aglomerados na região sul de Bauru, sendo que 45% dos anúncios estão em loteamento residenciais. Dos imóveis mais baratos, a concentração está nas áreas leste e oeste da cidade. 70% das ofertas da imobiliária da Zona Norte estão nos bairros acêntricos de Bauru.
O terceiro aspecto diz respeito às diferenças de valores e características dos imóveis anunciados. Os imóveis anunciados na Zona Sul são, em sua maioria, casas com mais de 200 m²; chama atenção a quantidade de suítes e vagas na garagem oferecidas. Os valores das casas são superiores a 1 milhão de reais. Em contraste com os imóveis mais baratos, os quais 32,5% são apartamentos, pequenos (com menos de 50 m²), e que, mesmo sendo mais os mais baratos, não são tão baratos assim: o preço médio dos imóveis é R$ 132.500,00. As casas mais baratas tem estrutura de madeira e são simples (poucos quartos, um banheiro e uma vaga na garagem), e custam mais de 120 mil reais.
Contradições
“A zona sul da cidade é sempre um local que chama muito a atenção. É o lugar mais caro, o lugar mais nobre, onde estão os prédios maiores, têm as vias principais ali — a Avenida Getúlio Vargas é um local de referência de Bauru”, comenta Carlos Damiati, subdelegado do CRECI. Além de concentrar os imóveis mais caros do mapa, os preços dos imóveis da zona sul são muito altos: a média é de R$ 2,5 milhões.
Para Damiati a área é mais procurada por conta da infraestrutura da região, que promove um visual mais bonito para os bairros. “Você pega uma pessoa que comprou [um imóvel] daquele lado da cidade, ele consegue contratar um arquiteto, um engenheiro para acompanhar a obra, e aí você acaba tendo um lado da cidade com visual muito melhor”, concluiu.
Letícia Kirchnner aponta que há outros fatores que fortalecem essa diferença de preço: “Muitos bairros da zona sul são recentes, já vem com a infraestrutura, e teve realmente muito mais investimentos nessas regiões (Zona Sul e Altos da Cidade) que ao longo do tempo teve essa infraestrutura e acabou se tornando o segundo centro”.
O subdelegado também menciona as diferenças de preço e imóveis na cidade: “são exorbitantes”. O Plano Diretor Municipal, o mapeamento e o estudo estatístico sobre o mercado imobiliário em 2017 do SECOVI reforçam as desigualdades sociais e de renda do município.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o salário médio mensal na cidade de Bauru, em 2015, era de R$ 2.285,20. À época, 29,5% da população vivia com até meio salário mínimo (R$ 394,00 ) por mês, enquanto apenas 38,5% da população estava empregada. Percebe-se, então, que há dois extremos no recorte econômico de Bauru: a pobreza extrema, já que mais de ¼ da população vive sem condições de comprar um imóvel; e ⅕ da população, que toma conta de 42% de toda riqueza produzida na cidade. A classe média bauruense é também composta pela comunidade universitária (professores e estudantes que mudam para cá).
“O custo de um aluguel ou mesmo de aquisição de um imóvel é incompatível com o salário da maioria das famílias” reforça a secretária de Planejamento.
A necessidade de moradia pode ser o que favorece o bom desempenho do setor em todos os nichos — inclusive os mais baixos. Os estudos estatísticos do SECOVI mostram que as maiores vendas e ofertas de imóveis estão com os imóveis econômicos de 2 quartos (805 unidades foram vendidas e 1,7 mil foram ofertadas). A faixa de área privativa por m² que mais vendeu foram as menores de 45 m², com 722 vendas em dezembro de 2017. Apesar dessas características indicarem residenciais mais simples, a faixa de preço que corresponde a maioria das vendas (722) são para os imóveis que custam menos de R$ 230 mil.
As ofertas de imóveis padrão comum ou econômico com valores altos influencia os valores dos aluguéis e, logo, as condições de habitação em Bauru. Por isso que no Plano Diretor a desigualdade não se restringe à renda: quem tem menores rendimentos é também quem mora nas regiões acêntricas, onde não tem infraestrutura básica (saneamento, asfalto, iluminação), o transporte é deficitário, e os serviços de educação, saúde e lazer são precários.
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