Kaingangs também conhecidos como “índios Bauruz” (Foto: Priscila Medeiros/Prefeitura Municipal de Bauru)

Por Arthur Castro, colunista do JORNAL DOIS


Se a História do Brasil — e do mundo — é escrita em sangue, a de nossa cidade não poderia ser diferente. Para atender aos interesses dos donos de terras bauruenses, uma população indígena — os Kaingangs — sofreu uma política de extermínio. Isso tudo porque suas terras ficavam no caminho das ferrovias que iriam ser construídas para o transporte de café da elite local. Hoje, os tais fazendeiros, as direções das ferrovias, os diversos envolvidos nessa matança, dão nomes as ruas na cidade.

João Maringoni — antigo diretor da Noroeste (empresa ferroviária) — considerado pessoa ilustre, respeitável e que até da nome a uma escola, foi um integralista. Um fascista legítimo, de extrema direita, simpatizante da doutrina de Mussolini, tendo lhe rendido até uma medalha.

Não apenas fascistas e assassinos de índios são bem-vistos por aqui. Muitas das famílias tradicionais bauruenses remontam suas origens às antigas elites da República Velha, apoiadoras de um liberalismo elitista, defesa do voto censitário (apenas ricos votam) e que anos depois vão financiar e apoiar a ditadura militar.

Segundo a Comissão da Verdade, famílias como Simão, Coube e Guedes de Azevedo deram suporte à Frente Anticomunista, grupo armado que atacava pessoas de esquerda e até jornais.

Uma das principais avenidas de Bauru é Getúlio Vargas — homenagem a um homem que implantou uma ditadura fascista nos anos 30. Há também a Duque de Caxias, referente ao militar que esmagou a revolta de escravos conhecida como Balaiada e conduziu a Guerra do Paraguai. Outra é Castelo Branco — o primeiro general a assumir após o golpe de 64, além de um bairro chamado Geisel, outro general.

A medalha Zumbi dos Palmares — ícone da resistência negra — foi dada ao atual vereador Coronel Meira, na comemoração ao dia da Consciência Negra no distrito de Tibiriçá. Meira dispensa apresentações. A corporação que ele representa, a Polícia Militar, também. E os dois maiores veículos de imprensa municipais — TV Tem (Globo) e Jornal da Cidade — tem conexões com os militares de 64.

Nome de avenida homenageia militar e monarquista que liderou as guerras do Prata e do Paraguai. (Foto: Bibiana Garrido/ JORNAL DOIS)

Bauru não passou nem por independência, nem por redemocratização. As instituições, ideologias e famílias de poder que se estabeleceram nesta cidade desde seu surgimento no final do século XIX, continuam reinando. Seria por acaso, como já abordei em outros artigos, o caráter tão conservador e reacionário de nosso município?

É claro que houveram histórias de resistência: desde os Kaingangs enfrentando os interesses do Capitalismo nascente, passando pelas lutas ferroviárias do século XX, até mais recentemente os protestos contra aumento da tarifa (incluindo 2013), ocupações estudantis (2015 e 2016), greves de diversas categorias e a oposição à Lei Antifestas, nossa cidade conta sim com uma longa lista de batalhas travadas.

É com organização e mobilização que se muda o mundo, e o mesmo vale para a cidade em que vivemos. É uma boa fonte de inspiração é a nossa própria história. Troquemos a história contada pelos de cima e adotemos a história contada pelas e pelos de baixo.


Errata: O vereador Meira não recebeu o Prêmio Zumbi dos Palmares, como constava na versão inicial do texto. Tal prêmio é uma homenagem concedida pela Câmara Municipal a partir de indicações do Conselho Municipal da Comunidade Negra de Bauru. O vereador Meira recebeu a medalha “Zumbi dos Palmares”, na comemoração ao dia da Consciência Negra realizada no distrito de Tibiriçá, em 2016, quando ainda não tinha tomado posse como vereador. Atualizamos dia 21/09, às 11h20.


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