Professor de Bauru envia pedido de impeachment de Bolsonaro para Câmara dos Deputados
O documento foi enviado em março e está nas mãos do presidente da câmara, Rodrigo Maia
Publicado em 22 de julho de 2020
Por Lorenzo Santiago
Qualquer cidadão pode fazer uma denúncia pública contra um prefeito, governador e até o presidente da República que tenha cometido um crime de responsabilidade. A Lei do Impeachment prevê 8 qualificações para crimes de responsabilidade que, com acusações consistentes, podem ser investigados por uma comissão parlamentar.
Em março deste ano o professor Roberto Lourenço Cardoso protocolou uma denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro por quebra de decoro e ameaças à democracia. O primeiro deles é considerado um crime contra a “probidade na administração” (quando o agente público tem uma conduta inadequada que causa danos a administração pública), enquanto o segundo é tipificado em dois capítulos diferentes: crime “contra a existência da União” e contra o “livre exercício dos poderes constitucionais”.
Roberto nasceu em Ourinhos e há 7 anos mora em Bauru. Para ele o pedido de impeachment por parte de um cidadão não é uma escolha política: “se você vê um crime e não denuncia, você é conivente. O processo não é pra trocar um governo ruim, que você não gosta. É porque há um crime” explica Roberto. A ideia de formalizar uma denúncia surgiu a partir de uma discussão em seu canal no YouTube sobre os crimes cometidos pelo presidente.
O “Pensando Alto” é o canal criado pelo professor para discutir a política nacional. Em um dos vídeos sobre os crimes cometidos por Bolsonaro, Roberto abordou a possibilidade de pedir um processo e perguntou se algum dos seguidores conhecia alguém formado em Direito. Uma das seguidoras se apresentou e disse que era advogada. Ela se ofereceu para protocolar o pedido de impeachment na Câmara dos Deputados e redigiu o texto.
Roberto encaminhou o documento para a secretária do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que enviou um comprovante de recebimento do pedido. Depois de entender a viabilidade do pedido, o professor pediu em um outro vídeo que, quem tivesse interesse, pegasse o documento e enviasse para o Congresso Nacional. A ideia inicial era chegar a 1.000 pedidos.
“Eu nunca entendi porque um presidente tem só 30 pedidos. Se o presidente cometeu um crime deveria ter 200 milhões de pedidos. Eu fui no canal e falei ‘se vocês acharem uma boa ideia vocês escrevem os seus dados nessa cópia, mandam pra advogada e protocola no nome de todo mundo’. Vamos transformar Jair Bolsonaro no presidente com maior número de pedidos de impeachment da história”, relata Roberto.
O professor enviou o próprio pedido em 11 de março de 2020, mas com o início da pandemia e a redução de circulação de pessoas na Câmara dos Deputados, os pedidos dos inscritos no canal não puderam ser protocolados ainda. Segundo ele, há, pelo menos, 200 documentos escritos por seguidores dele para serem enviados.
As acusações são referentes a participação de Jair Bolsonaro em atos antidemocrático, as constantes ofensas do presidente a grupos marginalizados na sociedade e as ameaças a imprensa. O professor ainda destaca no pedido o retrocesso do país nas políticas ambientais e as privatizações propostas pelo governo.
O processo
Depois de protocolado, o pedido de impeachment vai para as mãos do presidente da Câmara que avalia o material. Ele pode recusar (arquivar) ou dar andamento no processo. Caso aceito, é formada uma comissão que apresenta a denúncia ao presidente e formula um relatório. O presidente apresenta a defesa e os deputados escolhem se a denúncia segue para o Senado ou não. São necessários ⅔ de deputados favoráveis para que o processo siga.
No Senado o processo é avaliado e julgado para então derrubar o presidente ou a chapa (incluindo o vice).
Os pedidos feitos por cidadãos comuns são referentes aos crimes de responsabilidade. O crime comum (como homicídio e roubo) é investigado pelo Procurador-Geral da República, hoje Augusto Aras.
Para fazer o pedido basta redigir um texto assinado, com firma reconhecida e documentos que comprovem o suposto crime cometido (ou a indicação de onde achar essas provas). Neste documento precisa constar uma lista com 5 testemunhas para o caso. Feito isso o texto deve ser entregue na secretaria da presidência da Câmara dos Deputados.
Canal de sucesso
Formado em Letras, Roberto dá aulas de línguas em escolas particulares de Bauru. Além de professor, ele é youtuber desde fevereiro de 2019. Com uma média de 5 milhões de visualizações por mês, o canal Pensando Alto foi criado em 2007, com vídeos esporádicos. Em 2018, Roberto começou a publicar com mais frequência vídeos que abordavam a construção racial do Brasil. A média de publicação era de um vídeo por mês vídeo por mês devido ao tempo de preparo e estudo para a produção.
O canal começou a alavancar no momento em que ele publicou o primeiro vídeo sobre política nacional. No dia 25 de junho de 2019, o sargento Manoel Silva Rodrigues, da Força Aérea Brasileira (FAB) foi preso com 39 quilos de cocaína em um avião da comitiva oficial do presidente Jair Bolsonaro, que estava a caminho da Espanha. Roberto questionou a cobertura dos grandes veículos de imprensa sobre o caso. “Eu via os portais (de notícia) falando que ‘militares estavam transportando drogas’, sendo que isso era um tráfico internacional, e eles falavam ‘militares’ sendo que nas favelas chamam de bandidos. A função dele como militar não é transportar drogas. Isso tudo em uma comitiva presidencial”, afirma o professor.
Ele, então, foi ao seu canal e gravou um vídeo contestando a narrativa dos grandes veículos de imprensa. A publicação teve 13 mil acessos em um dia. Roberto ficou surpreso com a repercussão e no dia seguinte gravou outro vídeo que também teve um alcance muito alto. Em uma semana ele já tinha 10 mil inscritos no canal, e depois de um mês (no final de julho de 2019) eram 40 mil seguidores.
A demanda fez com que o professor aumentasse o ritmo da produção de conteúdos. “A audiência foi crescendo e as pessoas foram pedindo muitos vídeos e eu pensei em fazer todos os dias de segunda a sexta. Muita gente ficou pedindo vídeos até nos finais de semana, então eu comecei a fazer todos os dias mesmo, alguns dias com até mais de um vídeo”, explica.
Os vídeos seguem uma linha didática. O objetivo, segundo o professor, é explicar o que está acontecendo na política nacional com um outro olhar e uma outra narrativa, ligando os fatos e aprofundando a reflexão sobre os assuntos. Diferente do que acontece na grande mídia, ele propõe uma reflexão sobre o noticiário, tentando chegar na raiz dos problemas.
“A gente ouve falando ‘trânsito em julgado’, ‘imunidade parlamentar’ e as pessoas não sabem o que é isso. Falam como se as pessoas soubessem. Parece que é feito pra não entender, ninguém sabe o que é pedalada fiscal, por exemplo”.
A apropriação dessas plataformas por grupos progressistas também é um ponto chave na narrativa de Roberto. Para ele, a esquerda perdeu muito tempo construindo um discurso exclusivamente em espaços intelectualizados e não fez a disputa na internet, deixando este campo aberto para o avanço de um pensamento reacionário. “A comunicação dos partidos de direita é muito robusta, é voltada para a internet. Os vídeos da esquerda eu vejo que são vídeos que parecem institucionais. A direita é mais incisiva e tem uma comunicação mais forte. É fundamental estar nesse meio pra levar os fatos” enfatiza o professor.
Em um ano o canal Pensado Alto chegou a 160 mil inscritos e ocupa parte significativa dos trabalhos do professor. Apesar disso, ele ainda tem como remuneração principal o ensino de línguas em colégios particulares. No momento da pandemia, todas as aulas estão sendo ministradas de forma online.