Por Bibiana Garrido e Lucas Mendes
Militantes do Partido dos Trabalhadores (PT) de Bauru estudam a possibilidade de acionar a Corregedoria da Polícia Civil e entrar com ação contra a Justiça Eleitoral para investigar operações policiais na cidade.
Três ocorrências envolvendo a distribuição de materiais de campanha do partido aconteceram na primeira semana de outubro: na terça-feira (2), sexta-feira (5) e sábado (6).
Dia 2. Policiais civis foram até o Comitê de Campanha do PT, na rua 15 de Novembro. Cumprindo a ordem do juiz eleitoral de Bauru Jayter Cortez Júnio, vasculharam o local para verificar os materiais de propaganda eleitoral que ali estavam guardados. No meio das caixas com panfletos, adesivos, broches e bandeiras, foram encontrados materiais da campanha de Lula para a Presidência da República, proibidos para circulação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O material foi levado pelos policiais.
Cláudio Lago é ex-bancário e militante do PT, e conta que as caixas levadas pela Polícia Civil estavam separadas e não seriam entregues à população. “Tinha material lá que não tava sendo usado, era material antigo da campanha do Lula, de quando ele seria o candidato.Tanto é que não estava sendo distribuído”, defende ele.
“Foi apreendido uma caçamba de caminhonete com panfletos de Lula presidente, que agora estão sendo investigados”, afirma o Promotor Eleitoral de Bauru Henrique Ribeiro Varonez, do Ministério Público Estadual. Segundo Varonez, a investigação vai apurar a finalidade do material: “se efetivamente era panfleto para divulgação, ou não, se esses panfletos tinham sido fabricados antes da data em que foi indeferida a candidatura a presidente do Lula. E se apenas houve a guarda desse material, sem interesse de divulgação”.
Conforme relata o promotor, a apreensão de terça-feira foi resultado de uma denúncia encaminhada para a 23ª Zona Eleitoral. O PT de Bauru soltou uma nota de esclarecimento sobre o ocorrido.
Dia 5. Na tarde de sexta-feira, policiais civis do Grupo de Operações Especiais (GOE) se dirigiram até a quadra 4 do Calçadão da Batista de Carvalho, onde estava montada uma barraquinha de campanha do PT. De acordo com Cláudio Lago, que estava no local fazendo trabalho de panfletagem para as eleições, os policiais não se apresentaram a ele.
“Pararam a viatura e um cara desceu dizendo que eu não poderia panfletar ali”. Lago afirma que não foi questionado sobre a regularidade do material e que um dos policiais fez uma revista nele e falou que não poderia distribuir o material. “Quando eu respondi ‘lógico que posso, isso aqui é legal’, ele me disse: ‘o senhor está detido’, e já me imobilizou. Quando eu fui ligar para o meu advogado, veio outro cara e tomou o celular da minha mão”, relata.
Na sequência Lago foi encaminhado para a Delegacia de Polícia Civil do centro. Ele afirma que no seu carro havia um material antigo, ainda com a presença de Lula como candidato, mas o conteúdo estaria dentro de envelopes lacrados e não estava sendo distribuído.
Lago conta ainda que um dos policiais pegou a chave do seu carro e foi dirigindo até a delegacia. “Eu não falei que carro era e nem onde estava, mas na hora que cheguei na delegacia, o carro já estava lá”, completa.
Consta no boletim de ocorrência (BO) que os policiais estavam em patrulhamento de rotina no Calçadão. Numa das barraquinhas os policiais teriam se deparado com um cartaz fixado numa mesa, com os escritos “Presidente Lula/Vice Haddad 13”. O BO aponta que, como os policiais não conheciam o que era material irregular, ligaram para o delegado de plantão. O delegado orientou que o material fosse levado até a delegacia para “verificação de legalidade junto à Justiça”.
Dia 6. A operação se repete no Calçadão da Batista no dia seguinte, conduzida pela Polícia Militar. Barracas de campanha do PT se dividiam nas quadras 4 e 5, quando, próximo da hora do almoço, policiais militares se aproximaram da militância na quadra 4. Repórteres do JORNAL DOIS estavam presentes no momento da ação.
“Foi uma denúncia de que nós estaríamos distribuindo material do Lula”, conta Pedro Valentim, jornalista e coordenador da campanha do partido em Bauru. “Eles [PM] ficaram lá uns dez minutos por perto, viram que ninguém tava fazendo isso. Depois, os policiais disseram que atrás da barraca tinha uma caixa com material do Lula”, lembra ele.
“Nós não reconhecemos nada e acho que foi plantado o material ali, para incriminar. Atribuo isso a ‘forças misteriosas’”, acusa Valentim. “Tanto é que o mesmo material que tava lá na sexta-feira e o GOE levou, depois liberou, era o mesmo que tava no sábado. Então, se tivesse alguma irregularidade, isso aí já seria pego pelo delegado na sexta”.
Também no sábado a Polícia Militar acompanhou Jayter Cortez Júnior, juiz da 23ª Zona Eleitoral, até a casa de Milton Dota, advogado e militante do PT. Segundo Dota, na ocasião o juiz informou que tinha recebido uma denúncia sobre propaganda irregular de campanha que estaria pregada na frente de sua casa.
“Ele [juiz] falou que estava com mandado de prisão contra minha pessoa, mas chegou lá e constatou que não tinha nada”, afirma Dota. “Compareceram duas viaturas da Polícia Militar, e cada uma parou de um lado da calçada. Eu não sabia que era um juiz, pensei que era um oficial de justiça ou delegado, nunca um juiz”, explica o advogado, completando: “foi uma grosseria do Poder Público impressionante”.
Material irregular versus abuso de autoridade
Para Jorge Moura, advogado presente na delegacia devido à ocorrência de sexta, as ações policiais podem ser caracterizadas como abuso de autoridade. Isso porque os militantes foram detidos sem alegação de conduta atípica e criminal.
“Se não havia tipo de crime, meus clientes não poderiam ter sido detidos, tampouco conduzidos”, argumenta. “Quem dirá tomar telefone celular sem mandado de busca e apreensão, tomar a chave do carro e conduzir o carro sem a presença do proprietário para a delegacia, também sem nenhum mandado”.
O advogado relata ter dito a Richard Serrano, delegado de plantão naquela tarde, que “era uma atitude completamente arbitrária e que era abuso de autoridade”. Segundo Moura, o delegado teria dito, em resposta: “Doutor, se o senhor acha que eu não posso fazer isso, o senhor vai até a Corregedoria, mas a minha prerrogativa é fazer”.
A versão contada pelo delegado Richard enfatiza a irregularidade do material de campanha e legitima a conduta da Polícia Civil. “É um material proibido que estava dizendo ‘Lula presidente’. É isso que foi apreendido”, declara. “O GOE estava passando pela Batista e se deparou com essa banca, e entenderam que estava ilegal. Foi comunicado para a Delegacia Seccional, e apresentaram no plantão policial”.
“Todo material que eles levaram [na sexta], foi devolvido depois. Não pegaram nada”, afirma Claudio Lago. “Eles não vistoriaram o material, eles me levaram e apreenderam o material. A impressão foi que teve uma ação de constrangimento. No boletim diz que foi ‘operação de rotina’. Eu considero que foi uma intimidação”, resume.
Lula não é candidato
Na madrugada do dia 1º de setembro, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) negou o direito de Luiz Inácio Lula da Silva concorrer à Presidência da República, com base na Lei da Ficha Limpa. A lei proíbe de se eleger, entre outros casos, pessoas condenadas em decisão transitada em julgado ou por órgão judicial colegiado.
Lula foi condenado em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em março, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
A partir daí, Fernando Haddad assume a chapa do PT para concorrer à Presidência da República. No dia 26 de setembro, o mesmo TSE julgou sobre a legalidade de usar o nome “Lula” na campanha de Haddad.
Motivado por representação do candidato Jair Bolsonaro (PSL) e do Partido NOVO, o tribunal liberou, por maioria de votos, o uso do nome e da imagem de Lula na campanha do PT. O voto que conduziu o resultado foi do ministro Edson Fachin, que destacou que não existe na legislação eleitoral a proibição ao nome de apoiadores.
O que as autoridades dizem
“Tinha sido liberado uso da expressão ‘Haddad é Lula’, isso é uma marca da campanha. Agora, ‘Lula presidente’ não, isso não foi liberado”, aponta Richard Serrano, delegado da Polícia Civil de Bauru.
Serrano explica que “foi feita uma apreensão de objetos, não foi tipificado crime algum naquele momento [na sexta]. Esse material foi encaminhado para a Justiça Eleitoral”. O caso foi levado à 23ª Zona Eleitoral de Bauru para andamento do processo.
Procurado pela reportagem, o juiz eleitoral da 23ª Zona Eleitoral de Bauru, Jayter Cortez Júnior, alegou que estava sem tempo para conceder entrevistas.
Não há unanimidade no entendimento dos fatos que teriam motivado essas operações da Polícia Civil e Militar. Na visão das autoridades eleitorais, só quando concluída a investigação será possível afirmar a legalidade ou não dos materiais apreendidos, além de afirmar se houve ou não crime eleitoral.
Enquanto isso, militantes do PT reafirmam que o material da campanha antiga de Lula estava separado para arquivamento, e que a propaganda distribuída para a população estava dentro do regulamento.
“Eu estou pedindo judicialmente uma investigação para saber quem fez essa denúncia [de sábado], porque não tinha nada irregular”, expõe Dota, militante do partido que teve duas viaturas da polícia e um juiz eleitoral em sua casa. “Estou movendo uma ação contra a Justiça Eleitoral para saber quem foi o canalha que mentiu e colocou o juiz numa situação constrangedora”.
Questionado sobre a conduta policial nas apreensões, Eduardo Herrera, coordenador da Central de Polícia Judiciária, se ateve aos procedimentos burocráticos: “Não ficou nada pra nós. Em tese, se há crime eleitoral, é competência da Polícia Civil. O BO foi feito por nós e foi tudo encaminhado”.
“Existe um fato típico que pode ter ocorrido, que é o artigo 323 do Código Eleitoral”, disse o promotor eleitoral Henrique Varonez. O artigo a que o promotor se refere estabelece como crime eleitoral o ato de divulgar em propaganda, fatos sabidamente irregulares sobre partidos ou candidatos, que sejam capazes de influenciar o eleitorado.
“Nesses dois dias [terça e sábado] foram apreendidas propagandas e material impresso de panfletos que consta “Lula presidente”. Então em tese existe a possibilidade de que esse material fosse para divulgação de propaganda”, explica o promotor.
Em contrapartida, se iniciado processo na Corregedoria da Polícia Civil, as operações policiais podem ser enquadradas como ato de impedimento de campanha: crimes eleitorais previstos nos artigos 324, 331 e 332 do Código Eleitoral.
Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Art. 331. Inutilizar, alterar ou perturbar meio de propaganda devidamente empregado:
Art. 332. Impedir o exercício de propaganda:
Tem como prerrogativa, este delito, a defesa da liberdade de propaganda partidária lícita, podendo atuar como vítima deste crime o candidato, o pré-candidato, servidor público eleitoral ou não eleitor.
A conclusão de uma investigação na Justiça Eleitoral leva cerca de trinta dias. Esse prazo pode ser ampliado a pedido das autoridades policiais, para questões de perícia e solicitação de documentos.
Apreensões pelo país
Operações semelhantes aconteceram por todo o Brasil. Entre o final do mês de setembro e começo de outubro, houve apreensão de materiais de campanha do PT em Rondônia, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná e Rio Grande do Sul.
Com exceção de RO, MG e RS, estados nos quais as ocorrências se deram nos diretórios dos partidos da coligação (PT-PCdoB), todas as outras são tidas como flagrantes de distribuição irregular nos centros da cidades. A justificativa dos comitês foi a mesma apresentada pela militância do PT em Bauru: propagandas com o nome de Lula para presidente estavam separadas e inutilizadas.