Partidos não cumprem cota e mulheres são as menos votadas em Bauru

Candidatas laranja e partidos que não cumpriram a regra dos 30% para candidaturas femininas contribuíram para que a representatividade seguisse baixa na 33ª legislatura da Câmara Municipal

Publicado em 26 de novembro de 2020

Na "casa do povo", das três mulheres eleitas, duas já compunham a legislatura anterior. Do total de 17 vereadores, dois são autodeclarados negros (Foto: Câmara Municipal de Bauru/Reprodução)
Por Camila Araujo
Edição Bibiana Garrido 

“São os candidatos de fachada, que não tem intenção de concorrer”, comenta o cientista político Bruno Pasquarelli sobre as candidaturas conhecidas como “laranjas”. Desde 1997, existe uma legislação eleitoral que garante que mulheres devem ser pelo menos 30% dos candidatos lançados por um partido. A finalidade, lembra Bruno, é promover a inserção de mulheres na política. Muitos partidos acabam burlando o que está previsto no artigo 10, parágrafo 3º, da Lei das Eleições.

O mecanismo, embora já esteja valendo desde as eleições passadas, nem sempre são colocados em prática. “Muitos partidos acabam utilizando o dinheiro de candidatas mulheres”.

Um estudo publicado esse ano avalia que foram ao menos 5 mil candidaturas laranjas de mulheres no país – o que equivale a 3% das cerca de 170 mil que estavam candidatas para que seus partidos cumprissem as cotas de gênero.

Reflexo deste cenário, em Bauru tivemos candidatas que receberam de zero a três votos, sendo que as mulheres foram as menos votadas nas siglas. Foram eleitas três vereadoras, entre elas, duas por reeleição.

Nos números, nada mudou: a última legislatura, 2017 a 2020, também foi composta com três mulheres vereadoras. É uma realidade que se repete a nível nacional: 0,77% dos municípios brasileiros terão Câmaras Municipais com maioria de mulheres em 2021.

As menos votadas (e os partidos que não cumpriram a cota)

Conforme o desempenho eleitoral dos partidos na cidade, temos o seguinte panorama: as siglas de partidos podem variar, mas as mulheres continuam sendo as menos votadas entre os quadros.

No PRTB, os onze mais votados são homens. Entre as seis candidaturas menos votadas, cinco são mulheres.

No PSL, os oito primeiros mais votados da lista são homens. As quatro candidaturas menos votadas, por outro lado, são femininas, sendo uma delas com sete votos.

Nos partidos PDT, Patriota, MDB, Cidadania, as sete candidaturas mais votadas são homens. Esse número se repete no PROS, que além disso, não cumpriu a cota feminina de 30% entre seus candidatos.

No Republicanos, os cinco mais votados são homens. Por sua vez, a pessoa menos votada é uma mulher, com três votos. No PTB, também são cinco o número das candidaturas masculinas que atingiram os mais votados nas eleições. Já entre as menos votadas, são duas mulheres: uma com zero votos, e a outra com um. Ambas estão na lista de suplentes.

No PV, os quatro mais votados são homens. No PL, os três mais votados são homens. E os dois menos votados, mulheres.

No PSD, as duas candidaturas menos votadas são mulheres. No PSDB, a menos votada é uma mulher, com um voto. No Podemos, o mesmo se repete: a menos votado é uma mulher. Dessa vez, no entanto, com quatro votos.

No PSC, as quatro candidaturas menos votadas são mulheres.

Três candidaturas femininas lançadas pelo PROS foram indeferidas, de modo que, na corrida eleitoral, a sigla não contava com os 30% de mulheres entre as candidaturas. O PSDB e o Republicanos também ficaram devendo. 

Para realizar esta checagem, a reportagem considerou a porcentagem de mulheres registradas nas eleições por partido em relação ao número total de candidatos. 
 
Repasse dos diretórios

As candidatas das siglas PSL e PRTB não receberam nenhum tipo de doação, nem de pessoas físicas ou de campanhas de financiamento coletivo. No site do TSE, não há o registro de sites das candidatas, onde seria possível conferir se elas fizeram campanha ou não.

O PDT, através do então candidato a prefeito Gerson Pinheiro, destinou um total de R$1.793,25 para as candidatas mulheres. Entre as despesas mais frequentes nas prestações de conta estão a publicidade por adesivo.

No Patriota, algo parecido aconteceu: foram R$9.371,00 no total destinados entre as oito candidatas à vereança. As doações foram feitas também pela pessoa física da candidata à prefeitura, Suellen Rosin, e a totalidade das despesas, de acordo com os extratos publicados no TSE, foram destinadas à publicidade por adesivo. Não há nenhum registro de fornecedores dos serviços.

No MDB, foi destinado o montante de R$30.636,4 a mulheres, a partir das direções estadual e municipal do partido. Das sete candidatas no pleito, cinco receberam a verba e duas não receberam nenhum tipo de doação. Quatro candidatas declararam gastos com jingles, e apenas um vídeo de jingle de campanha foi encontrado, da candidata Catini.

No Cidadania, das sete candidatas mulheres, três não receberam nenhum valor em doação. Duas receberam doações de pessoas físicas, e uma recebeu doação do partido – Professora Lourdes Martinelli recebeu R$2.250 da direção nacional de seu partido.

O Republicanos destinou a quantia de R$127.981,68 para candidaturas femininas, dentre as quais, três receberam R$40.000 da direção nacional. O segundo candidato mais votado do partido, Ricardo Kbello, recebeu menos de R$3 mil da pessoa física Eduardo Janzon Avallone Nogueira, que saiu candidato a prefeito.

No PTB, as duas candidaturas menos votadas são mulheres que receberam da direção municipal do partido R$70,00 cada. O total destinado para as quatro candidaturas femininas pela sigla foi de R$1.046.

No PV, as candidatas mulheres receberam R$15.191,17 da sigla. No PL, cada uma das seis candidatas receberam R$6.100 da direção nacional do partido. Duas delas foram as menos votadas do partido.

No PSD, nenhuma candidata mulher recebeu verba do partido e nem qualquer outro tipo de doação. No Podemos e no DEM, também não houve repasse das siglas. No PSDB, a vereadora e candidata à reeleição Yasmin recebeu R$31.647,9 da sigla. Não se reelegeu. As outras candidatas não receberam repasse de verba do partido.

No Solidariedade, cada candidata recebeu R$2.500 do partido. No Avante, o valor foi de R$280,82.

O PP destinou R$25.000 de sua verba para candidatas mulheres.

No PT, das cinco candidatas mulheres, quatro receberam R$6.537,75 cada. Três delas receberam também, através do candidato a prefeito pela sigla, pouco mais de R$900.

“Virei motivo de chacota”

O J2 entrou em contato com candidatas que receberam poucos votos nessas eleições. Uma candidata do PRTB, que recebeu um voto, disse que havia renunciado à disputa antes da votação no domingo, dia 15. “O TSE não atualizou a renúncia e virei motivo de chacota entre as pessoas”, desabafa.

Segundo ela, a renúncia foi feita no dia 22 de outubro. Os motivos para essa decisão são pessoais. “Antes de querer cuidar de uma cidade, preciso cuidar de mim. Estar bem para desenvolver esse papel importante”.

A candidata também aparece como negra no registro de raça do TSE. De acordo com ela, pode ter ocorrido erro de digitação “respeito e educação não tem cor, mas sou da cor branca”, diz.

As outras candidatas contatadas ainda não responderam à reportagem. 

Coeficiente eleitoral

No processo eleitoral brasileiro são utilizados dois sistemas para eleger candidatos: o majoritário e o proporcional. O primeiro é para o cargo da prefeitura, que representa o poder executivo a nível municipal. Vence a chapa que receber a maior quantidade de votos válidos – ou seja, todos os votos da eleição menos os brancos e nulos.

Vale lembrar que apenas em cidades com mais de 200.000 eleitores aptos para o voto existe segundo turno. O segundo, no caso, o poder legislativo no município, que é para a vereança, a eleição dos candidatos ocorre a partir do cálculo do coeficiente eleitoral (C.E.).

O C.E. representa a divisão do número total de votos pelo número de cadeiras de vereadores na Câmara Municipal de determinada cidade. Por esse motivo é proporcional: a eleição dos candidatos de um partido vai depender diretamente do quantidade de votos que o partido recebeu. Quanto mais votos o partido recebe, mais chances os vereadores têm de assumir uma vaga na Câmara.

No caso de Bauru, são 17 vereadores na Câmara Municipal. Esse ano, foram 157.580 votos válidos na eleição proporcional, de tal modo que o coeficiente eleitoral foi de 9.269.

O coeficiente eleitoral determina quantas cadeiras cada sigla pode ter na câmara. Nas eleições passadas, esse número foi 9,833 (Arte: Camila Araujo/Jornal Dois)

Os partidos que atingiram o coeficiente eleitoral em Bauru no pleito deste ano foram Cidadania, MDB, PP, PSL, DEM, REPUBLICANOS, PDT. Cada um desses sete partidos atingiu um número de votos suficiente para eleger apenas um vereador. De tal modo que as dez vagas restantes na vereança puderam ser distribuídas a partir do cálculo das sobras. Esta consiste na divisão do número de votos válidos de cada partido pelo coeficiente eleitoral mais 1.

Aqueles que atingem a maior média vão sendo distribuídos entre as vagas restantes. Mas, é preciso que o candidato mais votado do partido tenha atingido pelo menos 10% do coeficiente eleitoral – ou seja, pelo menos 927 votos.

A cláusula de barreira

Por conta desse cálculo, é possível que um candidato de determinado partido atinja um número expressivo na votação, mas não consiga se eleger. Enquanto um candidato com menos votos, em um partido que atingiu o coeficiente, assume a vaga titular ou suplente.

Em Bauru o Cabo Heleninho (PL) recebeu 1.480 votos e não foi eleito. Beto Móveis (Cidadania), por sua vez, com 1.410 votos emplacou um cargo no legislativo.

Outros candidatos que não se elegeram e receberam mais de mil votos foram: Natalino da Silva (PV) com 1406 votos; Julio Cesar (PP) com 1350 votos; Lucas Faccin Basso (PSB) com 1294 votos, Zezinho do Gás (PRTB) com 1238 votos; Tete Oliveira (PSOL) 1148 votos; e Cirineu Fedriz (PV) com 1022 votos.

Candidatos com mais de mil votos não se elegem, enquanto candidatos com 0 e 1 voto se elegem suplente (Foto: TSE/Reprodução)

Bruno Pasquarelli avalia que a vantagem desse tipo de sistema é possibilitar uma maior liberdade ao eleitor, que pode escolher qualquer candidato, e não uma lista fechada, por exemplo. O vereador precisa criar vínculo com sua base de apoio, algo que pode acabar “preservando a capacidade de minorias serem representadas”.

Há um porém para esse sistema: a disputa por mais votos acaba ocorrendo dentro do próprio partido, lembra o cientista.

Por um lado, o coeficiente eleitoral propicia a ideia de que os partidos são mais importantes do que as candidaturas individuais. Por outro, pode gerar um incentivo para campanhas cada vez mais personalizadas.

Votos de legenda

Os partidos que obtiveram as maiores quantidades de votos na legenda, ou seja, aqueles votos que não foram direcionados a nenhum candidato em específico são DEM (2495), PATRIOTA (1948), PT (1079) e PSDB (1066).

Vale lembrar que em 2017, houve uma modificação na legislação eleitoral a partir da Emenda Constitucional 97, encerrando a possibilidade de formar coligações nas disputas proporcionais – vereadores, deputados e senadores. Desse modo, os partidos não podem mais se juntar, nas eleições para esses cargos, com o objetivo de atingir o C.E.

Foi isso que acarretou no aumento das candidaturas para prefeito na cidade de Bauru. O número recorde de 14 nomes para a Prefeitura Municipal era uma tentativa, de cada partido e coligação majoritária, para puxar votos aos seus candidatos.

Mais votos, sem vagas

O cálculo do coeficiente eleitoral ainda gera dúvidas e, por vezes, comoção quando um candidato bem votado perde a vaga para um candidato com votação pouco expressiva.

Partidos menores que estão chegando com mais força ao pleito eleitoral, na avaliação de Bruno, devem adotar algumas estratégias para se sobressair na votação. De acordo com o cientista político, os pequenos acabam se prejudicando com o cálculo, dependendo do contexto e da cidade, e a melhor estratégia seria então a “fusão entre os partidos com ideologias e programas semelhantes”.

“Os partidos precisam ter mais vínculo e penetração na sociedade”, diz. Para Bruno, essas características estão em falta: “a sociedade muitas vezes tem um sentimento de repulsa aos partidos políticos”.

“Os partidos precisam ter mais vínculo e penetração na sociedade”

“Temos uma sociedade brasileira muito conservadora, que tem dado preferência a partidos de centro-direita, direita e até extrema direita por isso acabam se beneficiando mais do C.E.”, analisa.

Essa preferência pode explicar o cenário em Bauru e em outras cidades do interior de São Paulo, que elegeram prefeitos da base bolsonarista. Um candidato do DEM, eleito a suplente nessas eleições, é ligado a grupos nazifascistas. A reportagem entrou em contato com o partido e aguarda um posicionamento.

Os sistemas eleitorais

No Brasil, são dois sistemas eleitorais utilizados: um para o Executivo, outro para o Legislativo.

Nas eleições para o Executivo, prefeito ou prefeita, governador ou governadora e presidente ou presidenta, o sistema adotado é majoritário: leva o candidato ou candidata que receber a maioria dos votos.

No caso das eleições municipais, o segundo turno acontece em locais com mais de 200 mil eleitores, em que o prefeito ou prefeita não recebeu a maioria absoluta dos votos – 50% mais um. Para as eleições gerais, em que se escolhe governo e presidência, a regra da maioria absoluta também se aplica para que ocorra a eleição em dois turnos.

Existe em sistemas majoritários a possibilidade do voto alternativo, em que o eleitor vota em mais de um candidato, construindo uma ordem de importância.

Já no sistema proporcional, que é utilizado para a eleição no Legislativo, de vereadores e vereadoras, deputados e deputadas estaduais e federais, existem alguns modelos que podem ser adotados, como o voto único transferível – que o eleitor vota em vários candidatos e constrói uma lista com uma ordem de importância – ou o voto em listas.

O sistema de voto em listas pode ser aberto ou fechado. Quando é fechado, o eleitor vota em uma lista de candidatos de um mesmo partido, sem expressar preferência a algum em específico. O sistema em lista aberta é o modelo utilizado no país.

Para o cientista político Bruno Pasquarelli, seria preciso pensar modelos mais baratos, com teto de campanhas, com viés menos mercadológicos e pensados no debate: “é necessário ter a ênfase em campanhas que visam o debate público.”

Sobre o sistema proporcional, sob o mecanismo do coeficiente eleitoral, ele acredita que é necessário melhorá-lo e torná-lo “mais democrático, mais inclusivo, e com mais qualidade”.

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