Por Lorenzo Santiago
São 76 times. Contando todas as quebradas que jogam os campeonatos amadores em Bauru, são 76 equipes que fazem a bola rolar nos finais de semana, mobilizando as comunidades para assistir aos jogos. Mas em 2018, os campeonatos terão de ser remontados e isso tem gerado muita dúvida principalmente para quem joga a competição.
O Cenário
O Futebol Amador em Bauru tem quatro campeonatos. Dois deles são organizados pela Secretaria Municipal de Esporte e Lazer, Semel. Os outros dois pela Liga Bauruense de Futebol Amador. Todos estes campeonatos ocorrem em sete campos distribuídos na cidade.
A Secretaria organiza a Copa Semel, jogadores de qualquer idade, e a Goldens Master, jogadores acima de 40 anos. Esses campeonatos são custeados e mantidos pelo órgão municipal. Neste ano serão 17 equipes na Copa Semel e 14 na Golden Master. Na Copa, os dois últimos colocados não podem disputar o ano seguinte, dando espaço para outros dois times se inscreverem e jogarem. Na Golden Masters o time que se inscreve, joga. Estes campeonatos existem há oito anos.
Já a Liga Bauruense organiza a Primeira e Segunda Divisão do Futebol Amador. São campeonatos vinculados: os quatro últimos colocados da primeira divisão, caem de divisão, dando lugar para os quatro primeiros da segundona. E funciona assim: a Liga organiza os campeonatos e os times pagam a taxa de 500 reais para se inscrever, mais 200 reais por jogo para a arbitragem. A primeira divisão da Liga Amadora acontece desde 1931. 87 anos atrás.
O dinheiro que gira em todos os campeonatos não é pequeno. Para a Liga se manter são estimados 60 mil reais por ano. A Copa Semel também projeta esse investimento. E as finanças não param por aí. Para ir a um jogo os times bancam, além da arbitragem, um ônibus para levar a torcida que custa entre 100 e 300 reais dependendo da distância. O futebol amador é um ecossistema financeiro e, principalmente, social. O deslocamento de pessoas nos finais de semana que tem jogo em Bauru é muito grande. Só na Liga Bauruense são 40 times. 1200 atletas. Mais dirigentes, torcedores e vendedores ambulantes. Toda essa movimentação demonstra o lazer da periferia bauruense.
Em 2018, a SEMEL decretou que todos campeonatos amadores de Bauru terão de ser enxugados para 27 rodadas, pelos motivos a seguir.
Campos
Luiz Faustini é Secretário Municipal de Esportes e Lazer. Para ele, diversos motivos levaram à redução do campeonato. O primeiro deles, é o número de campos de futebol que Bauru tem.
“Bauru tem uma quantidade de campos reduzida. São 40 anos com os mesmos sete campos. Na década de 80, 90 eram praticamente 16 times que disputavam o amador, então era muito mais fácil de organizar. Hoje nós temos a Liga Amadora com 40 times, e a Copa Semel com 20 equipes no principal e 16 equipes no master. Hoje nós não temos condições de fazer esses campeonatos com os poucos campos que temos. O prefeito tem a ideia de construir mais um campo, mas a prefeitura não tem condições. O que a gente consegue é enxugar o campeonato”.
Os sete campos utilizados para os campeonatos são Distritais, ou seja, da Prefeitura. Não se paga para jogar nestes estádios. A manutenção e as horas extras dos funcionários são os gastos que a Semel tem com os campos. Luiz justifica que a qualidade dos campos fica prejudicada com o grande número de jogos ao longo do ano. “O campeonato esse ano eu estipulei 27 rodadas pensando também na condição dos gramados. Pra jogar com qualidade precisa de tempo para o gramado se recuperar. Nós não podemos jogar em dia de chuva, o que não foi cumprido ano passado. Se você joga na chuva você destrói um campo. Eu vou pedir pros clubes, (em dias sem chuva) para os jogadores jogarem de tênis Society. Isso mantém melhor o gramado do que se os jogadores forem de chuteira (com cravo alto)”
Vicente Silvestre é presidente da Liga Bauruenses de Futebol Amador. Para ele, a manutenção dos campos sempre é prometida pela SEMEL e nunca é cumprida. “ Ele falou isso mais de uma vez. Nós liberamos (deixamos de usar) dois campos no começo de Outubro para que a Semel pudesse reformar, e não mexeram em nada”. Os campos referidos pelo presidente da Liga são os estádios Toninho Guerreiro, no Núcleo Mary Dota e José Spetic Filho, na Vila Dutra.
A página Futebol Bauru esteve nos campos e apurou que eles não passaram pela manutenção prometida.
Vicente também ressaltou que as chuvas com pouca ou média incidência de água não podem atrapalhar o campeonato por conta dos gastos que os times tem para se deslocar até um estádio: “Se choviscar não pode ter jogo? Para! Se for uma tromba d’água aí eu defino que não dá pra jogar. Até pelo perigo que tem. Mas como fica com as pessoas que gastaram com ônibus pra levar o time e a torcida?”.
A situação dos campos de futebol de Bauru é complexa. A dificuldade da prefeitura em construir ou reformar os estádios vem acompanhado do grande uso deles. Entre janeiro e abril, os distritais ficam quase sem serem usados e durante esse período podem acontecer as reformas.
No momento, a saída encontrada pelo secretário é a reforma do Estádio Horácio Alves da Cunha, no Jardim Bela Vista, e ajustes no Estádio Prefeito Edmundo Coube, no Jardim Araruna. No primeiro a reforma pretendida é estrutural e depende só da aprovação do departamento de Finanças para começar. No segundo a pretensão é levar um engenheiro para pensar estratégias de reduzir os buracos nos gramados. Essa ação, segundo o secretário, começará no Edmundo Coube ainda este mês e vai se estender para todos os estádios de Bauru. Com a reforma do Horácio Alves da Cunha, o estádio ficará indisponível no ano de 2018. Para isso, o secretário afirmou que irá buscar verba estadual e federal.
Uma das coisas que estarão em pauta nas reformas dos estádios é a divisão das torcidas. A separação das torcidas foi um pedido da Polícia Militar para o secretário, segundo Faustini. Essa medida, segundo ele, será adotada a partir da reforma no Horácio, e vai se estender para o Edmundo Coube na sequência. Esse, pelo menos, é o desejo do secretário que enxerga no distrital do Jardim Araruna, “um dos melhores campos, passível de receber até as finais”.
Ainda segundo Faustini, para que o campo tenha perfeitas condições de receber três jogos por semana, são necessários 8 mil litros de água por dia para regar o gramado. O secretário disse que a Semel não faz uso dessa água para regar os campos.
Com os sete estádios distritais que a prefeitura tem, ela precisa desenvolver o futebol amador. Luiz Faustini alega que “A Semel não pode fazer aluguel de campo nenhum. O único que nós usamos é o da Quinta da Ranieri, que está na Faculdade Integrada de Bauru. Mas ali é uma doação da familia Ranieri. A Semel não paga nada”.
Financeiro
A situação econômica da Semel é profunda. O corte de gastos é necessário e algo que foi cobrado pelo próprio prefeito Clodoaldo Gazzetta, segundo a Secretaria. Na Copa a prefeitura custeia toda a organização do campeonato. O principal gasto a ser cortado é a taxa de arbitragem. Os árbitros recebem por jogo, e, nas competições organizadas pela Secretaria, eles recebem do poder público.
Na Liga Amadora a situação é outra. O presidente da entidade pontua que as competições são sustentadas pelos árbitros, que recebem 200 reais de cada time. Desse dinheiro, 25% é repassado para a entidade que organiza a primeira e segunda divisão. Apesar da prefeitura alegar que repassa para a Liga a mesma verba que é investida nos campeonatos da Semel, Vicente Silvestre afirma o contrário: “A Liga Bauruense não vive do dinheiro da prefeitura, não vive do dinheiro do Estado, Federação e União”.
Com o prognóstico de 60 mil reais anuais de gastos, a Liga precisa pagar a sede (aluguel e contas) e o salário dos funcionários. Esse dinheiro vem do campeonato, ou seja, a taxa de inscrição dos times e o repasse dos árbitros, é o que sustenta a manutenção da competição, segundo Vicente.
A Liga é independente, não tem vínculo com a prefeitura. A única associação da entidade é com a Federação Paulista de Futebol, FPF (órgão que gerencia a prática do futebol no Estado de São Paulo), desde 1945. Ano após ano a Liga renova a sua filiação e presta contas à Federação. No documento a Liga é reconhecida como “entidade de utilidade pública”. O presidente da instituição entende a função social da Liga:
“A Liga Bauruense procura fazer um campeonato que se espalhe pela cidade toda. Na segunda divisão a gente tem time de todas as regiões. A periferia de Bauru toda espalhada. A gente leva o esporte pra onde não tem. Ou seja, a gente cumpre um papel que era pra ser feito pela Prefeitura”, diz Vicente.
Apesar de ser autônoma, a Liga Amadora de Futebol Bauruense teve que seguir a imposição de 27 rodadas da Semel para este ano. Isto porque os estádios distritais não serão liberados pela prefeitura caso os campeonatos ultrapassem as 27 rodadas.
“A Liga tem autonomia pra fazer o campeonato dela. A prefeitura tem custos e a gente tem que fazer cortes. A prefeitura disponibiliza campos para 27 rodadas. Eu acho que a Liga deveria se preocupar com seu campeonato. Fazer reduções. Eu acho que um campeonato com 20 equipes é muito grande, não tem necessidade” alega Faustini.
A redução do número de rodadas influi na redução dos gastos com horas extras de funcionários (que trabalham aos finais de semana em dias de jogo). O problema encontrado pelo presidente da entidade que organiza a primeira e segunda divisão do amador está na falta de diálogo: “O secretário veio aqui e não falou nada. Ele não veio com argumento nenhum. Só veio aqui e impôs isso. Diminuiu sem mais nem menos. Não houve nenhuma negociação. Ele só chegou e falou que o campeonato vai ser com 27 rodadas. Ele prometeu que faria uma reunião com a gente em Outubro ou Novembro e não fez nada, só tomou a decisão sem consultar nada e nem falar com a gente”.
Histórico
A diminuição no campeonato é gradativa. Desde 2016 o número de jogos vem caindo exponencialmente. Naquele ano foram 1.086 jogos de futebol amador em Bauru. No ano seguinte, 2017, 664 jogos. A projeção esse ano são de 512 partidas. Com a queda no número de jogos, começa a se notar um movimento dos clubes para não ficar sem jogar. A mobilização em prol do amador é tamanha que, desde que acabou o campeonato de 2017, já começaram a ser jogados amistosos em toda a cidade.
“Ele (secretário) não entende o social do esporte. A Liga Bauruense tem 87 anos de existência pro lazer das pessoas. Tem mais de 30 famílias que sobrevivem vendendo coisas na frente dos campos. O campeonato indo até setembro, essas pessoas vão viver do que? Mais pessoas nas ruas?”, analisa Vicente.
“São times formados por pessoas de baixa renda. São pessoas que vão pro sacrifício porque gostam do futebol, ama o futebol. Agora, em cinco meses acaba o campeonato? As equipes montam os times, se esforçam durante quatro meses pra em cinco meses o campeonato acabar?”, continua o presidente da Liga Amadora.
A prefeitura não considera o grande número de equipes como uma solução para a manifestação cultural, social e esportiva nas periferias, fomentando as economias locais. O que é entendido como primordial para a saúde financeira do poder público é o controle do montante que é repassado para os campeonatos: “A projeção é 112 mil reais para os dois campeonatos neste ano. A prefeitura tem licitação e paga um X de partidas. Eu reduzi aqui, se ele não reduziu lá. O campeonato da Semel com 17 equipes esse ano vai ser mais enxugado, então a gente consegue jogar tranquilo. Infelizmente a Liga Bauruense não pensa assim. 40 times em duas divisões extrapola em número de campos que nós temos.”
Apesar da Semel insistir na redução dos campeonatos da Liga Amadora, Vicente Silvestre afirma que brigará para jogar as 30 rodadas. A prefeitura afirma que não cederá os campos.
“Eu acho que a prefeitura está ajudando a outra liga. A prefeitura está cumprindo o dever dela: dar esporte e lazer para a sociedade. Isso é um dever da SEMEL. A prefeitura tem que fazer o dela, dar o suporte para o amador”, diz o secretário Luiz Faustini.
“Os clubes vem pedir explicação, mas eu não tenho explicação porque o secretário não tem explicação”, conclui Vicente Silvestre.