Novo breque dos apps: entregadores paralisam dia 28 em Bauru
“A gente sabe que é apenas um número”, comenta trabalhador; categoria pede diálogo com plataformas e fim de bloqueios
Publicado em 26 de fevereiro de 2021
Por Camila Araujo
Edição Bibiana Garrido
Entregadores e motoboys por aplicativo paralisam as atividades em Bauru neste domingo, dia 28 de fevereiro. Na data marcada, a categoria informa que irá ‘deslogar’ os celulares das plataformas digitais, entre 11h e 14h, em protesto por melhores condições de trabalho no iFood. Segundo a organização, espera-se que mais de 200 trabalhadores participem do breque. Os motociclistas sairão em ato pelas ruas da cidade, da Praça Portugal, no Jardim Estoril, até a Praça da Paz, no Jardim Panorama. O trajeto passará pela Avenida Getúlio Vargas e a Avenida Nações Unidas.
Os entregadores afirmam que a paralisação poderá se estender até as 18h de domingo – por enquanto, o horário de almoço é o foco da mobilização.
Com o breque, a categoria pretende chamar atenção para três reivindicações: que o iFood dê um código para os motociclistas, confirmando a entrega realizada; que os trabalhadores bloqueados sejam reintegrados à plataforma; e que o aplicativo crie um canal de comunicação direta com os entregadores.
V. participará no domingo, e diz que o iFood é o aplicativo de maior alcance na cidade: “É o que mais gera entregas e tem taxa mínima de R$ 5 pra rodar”. O entregador opina que o Rappi é “quase inexistente” e que o UberEats é um “sobrevivente” em Bauru. Ele avalia que esses dois aplicativos apresentam número baixo de chamadas em relação ao concorrente. Segundo V., o breque no domingo será em todas as plataformas.
Revolta
No domingo passado, 21, um grupo de motoboys quebrou o portão da garagem de uma casa em Bauru. O morador do local estaria aplicando golpes por aplicativos de delivery. “Ele fazia o pedido, recebia o produto e dizia pro iFood que não recebeu”, afirmou ao Jornal Dois entregador presente na ação.
“Pede cerveja, comida e outras coisas. Aí espera passar da meia-noite e diz no aplicativo que o pedido não foi entregue. Eu mesmo já levei sanduíche lá e depois recebi a notificação do app”, comentou outro entregador.
A situação, de acordo com J., se repetiu diversas vezes com o mesmo cliente. Por conta disso, vários entregadores foram bloqueados pelo iFood. “De repente você é banido sem fazer absolutamente nada”, desabafa. O motociclista avaliou que o dano ao portão “não era o certo a se fazer”, e comenta que se sentiu envergonhado depois. “A situação chegou num jeito que acabamos nos precipitando. A gente perdeu a cabeça e fez aquilo, mas foi errado”, resume ao J2.
Para J., o problema é que “o aplicativo dá um poder muito grande pro cliente alegar que não entregamos o pedido”. Sem chance de contestar as reclamações dos usuários dos aplicativos, sendo essas verdadeiras ou não, os entregadores acabam sendo bloqueados e impedidos de trabalhar. “É injusto. É como se a plataforma tivesse te acusando de roubo, de ser criminoso”, reclama. E questiona: “Os funcionários não poderiam ligar dois minutos pra gente? Pra gente poder se explicar?”.
“A gente sabe que os motoqueiros são apenas números, porque todo dia tem gente fazendo 18 anos e tirando carta. Mas, poxa vida, a gente trabalha debaixo de sol e chuva, somos pais de família. [Com os bloqueios], perdemos o direito de trabalhar e de trazer
um sustento para casa.”
O fato não é isolado. Entregadores contam ao Jornal Dois que diversos seus colegas estão sendo bloqueados pela plataforma em situações parecidas.
Cabeleireiro desde os 15, V. hoje tem 25 e trabalha há um ano e meio fazendo entregas. Começou no bico em uma pizzaria, para incrementar a renda, e foi contratado pelo estabelecimento. Quando veio a pandemia, o salão onde ele trabalhava, em horário comercial, fechou. “Nesse momento, eu entrei no aplicativo pra buscar uma alternativa”. Passou a dedicar os dias e as noites às entregas, dentro e fora do iFood.
Foram oito meses trabalhando para a plataforma até ser bloqueado. “Sem aviso ou justificativa”, reclama.
Breque dos apps
Bauru teve a primeira paralisação dos entregadores de aplicativo em 1º de julho de 2020. Na época, o país era tomado pelo breque dos apps. Nesse cenário mais amplo, as demandas dos motoboys e entregadores envolviam: aumento nas taxas de entrega, aumento da taxa mínima, fim dos bloqueios indevidos, seguro para roubos e acidentes, licenças pagas para entregadores infectados na pandemia e distribuição de EPIs.
O movimento teve início dez dias depois que a Organização Mundial da Saúde declarou que o mundo vivia uma pandemia. Era 21 de março quando um entregador de São Paulo, Paulo ‘Galo’ Lima, teve que interromper uma entrega porque o pneu de sua moto estava furado. Entrou em contato com a plataforma para explicar a situação e saber como agir. Queria uma opção para evitar o bloqueio que tiraria sua fonte de renda.
O iFood, segundo relato do entregador, respondeu que ele deveria cancelar o pedido e garantiu que seu perfil não seria bloqueado. Não foi o que ocorreu. Galo seguiu as orientações do aplicativo e foi bloqueado mesmo assim. Resolveu que seria o momento de expor o fato nos noticiários. Se dirigiu à sede da Rede Globo em São Paulo, onde conta que não foi recebido. Publicou seu depoimento nas redes sociais, o que repercutiu e criou um sentimento de identificação entre a categoria dos entregadores.
Foi o combustível para que a mobilização em torno do breque dos apps começasse. No ano passado, o movimento dividiu opiniões em Bauru. Giovani, entregador de 32 anos, opinou, em entrevista ao Jornal Dois, que no interior não valia a pena paralisar. “Pode ser que lá em São Paulo as distâncias e os lugares sejam diferentes, pode ser que para lá seja válido. Na cidade do interior, funciona diferente”.
O entregador J. comentou que não era a favor do breque naquele momento: “eu acreditava que motorista de aplicativo não deveria ter mesmos direitos que um trabalhador CLT. E nem vai: ele trabalha quando e como ele quer”. V., por outro lado, já simpatizava com a paralisação em 2020. “Infelizmente, chegou só pelo ouvido e as palavras foram jogadas ao vento”. Na época, se perguntava: “Quais eram os motivos? Como ia acontecer?”.
Em 2021, o cenário se intensificou e V. é agora um dos que ajudam a organizar o breque neste domingo. “Eu estou junto com a rapaziada porque também faço parte dessa categoria”.
Se VC achar errado uma revolta que quebra o carro precisa entender que um bloqueio faz passar fome https://t.co/zJ7DvqwCg1
— Galo Nação dos Trabalhadores (@galodeluta) February 25, 2021
Mesmo trabalho, diferentes demandas
Na linha de frente das atividades essenciais de alimentação e entregas de serviços, os motoboys fazem parte do grupo de trabalhadores que não pararam em nenhum momento desde o início da pandemia. Sejam vinculados a aplicativos de entrega ou contratados por estabelecimentos e lojas.
Quem trabalha direto com comerciantes começou a se organizar em janeiro de 2021. A primeira assembleia dos motoboys e entregadores, contratados e freelancers, ocorreu no dia 23. Entre as demandas do grupo estão o repasse integral do valor da entrega pago pelo cliente do estabelecimento, taxa mínima de R$ 50 por dia de trabalho, R$ 3 por deslocamentos de até 2 km, e R$ 3 a cada 2 km percorridos nas entregas.
Organização
“A galera tá bem entusiasmada”, comenta V sobre a paralisação dos entregadores de apps no domingo. Os organizadores entraram em contato com a Prefeitura de Bauru e com a Polícia Militar para informar sobre o evento. “A PM vai dar um respaldo e acompanhar, pra ninguém falar que foi feito de qualquer maneira”.
Segundo J., entregadores e motoboys querem fazer uma manifestação pacífica e organizada. “Queremos mostrar o outro lado da moeda”, afirma. E lamenta: “A classe de motoboy é absurdamente criminalizada”.
O que diz o iFood
Em resposta ao J2, a empresa iFood afirmou que “está testando uma funcionalidade de Código na Entrega, que ajudará o entregador a se certificar de que o pedido será entregue ao destinatário correto, prevenindo extravios”. Segundo a nota enviada à reportagem, “em alguns casos, o cliente irá receber notificações no aplicativo com o pedido do código no ato da entrega. Para os consumidores, o código também funcionará como uma forma de conferir a identidade do entregador”.
O Jornal Dois solicitou ao iFood o número de entregadores cadastrados no aplicativo em Bauru, bem como a quantidade de trabalhadores excluídos e/ou bloqueados da plataforma. A empresa negou acesso às informações: “O iFood não abre números regionais”.
A Prefeitura de Bauru afirmou à reportagem que não comentará o “eventual protesto, justamente pelo assunto não ser da esfera municipal”.