“Não, senhor!”: representantes da educação rejeitam projeto de escola cívico-militar em Bauru

Audiência pública sobre implantação de escolas cívico-militares foi marcada por críticas ao Executivo, ausência da prefeita Suéllen Rosim, e interrupção de fala dos oradores; discussão teve lotação máxima da sala virtual de transmissão; anúncio da adesão ao modelo de ensino foi feito no dia 15 de fevereiro e secretária da Educação não tem conclusões sobre o projeto

Publicado em 14 de maio de 2021

17 entidades representativas estiveram presentes e se manifestaram contrárias ao projeto (Foto: Reprodução)
Por Camila Araujo

Bauru supostamente já começou a preparar o terreno para a implantação do modelo de escola cívico-militar na cidade.

A informação teria partido de dentro da secretaria de Educação e aponta que a pasta iniciou consultas nas escolas visando dar início ao projeto. Um funcionário da prefeitura até já estaria fazendo um curso para a promoção da plataforma.

A suspeita foi levantada por Estela Almagro (PT), vereadora, em audiência pública convocada por ela e organizada pela Câmara Municipal na quinta-feira (13) para discutir a adesão de Bauru ao modelo de ensino cívico-militar. Na ocasião, Ana Maria Baraviera, membro do Conselho do Município e diretora da Escola Municipal Santa Maria, no bairro Vila Nova Santa Luzia, endossou o cenário.

Segundo a servidora, a informação de que o Executivo municipal já estaria se movimentando para implantar o modelo chegou até ela por meio de “uma pessoa de dentro da secretaria da Educação”.

O projeto é uma iniciativa do governo Jair Bolsonaro (sem partido). O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares é uma parceria do Ministério da Educação com o Ministério da Defesa. O modelo traz mudanças nas áreas educacional, didático-pedagógica e administrativa das escolas.
A proposta é implantar 216 escolas Cívico-Militares em todo o país, até 2023, num ritmo de 54 por ano. Poderão participar da iniciativa militares da reserva das Forças Armadas, policiais e bombeiros militares.

Em 15 de fevereiro, a prefeita Suéllen Rosim (Patriota) anunciou que Bauru participará do projeto de implementação das escolas cívico-militares. Ao lado de Milton Ribeiro, ministro da Educação, e Marcos Pontes, ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, que estiveram na cidade, Suéllen informou que o município seria contemplado com a criação de uma escola cívico-militar, a partir do programa do Governo Federal.

Suéllen Rosim (Patriota), posa ao lado dos ministros Milton Ribeiro e Marcos Pontes, e da Secretária de Educação municipal, Maria do Carmo Kobayashi (Fotos: Thayna Polin/Prefeitura de Bauru)
Sem diálogo

Na abertura da audiência, Almagro, que presidiu a mesa, afirmou que não houve consulta à comunidade escolar ou ao Conselho Municipal da Educação sobre o assunto.

“Um tema dessa envergadura não pode ser implementado sem o envolvimento de atores interessados, através de fóruns permanentes e conferências municipais”, afirmou a vereadora, vestida com uma camisa da Apeoesp, o sindicato dos professores da rede estadual de ensino.

Ela disse ainda que o Conselho Municipal não pode ser ignorado, uma vez que o instrumento é responsável por auxiliar na formulação e implementação de políticas públicas na sociedade.

Convocada, Suéllen Rosim não compareceu à audiência e justificou ausência por meio ofício. Segundo Estela, é o quarto documento desse tipo que ela recebe da prefeita.

Presente na audiência, Maria do Carmo Kobayashi, secretária da Educação, disse que estava lá só para ouvir e que não tem conclusões sobre o assunto. “Meu papel é montar o cenário para que se faça o debate”, declarou.

“Como pode a secretária não ter opinião sobre o assunto se a secretaria já está dialogando com outras pastas sobre a implementação da escola?”, indagou Estela. Kobayashi respondeu que não houve diálogo com as secretarias, mas há a intenção de uma consulta.

Modelo militar

A diretora Ana Maria Baraviera defendeu que o currículo escolar local já prevê que a ou o aluno seja um cidadão crítico e que não há problemas graves de indisciplina na cidade que justificaria a adoção do novo sistema.

Uma carta de repúdio da categoria foi lida por Baraviera, em que consta que os diretores não foram “minimamente” consultados da decisão. O documento define a atitude como uma ruptura com a forma com que as ações eram tomadas antes no âmbito escolar da cidade.

“A postura adotada nos causa surpresa e indignação uma vez que ao longo de sua campanha eleitoral, a prefeita garantiu a manutenção do legado cumprido até o momento e o respeito aos servidores da Educação”, diz trecho da carta.

Baraviera foi interrompida no meio de sua fala, quando um espectador afirmou que o discurso estava muito grande. A interrupção foi rebatida por uma outra espectadora: “é esse o modelo militar das escolas”.

Na sequência, ocorreu uma discussão envolvendo o vereador Coronel Meira (PSL): “Eu sou militar e tenho orgulho de ser militar”, exclamou o ex-comandante geral da Polícia Militar de São Paulo.

Deputados presentes

Tenente Coimbra (PSL), deputado estadual e presidente da Frente Parlamentar pela implementação das escolas cívico-militares do Estado de São Paulo, esteve presente de forma presencial na Câmara. Em sua fala no início, o deputado reclamou que no começo da audiência não havia sido perguntado nada de forma “objetiva” e, segundo ele, apenas promoção de “suposições” e “palanque político”.

O argumento foi endossado por Marcelo Afonso (Patriota), vereador representante do Executivo na Câmara. 

O deputado Coimbra informou que o programa está sendo implementado em nove cidades do estado no momento. Afirmou que o modelo tem bons resultados, como melhores notas na avaliação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), indicador que mede a qualidade do ensino.

As escolas civis militarizadas têm nota 7 para alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental, enquanto a média nacional das escolas públicas fica em 4,9 para a mesma etapa de ensino. Uma escola militar recebe recursos do Ministério da Educação e do Ministério da Defesa, além de um maior investimento com infraestrutura, compra de material escolar, reformas, além de outras intervenções, do que uma escola pública regular.

Contrários ao modelo defendem que esses recursos deveriam ser investidos em melhorias de infraestrutura de escolas regulares.

Tenente Coimbra (PSL)é deputado estadual na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e esteve presente de forma presencial na Câmara (Foto: Reprodução)

Professora Bebel (PT), deputada estadual e presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Estadual de São Paulo (Apeoesp), afirmou que o Projeto Político Pedagógico do modelo cívico-militar não é levado em conta na discussão.

Ela acredita que haverá diminuição da capacidade de autocrítica e interferência na formação das identidades dos estudantes, uma vez que esse tipo de escola avalia, com notas, o comportamento.

“Quem for mal avaliado e não chegar no topo, cai fora”, aponta. Para a deputada, o modelo remonta à ditadura militar, “em que as escolas tinham esse papel de formatar o conhecimento”.

“A população quer fortalecimento da escola pública, da forma como está, mas com qualidade de ensino e professores bem remunerados”, disse. A deputada pontuou que transformar escolas civis em militares “na marra” seria uma ditadura. E que “caso minha filha queira ser militar, já existem escolas militares para isso”.

Professora Bebel (PT) é deputada estadual na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e participou da reunião de forma virtual como convidada (Foto: Reprodução)

Carlos Giannazi (PSOL), deputado estadual e professor, também participou e defendeu que o projeto de ensino cívico-militar apresentado pelo governo Jair Bolsonaro é “altamente autoritário, excludente, obscurantista, que quer marginalizar a periferia” além de desviar “todo o foco das conquistas históricas” da categoria e da luta em defesa da escola pública, laica e de qualidade. Para ele, trata-se de um projeto de escola “doutrinadora” e “com partido”.

“Que gestão de excelência militar seria essa?”, indagou sobre a justificativa utilizada por defensores do modelo de ensino. “Olha o Pazuello, Bolsonaro, e a quantidade de militares no governo… olha o desastre que está o país com mais de 430 mil vidas perdidas”. O país atingiu a posição de 2º com mais mortos e 11º na proporção de mortes por milhão de habitantes.

“A educação brasileira tem que preparar o aluno com pleno desenvolvimento da cidadania e desenvolver o senso crítico. Tenho certeza que esse não será o projeto pedagógico no modelo”, afirmou. Para ele, aceitar esse tipo de intervenção seria atestar a incapacidade de um diretor ou diretora em dirigir a escola.

Carlos Giannazi (PSOL) é deputado estadual da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e participou da reunião como convidado de forma virtual (Foto: Reprodução)

O Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Bauru (Sinserm) também é contrário à implementação do modelo.

“Me decepciona e me surpreende o posicionamento da secretaria da Educação. Com a decisão já tomada pela prefeita, Maria do Carmo Kobayashi vem dizer publicamente que desconhece o projeto”, pontua o advogado. “Assim como a Prefeitura de Bauru se tornou mero cartório do governo Bolsonaro, a Secretaria da Educação se tornou mero cartório do Palácio das Cerejeiras”.

Manifestações

“Ninguém nasce sabendo ser democrático, a gente aprende. A função da escola é também ensinar sobre a democracia”, defendeu Marília Alves. Representando o Conselho Regional de Psicologia, ela pontuou que o argumento de que alunos são violentos e por isso é preciso implantar esse modelo de ensino é uma contradição.

“E a violência de um Estado que não garante políticas públicas, segurança familiar, alimentar, e vacina para a população?”, indagou.

A fala de Marília foi interrompida.

Marcos Chagas, professor e dirigente da Apeoesp de Bauru, igualmente interrompido em sua fala, pediu que a contribuição dos militares com a educação acontecesse por meio do controle de armas e drogas nas estradas e fronteiras do país. “Não sabe nem fechar o microfone e ouvir, e quer falar de disciplina?”, indagou o sindicalista.

O Sindicato de Supervisores de Ensino de SP (Apase), representado por Maria José dos Santos, o Conselho Municipal de Direitos Humanos, por meio de Katia Souza, o Sindicato dos Professores da Unesp (Adunesp), na figura de Juliana Pasqualini, o curso de Pedagogia da Unesp de Bauru, representado por Maria José Fernandes, e o núcleo de Bauru da Associação Brasileira de Psicologia Social (Abrapso), representado por Gabriel Arfeli, também demonstraram-se contrários à implementação do modelo na cidade.

Maria José e Juliana defenderam que o “medo” não é um sentimento pedagógico e mobilizador.

Uma pessoa que se identificou por Paulo Henrique teceu comentários críticos acerca do uso do gênero neutro na fala de uma oradora no espaço. O cidadão também expressou que “graças a Deus” aconteceu uma “limpeza” em Jacarézinho, em referência ao episódio de chacina que ocorreu em 6 de maio em uma operação da Polícia Civil no Rio de Janeiro. A presidente da mesa, Estela Almagro, informou que a fala em questão tratava-se de um crime.

O Pastor Ismael Pereira (PSD), ex-candidato a vereador, escreveu no chat da sala virtual que “as crianças não devem ter uma educação sobre sexo diferente do que são, e aliás, o STF não é padrão de moralidade pra ninguém”.

A discussão contou com a presença de 17 entidades representativas e lotação máxima da sala virtual, que tem espaço para 100 pessoas.

Assista a audiência na íntegra:

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