Motoboys convocam assembleia para discutir paralisação
Taxa mínima de entrega e valor fixo por período de trabalho estão entre as reivindicações dos trabalhadores; reunião acontece sábado, dia 23 de janeiro, às 14h no Parque Vitória Régia
Publicado em 13 de janeiro de 2020
Por Bibiana Garrido
Os motoboys e entregadores motociclistas de Bauru convocaram uma assembleia para organizar uma paralisação por melhores condições de trabalho. A reunião vai acontecer no dia 23 de janeiro, um sábado, a partir das 14 horas no Parque Vitória Régia.
Neste dia serão discutidos os problemas da categoria e as possíveis soluções para resolvê-los. As principais reivindicações levantadas até o momento são:
– Valor mínimo de R$60 como pagamento fixo por período de trabalho;
– Repasse integral das taxas de entrega aos motociclistas;
– Proteção à vida do trabalhador motoboy contra acidentes no trânsito;
– Auxílio INSS.
A paralisação está prevista, de início, para os dias 2 e 3 de fevereiro – data que será avaliada e confirmada na assembleia.
— Faço o que for possível pra ajudar os motoboys, diz R., um dos organizadores do movimento, enquanto faz as entregas no horário de almoço nesta quarta-feira (13). Ele preferiu não se identificar para preservar sua imagem.
R. teve a ideia de reunir os entregadores depois de uma noite de trabalho. Havia chegado ao restaurante sem saber quanto ganharia, fez todas as entregas do jantar, e ao final do expediente foi informado de que receberia R$40 + R$2 de taxa contando a partir da 10a entrega. “Eu fiquei muito triste porque é um valor muito abaixo do que a gente merece”, conta ele.
O sentimento resultou em um desabafo na internet. “Falei que a gente é o coração do restaurante, porque a gente movimenta Bauru. Sem nosso trabalho, nenhum restaurante se mantém aberto”. Seu texto ganhou visibilidade entre os entregadores de Bauru, que curtiram e compartilharam a publicação. Foi aí que começaram a falar sobre as condições de trabalho da categoria em seus grupos do WhatsApp.
“Tem loja que às vezes nem paga o fixo e ainda come uma parte da taxa de entrega que era pra ajudar a gente na manutenção da moto”, reclama V., entregador que também está na organização.
O estabelecimento N.* é um dos que não paga valor fixo, diz o motoboy, oferece R$2,50 por entrega e um almoço como pagamento. No Woki Sushi também não há valor fixo e a loja fica com uma parte da taxa de entrega “porque eles dão uns R$10 reais de gasolina na moto, mas aí você fica a noite virado”, explica V.
Hoje ele trabalha em dois lugares que “pagam bem”. No almoço, das 11h às 14h30, faz cerca de 22 entregas em uma marmitaria. Na janta, das 19h às 22h, durante a semana, e das 19h às 23h aos finais de semana, faz mais ou menos 12 entregas em um restaurante japonês.
“A gente quer mudar essa história. Os restaurantes não podem ficar com metade da grana, porque a taxa de entrega é nossa. A gente que faz esse trabalho”, protesta R. “Eu gostaria muito de conseguir movimentar todos os motoqueiros, pra cada um ficar ciente, ficar atento. Lembrar dos acidentes, dos assaltos, da manutenção da moto, do pneu furado, tudo que a gente passa. Os estabelecimentos que deveriam ajudar nisso, não a gente pagar tudo sozinho”.
Durante o expediente, é comum presenciar acidentes dos colegas de profissão. “Tem acidente toda semana em Bauru, e até onde a gente acompanha, é a categoria que mais cresce e mais morre na cidade”, lamenta o motoboy. “É horrível a sensação de ver pessoas fazendo a mesma coisa que eu, no mesmo lugar que eu, morrendo”. Com o início da pandemia, o número de entregadores nas ruas subiu – gente que ficou desempregada ou que teve queda na renda, precisando complementar de alguma forma – e a demanda por entregas cresceu até 30%.
V. lembra que o perigo no trânsito é ainda maior quando está chovendo. Foi sob chuva que ele sofreu o último acidente. Atingido por um carro que não sinalizou a conversão, o entregador em serviço caiu no asfalto. A moto havia acabado de sair do reparo na oficina mecânica. “Quando olhei, tinha quebrado todo o painel de novo. Eu não queria nem sair do chão… é foda. Fica muito difícil você preservar sua vida, sua moto, fazer a entrega rápido e chegar inteiro no final do dia”.
Dependendo da moto para trabalhar e sem garantias de direitos, muitos entregadores ficam sem dinheiro ao sofrer acidentes, contando apenas com a solidariedade para recuperar a saúde e o veículo. A categoria pretende reverter a instabilidade com a regularização do pagamento ao INSS, assim, poderia receber auxílio-doença, auxílio-acidente e outros benefícios – inclusive a pensão por morte. O tema está em pauta para a assembleia do dia 23.
R. torce para que a categoria participe. “A gente tá puxando o movimento por todos, as conquistas vão ser boas pra todos”. E conta como está a conversa nos semáforos: “Muitos falam que não vai parar, porque estão desanimados e acham que a gente não consegue vencer. Eu não tenho dúvida, a gente consegue. Temos que ditar as regras. Se não parar todo mundo, o restaurante vai ver que a gente não foi e vai chamar eles. Vamos perder o emprego”.
“É bom que os motoboys são unidos”, fala V. com orgulho, “por isso que eu confio e acredito muito na mobilização”. Ele compartilha histórias que representam essa união em momentos de dificuldades. Como da vez que estava com o pneu furado na Av. Rodrigues Alves e um entregador que passava por lá se ofereceu para concluir a entrega. Um tempo depois, voltou para lhe dar o dinheiro. “Ele sabia que se eu não recebesse ia me atrapalhar lá no comércio”.
Repercussão do breque
No ano passado o Breque dos Apps tomou conta do país com paralisações por melhores condições de trabalho para entregadores de aplicativos. Em Bauru, o movimento dividiu opiniões e reuniu algumas dezenas de motoboys. O Jornal Dois conversou com sete entregadores, na época, para entender sua visão. Leia aqui.
A organização que surge na cidade em 2021, avalia V., pode ser entendida como uma continuidade desse pontapé inicial.
De moto ou de bike, são ao menos 280 mil entregadores só no estado de São Paulo – informação do Sindicato dos Mensageiros Motociclistas do Estado de São Paulo. Homens negros e moradores da periferia são a maior parte de quem trabalha no setor, sendo que metade deles têm até 22 anos. A Prefeitura de Bauru não tem dados sobre a categoria no município.
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Atualização às 18h50. O nome do estabelecimento foi retirado a pedido do proprietário.