Por Bibiana Garrido
“Cabe a mim não rotular”. É o que diz Hélio da Matta quando lhe peço para explicar as características dos seus desenhos. “A minha obra… eu não gosto de rotular. Mas eu acredito que eu tenho um estilo, que é mais pro lado abstrato. Eu gosto muito de brincar com as cores, só que ao mesmo tempo eu curto bastante desenhos minimalistas, com mais rabiscos e traços mais leves”.
Foram as linhas intensas e aparentemente confusas que me chamaram a atenção quando vi um desenho do Hélio pela primeira vez. Foi pelo Facebook, fuçando nas páginas, como a gente fica de vez em quando, que eu achei a do Hélio da Matta.
Vou colocar aqui uma das músicas dele para embalar a leitura, mais para frente, no texto, a gente conta um pouco desse som.
Bauruense, 23 anos, transsexual. Hélio mistura em seus traços e sons inspirações diversas. A arte surrealista também entra no pacote de referências. “Eu sou bem dinâmico, acho que não tem uma vertente que eu sigo”, conta.
Em 2017 ganhou uma bolsa para fazer um curso técnico de operação de áudio no Senac, em São Carlos, cidade onde ele mora faz um ano. Sobre a arte, me falou logo que nos conhecemos pela internet: “estudo por vontade própria, digamos assim”.
Nos encontramos pessoalmente algumas vezes desde então. Ele vive com frequência na ponte Bauru — “Sanca”, como dizem os mais chegados de lá.
O ponto de referência ficou sendo a Casa Alunte, residência cultural de incentivo à produção artística em Bauru. Rua Voluntários da Pátria, quadra dois número onze. Lá eu comprei um desenho que ele fez inspirado na Nina Simone. BLUE, é o nome.
“Da onde você tira sua inspiração?”, foi a pergunta que eu fiz. Sempre tem essa, né?— deve ser até clichê para quem é artista — , mas crucial aos leigos que querem entender o trabalho de alguém. No caso do Hélio, dar um tempo de Bauru foi importante para arejar a cabeça.
“Eu tava passando por um período meio desgastante, e a inspiração veio no momento que eu me vi sem ter o que fazer. Foi aí que eu comecei a mexer com isso no sentido de ganha pão, nessa mudança de Bauru para São Carlos”, conta Hélio. “Mas também tem o lado B dessa inspiração, que veio com a minha transição, pelo fato de eu ser trans. Eu comecei a trabalhar com isso fazendo autorretratos, com intuito de registrar a terapia e as etapas”.
Hoje, deixou o protagonismo dos autorretratos para se dedicar a outros temas. Seus desenhos mais recentes retratam artistas da música como Sabotage, John Coltrane, Milton Nascimento; também trazem cenas caseiras do cotidiano e paisagens urbanas.
Depois da Nina Simone, comprei outros dois desenhos do Hélio: um, de uma ponte sob o céu amarelo, e outro, do Belchior.
Pode haver quem diga que essa entrevista é jabá, mas o Hélio não vai me dar nada por esse trabalho aqui — para quem não sabe, JABÁ é quando um jornalista “vende” uma reportagem em troca de alguma coisa.
É muito louco isso de comprar as coisas de quem faz, de estimular o desenvolvimento dos negócios culturais locais, pequenos, próprios, e sem firula. Como mídia independente, o JORNAL DOIS se propõe a fortalecer e valorizar essa cultura bauruense ao mostrar para as pessoas que se faz muita arte por aqui. Tem muita cultura por aqui. Não é coisa de capital, é coisa de todo mundo. Coisa das pessoas mesmo.
Hélio conta que foi a partir dos quatro anos que começou a mexer com desenho, acredito que como todo mundo faz. Pega os lápis de cor, o giz de cera e fica lá experimentando as cores no papel por horas e horas. Só que diferente de muita gente, ele não parou.
“Desenhar, pra mim, tem sido algo muito libertador, de autoconhecimento. E ao mesmo tempo bastante terapêutico e expressivo”, responde Hélio, quando pergunto como ele se relaciona com seu trabalho.
“Não precisa necessariamente a pessoa nascer com um dom ou talento pra exercer isso”, afirma ele. “Acho que não tem um limite pra estar desenhando, pintando, rabiscando, qualquer coisa. Não tem limites pras possibilidades artísticas”.
A música passa por essas experimentações e sentimentos que preenchem o canal elhome no Soundcloud. Hélio me mandou esse link um dia porque a gente só conversava dos desenhos, e queria me mostrar as outras coisas que andava fazendo.
Entre estilos musicais e tempos diferentes, se constrói uma linearidade narrativa que perpassa todas as composições. As nuances eletrônicas, sempre presentes, marcam esse projeto musical que, para Hélio, caminha junto com a ilustração, a vida, os estudos e tudo mais. Até o final do ano, ele pretende lançar um novo projeto, com novas faixas e outra pegada — dá para acompanhar pelo Facebook e ficar sabendo de tudo.
Foi entre 2013 e 2014 que Hélio começou a trabalhar mais seriamente com a ilustração e a música, na tentativa de viver desses produtos e firmar sua carreira como artista.
“Todos nós sabemos que nem precisa ser artista independente para estar ciente do momento caótico que a gente tá vivendo”, define.
Para ele, o Brasil não valoriza a arte independente e o interior do estado de São Paulo não reconhece a diversidade da produção. “As pessoas às vezes não tem muito interesse, e é complicado viver disso, como eu. Eu só trabalho com isso”, relata Hélio. “Eu acho que a arte ainda é muito elitizada e acaba não tendo visibilidade”.