Justiça suspende despejo no assentamento Luiz Beltrame do MST por causa da Covid-19

Decisão anterior obrigava 17 famílias a deixarem suas terras até o final de agosto; batalha judicial é marcada pela mobilização de entidades e pessoas contrárias à reintegração de posse; assentamento fica em Gália e produz alimentos orgânicos e agroecológicos

Publicado em 29 de junho de 2020

A criação do Assentamento Luiz Beltrame foi fruto da organização de trabalhadores em torno do MST para reivindicar a reforma agrária (Foto: Tauan Mateus)
Por Lucas Mendes

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) suspendeu no sábado (27) a ordem de reintegração de posse em parte do assentamento Luiz Beltrame, na cidade de Gália (a 60 km de Bauru).

Em sua decisão, o desembargador Helio Egydio de Matos Nogueira entendeu que a pandemia do novo coronavírus é um “fato novo” no processo para suspender a reintegração do assentamento, que é coordenado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Cerca de 60 pessoas poderiam ser despejadas – 21 delas menores de idade.

O desembargador considerou o “alto índice de transmissibilidade do novo coronavírus e a elevação significativa do risco de contágio” que poderia ocorrer caso se concretizasse a reintegração de posse. 

A suspensão vale até o julgamento final do recurso (agravo de instrumento) que as famílias de assentados ingressaram na Justiça para tentar reverter o despejo. Ainda não há previsão para ocorrer esse julgamento.

O Jornal Dois publicou uma reportagem sobre a origem do assentamento e toda a batalha judicial. Clique aqui para ler. 

Para embasar a decisão, Nogueira citou a declaração de pandemia do novo coronavírus feita pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de março e a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, feita pelo Ministério da Saúde em 4 de fevereiro. 

Os dois eventos citados são anteriores à decisão da 1ª Turma do TRF-3, da qual o próprio desembargador faz parte, e que determinou em 19 de abril o despejo das famílias num prazo de 120 dias.

Ex-proprietário da terra, o empresário e industrial jauense Jorge Ivan Cassaro move uma batalha judicial para tirar a área dos assentados. Sua antiga fazenda foi desapropriada por improdutividade e destinada à reforma agrária. 

Candidato a deputado federal em 2014 e a prefeito de Jaú em 2016, Cassaro tem um patrimônio declarado de mais de R$ 20 milhões, conforme informou à Justiça Eleitoral em 2016.

Produção de alimentos orgânicos

Em sete anos de existência do assentamento Luiz Beltrame, as famílias de agricultores conseguiram recuperar um solo que foi considerado “improdutivo” e de “qualidade paupérrima”, segundo laudo usado pela Justiça para embasar decisões favoráveis ao antigo dono. 

São produzidas no local aproximadamente 2000 toneladas de mandioca por ano, segundo estima Márcio José, membro da direção estadual do MST e morador do Luiz Beltrame.

A reforma agrária é um instrumento previsto por lei para redistribuição de terra visando combater a posse de grandes extensões de propriedades rurais nas mãos de poucas pessoas (Foto: Assentamento Luiz Beltrame)

De acordo com dados do MST da safra de 2018, o assentamento produziu e comercializou 100 cabeças de gado, 300 toneladas de mandioca pré-cozida, 5 mil caixas de maracujá, 200 sacas de feijão orgânico, 50 mil dúzias de milho verde, 2 mil caixas de quiabo, 8 mil toneladas de manga, entre outros produtos hortifrutigranjeiros, como mamão, manga, cítricos e banana.

A produção do assentamento gera renda suficiente para a sobrevivência das famílias e para empregar pessoas das cidades vizinhas, como Gália e Ubirajara.

Há cerca de três anos os assentados comercializam mais de 400 cestas de alimentos e produtos orgânicos por mês nas cidade de Bauru e Marília. A experiência parte da agroecologia – formato de produção baseada na sustentabilidade ambiental que procura a menor dependência possível de agrotóxicos e outros insumos.

Mobilização

A ameaça de despejo das famílias de agricultores do assentamento Luiz Beltrame gerou uma mobilização de pessoas e entidades contrárias à reintegração de posse. 

Personalidades como o ator Marcos Palmeira, a apresentadora e cozinheira Bela Gil, e pessoas ligadas à produção de alimentos orgânicos e à agroecologia publicaram vídeos nas redes sociais para apoiar as famílias.

Consumidores das cestas de alimentos de Bauru e Marília também gravaram vídeos em solidariedade.

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