Jovens bauruenses enfrentam alta do desemprego na pandemia
Consequências podem atingir toda a trajetória profissional da geração
Publicado em 23 de julho de 2021
Por Marcela Franco
Edição Bibiana Garrido
Jovens brasileiros fazem parte do grupo mais afetado pelo desemprego no país na pandemia. É o que mostra o estudo “Juventudes, Educação e Trabalho: Impactos da Pandemia nos Nem-Nem” da FGV Social. A taxa de desocupação desse grupo subiu de 49,37% para 56,34% entre 2020 e 2021.
A “Geração Covid”, apontada pela pesquisa, abarca pessoas entre 15 e 29 anos que tentam entrar e se firmar no mercado de trabalho em meio às ondas do coronavírus. “Nem-Nem” é o nome que se dá à categoria de pessoas que nem estuda, nem trabalha, por conta de diversos motivos e fatores que envolvem o contexto social, político e econômico brasileiro.
Geração Covid
Isabela Souza, 19 anos, é moradora do Jardim Ferraz e procura emprego há mais de quatro meses. Ela conta que antes da pandemia sempre teve facilidade para encontrar trabalho. Já foi recepcionista, auxiliar administrativo, atendente de telemarketing e consultora de uma organização.
Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), no mês de abril de 2021, 4112 pessoas foram contratadas em Bauru e outras 4249 foram desligadas, o que gerou um saldo negativo de 137 demissões de empregos formais. Já em maio houve mais admissões do que demissões, totalizando um saldo de 624 novos empregados. Os meses de janeiro, fevereiro e março tiveram um saldo de contratação de 132, 676 e 104, respectivamente. Os dados são os últimos divulgados até o momento.
Mariana Garcia, 21 anos, tem experiência como recepcionista e digitadora e também busca trabalho em Bauru. Ela foi demitida de seu último emprego em novembro de 2020, e diz que até encontra vagas disponíveis, só que é difícil ter algum retorno. “Sempre tem milhões de vagas, mas nunca nem sequer me ligam. Eu mando currículo por e-mail com mais frequência. Pessoalmente, só entrego em lugares específicos que me indicam”.
As consequências do desemprego neste grupo podem ir além da pandemia e criar marcas em toda uma geração. O “efeito cicatriz”, também citado no estudo da FGV Social, é caracterizado pela precarização do trabalho no início de carreira, podendo comprometer a trajetória profissional pelo resto da vida.
O Jornal Dois conversou com três economistas e com uma psicóloga para entender por que jovens são o grupo mais impactado pelo desemprego na pandemia da covid-19.
Para João Pedro Coneglian, Yves Gurgel e Déborah Silva, todos economistas, a dificuldade dos jovens em entrar no mercado de trabalho vem antes mesmo da chegada da pandemia. “O aumento do desemprego nessa faixa etária já vem se mostrando há cinco anos. Isso ocorre pelo próprio momento de crise que o Brasil vem enfrentando, acentuado pela entrada da crise sanitária e pela demora em contê-la”, explica Yves.
Juliana Pasqualini, psicóloga e pesquisadora, concorda que só é possível entender a situação atual da juventude trabalhadora olhando para trás. “Antes de qualquer situação excepcional vinculada à crise sanitária, a gente já tinha uma juventude trabalhadora bastante desassistida e vulnerável em nosso país, a juventude brasileira não conta com políticas de apoio social para inserção no mundo do trabalho. Então, a pandemia agrava uma situação, mas não é a causa”, afirma Juliana.
Juventude desassistida
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que um em cada cinco jovens do mundo saiu do emprego durante a pandemia. Segundo João Pedro Coneglian, é comum empresas optarem, em momentos de crise, por demitir funcionários mais novos. “As pessoas que estão lá há mais tempo geralmente têm mais idade, já sabem tocar a empresa de uma forma melhor, tem um nível de eficiência maior”, argumenta.
O economista sugere que a gestão financeira da empresa também pode afetar na decisão. “As empresas acabam demitindo pessoas com menos tempo de casa, mesmo com potencial e bom rendimento, para gerar um valor rescisório menor, por exemplo”.
De acordo com o relatório Atlas das Juventudes, jovens de baixa renda enfrentam ainda mais desafios para entrar no mercado de trabalho. A desigualdade de nível educacional e a distância entre a moradia e os locais de trabalho são algumas das barreiras que separam os pobres dos mais ricos.
Como precisam trabalhar, esses jovens muitas vezes não conseguem participar de oportunidades que demandam tempo ou investimento financeiro. O Atlas das Juventudes foi divulgado em junho de 2021 e reúne dados sobre saúde, educação, trabalho e sexualidade da juventude brasileira.
Para Mariana Garcia, que tem se sustentado com a ajuda da família e com o dinheiro que recebe vendendo doces, a falta de um curso técnico e superior no currículo dificulta a procura por um emprego.“Tento me manter esperançosa para não me afundar, mas tem me afetado muito, as contas atrasadas e as dificuldades em casa”, conta.
Sem perspectivas
Isabela Souza comenta que tentar entrar no mercado de trabalho durante uma grande crise global chega a ser “assustador, ainda mais quando você tem responsabilidades e necessita estar empregado”.
A psicóloga Juliana Pasqualine explica que um dos elementos mais decisivos de transição para a vida adulta é justamente a inserção no mercado de trabalho, porque isso possibilita a autonomia de sustento ao indivíduo. “O emprego é importante para a juventude poder se desenvolver em qualquer outra esfera da vida, sendo essa uma questão muito decisiva”, explica.
“Tem atrasado meus planos”. Foi o que respondeu Isabela ao J2 sobre como o desemprego tem afetado sua vida.
Juliana reforça que esse é um sentimento angustiante. “A sensação é de suspensão da vida, que já está interditada em tantos aspectos somados a esse de incorporação ao mundo do trabalho. O jovem vê esse momento da conquista da autonomia sendo adiada e, mais do que adiada, sem perspectivas de conseguir enxergar o desfecho de tudo isso que a gente está vivendo”.
Um em cada quatro jovens gostaria de trabalhar, mas não está empregado e deixou de procurar emprego durante a pandemia. O dado é de maio de 2020, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O economista Yves Gurgel avalia que jovens brasileiros terão uma dificuldade maior no amadurecimento profissional, na maturidade e na estabilidade econômica. Consequentemente, a mobilidade social se tornará mais estática.
Para Déborah Silva, a falta de perspectiva tanto no âmbito econômico quanto político, faz com que muitos jovens pensem em sair do país em busca de possibilidades. É o que confirma o relatório do Atlas das Juventudes, 47% dos jovens brasileiros pensam em sair do país com o objetivo de melhorar de vida.
Impactos na saúde mental
O medo da pandemia, de adoecer e de perder pessoas queridas já é um fator gerador de ansiedade e angústia na população em geral, lembra Juliana Pasqualini.
Segundo a pesquisadora e psicóloga, o contexto pode levar as pessoas a expressar sintomas depressivos. “O momento é delicado, requer muita atenção e cuidado com a nossa juventude, esse grupo é vulnerável nesse contexto crítico que vivemos”, comenta.
Futuros possíveis
O Atlas das Juventudes propõe soluções para diminuir o índice de desemprego entre os jovens. Um dos caminhos apresentados é a “Capacitação e desenvolvimento de habilidades”, que seria ofertada à juventude a partir de programas de treinamento governamentais e até mesmo de empresas privadas, indica o estudo.
A criação de mais escolas técnicas e implementação de programas como o Jovem Aprendiz são pontos citados pelo economista Yves Gurgel para criar outros futuros possíveis.
Em Bauru, a Escola Técnica (Etec) Rodrigues de Abreu oferece cursos gratuitos em Técnico em Administração, Informática, Enfermagem, Logística, Segurança do Trabalho e Pós Técnico em Enfermagem do Trabalho. A instituição abre novas vagas todo semestre. Para ingressar no curso, é preciso realizar uma avaliação proposta pela escola técnica. O site da Etec de Bauru traz as informações sobre as datas da seleção e dos cursos.
Outra iniciativa presente na cidade é o programa “Meu Emprego – Trabalho em equipe”, antigo “Time do Emprego”. A proposta do projeto, que tem como foco jovens acima de 16 anos que tentam entrar no mercado de trabalho, é orientar os participantes a elaborarem currículo e se prepararem para entrevistas de emprego. Os interessados em participar do projeto devem comparecer à Rua Virgílio Malta, 17-06 para fazerem a inscrição, que foi aberta nesta segunda-feira, 17.
Já a economista Déborah Silva afirma que “primeiramente, na crise atual que estamos vivendo, o que precisamos é de imunização em massa para que assim as coisas consigam se normalizar e o mercado possa se reerguer”.
Para superar o caos pandêmico
A vacinação tem se mostrado uma das armas mais eficientes contra a disseminação da covid-19. Botucatu é exemplo disso: seis semanas depois da vacinação em massa da população entre 18 e 60 anos, a cidade apresentou queda de mais 70% dos casos, como informou o Ministério da Saúde.
A média móvel de casos em Botucatu, dos dias 20 a 26 de junho, foi de 283 novos casos por dia. Na semana de 30 de maio a 6 de junho, quatorze dias antes, o número de novos infectados por dia era de 988. As informações são da Prefeitura de Botucatu.
No mesmo período, Bauru saltou de 1.541 para 1.722 novos casos por dia. Até o momento, a Secretaria Municipal de Saúde vacinou 34,4% da população com a primeira dose e 20,% com a imunização completa.
O município de Botucatu faz parte de um estudo para testar a eficácia do imunizante Astrazeneca/Oxford, e por isso vacinou 66 mil pessoas ems um único dia. No total, Botucatu já vacinou 80,53% da população, com uma ou duas doses.
Segundo o cronograma de vacinação divulgado pelo Governo do Estado de São Paulo, a vacinação dos jovens de 25 a 29 anos terá início entre 16 a 31 de agosto. Pessoas de 18 a 24 anos poderão ser vacinadas a partir de 1° de setembro.