Correios: sem EPI’s para enfrentar covid-19, trabalhadores estudam fazer greve
ECT anunciou medidas preventivas que não incluem uso de equipamentos de proteção;
Com distanciamento social, compras pela internet aumentaram e funcionários estão expostos;
Sindicato de Bauru entrou com ação e atividades podem parar a partir dessa semana;
Decisão impacta funcionamento de agências em 211 cidades do estado e na Grande São Paulo
Publicado em 6 de abril de 2020
Por Bibiana Garrido
Trabalhadores dos Correios de Bauru e região estudam fazer greve para não correrem riscos de contaminação com a covid-19 durante o serviço. A decisão deve ser tomada até a próxima quinta-feira (9), afirma Marcos Gimenes, responsável jurídico do sindicato da categoria e advogado da Findect, a Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios.
“São 211 cidades na base territorial do sindicato, que tem sede em Bauru”, explica o advogado do Sindicato dos Empregados dos Correios de Bauru e Região. “A decisão impacta greve na nossa região e nas agências da Grande São Paulo”. Botucatu, Presidente Prudente, Araçatuba e Sorocaba estão entre as cidades que integram a região operacional.
Se aprovada na federação, a greve dos Correios chega até o estado do Rio de Janeiro. O eixo Rio-São Paulo corresponde a mais da metade do movimento postal do país, segundo a assessoria do sindicato.
Covid-19 nos Correios
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) anunciou uma série de medidas de prevenção que não incluem uso de equipamentos de proteção.
Sem luvas e sem máscaras, trabalhadores da região organizaram um abaixo-assinado no dia 20 de março solicitando Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) adequados ao trabalho.
A rotina nos Correios envolve contato diário com superfícies que passaram pelas mãos de diversas pessoas como envelopes de papel e caixas de papelão – o vírus da covid-19 chega a sobreviver por 24 horas no papelão, e de dois a três dias em materiais plásticos. Há álcool gel nas agências, sem unidades individuais para carteiros e entregadores nas ruas.
O que querem os trabalhadores
No mesmo dia em que o abaixo-assinado começou a rodar, o sindicato da categoria apresentou uma ação contra os Correios. O processo tinha uma série de solicitações: materiais de higiene e proteção, serviço remoto para trabalhadores do grupo de risco e trabalhadores que moram com pessoas do grupo de risco, suspensão de atendimento ao público, antecipação de férias e fechamento de setores da empresa em que fosse diagnosticada a covid-19.
O juiz Sérgio Polastro Ribeiro, da 3ª vara do trabalho de Bauru, concedeu uma liminar que acatou em parte o pedido dos funcionários da região. Em 24 de março, expediu mandado que obrigava os Correios a entregar máscaras, luvas e álcool gel individual para funcionários no prazo de 72 horas. E no prazo de 48 horas, que fossem colocados em sistema de home office as pessoas do grupo de risco de contágio.
O que diz a ECT
Em 30 de março a empresa recorreu da decisão e não cumpriu as determinações da liminar. Do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª região de Campinas, o desembargador Fábio Bueno de Aguiar concedeu liminar dentro de um mandado de segurança para que os Correios continuassem suas atividades sem ter que fornecer os materiais.
“Os equipamentos de proteção são direcionados especialmente para os profissionais da saúde”, argumenta a ECT no processo. Para os Correios, a liminar do juiz bauruense desconsidera “o atual cenário de caos” sendo que a empresa “já está adotando medidas de proteção aos seus empregados”.
Apesar das indicações divulgadas à imprensa, de “realização de trabalho remoto por empregados classificados em grupos de risco ou com residentes em grupo de risco”, a rotina não será mais assim em Bauru e região. Funcionários que convivem com pessoas do grupo de risco, e que estavam afastados, foram convocados para voltar ao trabalho.
O Sindicato dos Empregados dos Correios de Bauru e Região alega que há possibilidade de demais sindicatos de funcionários dos Correios pelo país se manifestarem devido à decisão do TRT abrir um precedente para replicar seu resultado em situações semelhantes.
“Me recuso a trabalhar”
A ECT distribuiu aos seus funcionários um Termo de Recusa para quem não aceitasse trabalhar sob as condições estabelecidas: sem luvas e sem máscara. No documento, a empresa afirma que, ao assinar, o trabalhador estará sujeito a punições administrativas.
Em comunicado, o sindicato da categoria afirma que “muitos funcionários estão preocupados com sua saúde, dispostos a recusar as medidas, mas enfrentam o medo de perseguição ou qualquer prejuízo após a assinatura do termo de recusa”.
“A empresa disponibilizou esse documento no informativo interno do dia 26 de março. É onde o gestor vai levar pro empregado: ‘Você não que sair pra rua sem EPI? Então assina aqui’ e entra com processo administrativo contra o trabalhador”, aponta o advogado Gimenes.
Tanto o sindicato e federação regional, quanto a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios, Telégrafos e Similares (FENTECT) recomendam que os funcionários não assinem o Termo de Recusa.
Punições administrativas citadas pela empresa podem chegar a desconto de salário, corte de benefícios, suspensão e demissão.
Serviço público essencial
A atividade dos Correios é considerada um serviço público essencial nas condições decretadas pelo Governo Federal, e assim é mantido seu o funcionamento – com os devidos cuidados no combate à pandemia do coronavírus.
Durante o período de distanciamento social, no qual as pessoas estão evitando sair de casa se puderem, as compras pela internet cresceram 30%. A demanda se reflete em mais trabalho para o serviço postal.
Para diminuir as chances de contágio, entregas internacionais foram suspensas e carteiros não estão mais solicitando assinatura do destinatário na entrega. Há álcool em gel nas agências, trabalhadores do grupo de risco seguem trabalhando de casa, e foram estabelecidos “horários alternativos para entrada, saída e intervalo de refeição dos empregados”, comunica a empresa.
Com base em orientações do Ministério da Economia para trabalhadores e empregadores durante a pandemia da covid-19, a ECT cita práticas referentes ao uso de máscaras de proteção: “A máscara de proteção respiratória só deve ser utilizada quando indicado seu uso. O uso indiscriminado de máscara, quando não indicado tecnicamente, pode causar a escassez do material e criar uma falsa sensação de segurança, que pode levar a negligenciar outras medidas de prevenção como a prática de higiene das mãos”.
As recomendações do Ministério da Saúde, que antes defendiam o uso de máscara apenas para quem estivesse com os sintomas de infecção por coronavírus, passaram a indicar o uso de máscaras de tecido para qualquer pessoa que precisar sair de casa.
Atualização às 19h42 do dia 6 de abril de 2020
Em nota à reportagem, a assessoria de imprensa dos Correios informa que:
“Todas as decisões para o enfrentamento da pandemia têm respaldo de um Grupo de Trabalho formado por empregados de vários setores da empresa, constituído exclusivamente para lidar com a presente situação, acompanhar as orientações emanadas pelas autoridades sanitárias e discutir e implementar as medidas que se façam necessárias. Nesse sentido, a empresa tem seguido as recomendações do Ministério da Saúde.
Conforme as orientações da empresa, cabe a cada gestor garantir o bom funcionamento de sua área para que não haja atraso ou paralisação das atividades e segurança do funcionário. A autorização para trabalho remoto permanece válida para todos os empregados que se enquadram nas condições previstas. Para aqueles que não estão neste grupo, a orientação é estabelecer o rodízio dos horários de expediente, de forma a garantir o funcionamento das áreas. A norma vigente prevê, ainda, a solicitação de autorização para trabalho remoto, em caráter de excepcionalidade administrativa pelo próprio empregado.
A diretoria executiva dos Correios está atenta a todas as instruções governamentais, prezando pelo andamento do seu negócio e, acima de tudo, apoiando a sociedade neste momento de crise, com a preocupação maior de preservar a saúde de sua força de trabalho”.