“Uma tragédia”, fogo queima 70% de mata nativa na Estação Ecológica de Bauru

Incêndio pode ter começado pelo rompimento de um fio da rede elétrica; trabalho de combate às chamas ocorre desde quarta-feira na reserva de Mata Atlântica que é uma das mais importantes do estado

Publicado em 18 de setembro de 2020 – editado às 16h para incluir o posicionamento da CPFL e atualização da Polícia Ambiental

" A reserva era a única amostra preservada da Mata Atlântica na região, por conta da devastação causada pela ocupação agropecuária" (Foto: Jornal Dois)
Por Lucas Mendes

O incêndio que atinge a Estação Ecológica de Bauru desde o final da terça-feira (15) já destruiu entre 60 e 70% da área da unidade de conservação até o momento. A estimativa é do capitão do Corpo de Bombeiros Mário Damiati e de técnicos que estavam no local no início da noite desta quinta-feira (17).

Importante área de preservação ambiental do estado de São Paulo, o território tem 287 hectares de Mata Atlântica nativa e abriga 193 espécies de animais. A reserva fica na altura do km 352 da Rodovia Cezário José de Castilho, a Bauru-Arealva.

O fogo na Estação Ecológica de Bauru supostamente teria começado por causa de faíscas originadas após o rompimento de um fio elétrico em um poste de energia. Dono de uma propriedade vizinha da estação, Antônio Levorato Neto disse que ligou na CPFL, responsável pela rede elétrica, para avisar do problema. “Ninguém deu a mínima atenção, ninguém nunca se preocupou”.

“Quando viram que o problema era sério, vieram na quarta-feira à noite tirar o poste  meio escondido, porque não tinha ninguém. Se eles tivessem vindo na hora [retirar o poste], nós mesmos teríamos apagado o fogo e teria evitado tudo isso”, detalhou.

O fogo se alastrou pela mata nativa e avançou nas propriedades vizinhas, em áreas de plantio de eucalipto (Foto: Jornal Dois)

O proprietário alega também que ligou para a Polícia Militar Ambiental de Bauru e que teria sido informado que a responsabilidade para lidar com a situação era do Corpo de Bombeiros. 

Operação 

O Corpo de Bombeiros atuou com 40 homens no local. De acordo com o capitão Damiati, responsável pela operação de combate ao incêndio, o efetivo foi dividido em equipes para impedir que o fogo se alastrasse em diversas direções e que se espalhasse verticalmente para a vegetação nativa.

Hoje pela manhã a previsão é de continuar o trabalho de conter novos focos de fogo que aparecerem.

Durante a noite o combate às chamas dá lugar a um acompanhamento da situação. Damiati explicou à reportagem que na madrugada desta quinta-feira duas viaturas operacionais monitorariam a situação na Estação Ecológica. Funcionários da empresa Bracell continuavam trabalhando ontem à noite após a saída dos bombeiros. Eles atuavam na contenção do fogo que avançava pelas propriedades vizinhas, arrendadas pela empresa para o cultivo de eucalipto.

Calor e vento forte da tarde de quinta fez o fogo se intensificar (Foto: Jornal Dois)

Além dos bombeiros, o trabalho de contenção das chamas contou com a Polícia Ambiental e apoio do helicóptero Águia da Polícia Militar, servidores da Secretaria de Meio Ambiente de Bauru, órgão que providenciou um caminhão-pipa, e da Defesa Civil de Bauru, funcionários da Fundação Florestal  e brigadistas da Bracell.

O trabalho se intensificou na quarta à tarde e avançou pela noite, até por volta das 23h, quando começou um monitoramento da área durante a madrugada. As atividades de combate ao incêndio foram retomadas na quinta, pela manhã.

Segundo o comandante da operação, a corporação foi acionada na quarta-feira e enviou equipes para a Estação Ecológica. “A princípio não pudemos mandar muitas equipes porque o dia estava com várias ocorrências, a umidade relativa do ar estava muito baixa”, informou.

Tragédia

Presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados desde 2019, o deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB) esteve na Estação Ecológica participando do combate ao incêndio na quarta e quinta-feira. 

Em entrevista ao Jornal Dois, ele contou que a situação parecia controlada até o final da manhã de ontem. “No meio da tarde veio uma calor e um vento que reanimou o fogo”, lamentou. 

“Estamos no período de uma seca muito intensa e essas secas vão continuar. O Brasil inteiro está com problema de incêndio florestal”.

Fogo avançava pelos eucaliptos de propriedades vizinhas, após consumir boa parte da Estação Ecológica (Foto: Jornal Dois)

Segundo o deputado, a mata é muito conhecida pelos pesquisadores e possuía um dos reflorestamentos mais antigos do estado. A atividade ilegal de caçadores empobreceu a fauna local, o que expulsou grandes mamíferos, como onças-pintadas e antas. A reserva mantinha grande biodiversidade, com a presença também de onças pardas. 

“É uma tragédia. É uma mata muito rica. Esse é o quarto fragmento de floresta mais importante do interior do Estado”, ressaltou.

Falhas

O plano de manejo da Estação Ecológica de Bauru, elaborado pelo Governo de São Paulo e aprovado pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) em abril de 2010, previa um programa de prevenção de incêndios.

Entre os tópicos previstos estavam:

Segundo o Plano de Manejo, não haviam registros de incêndios na Estação Ecológica de Bauru desde a sua criação (Arte: Jornal Dois)

De acordo com o plano, o programa de prevenção de incêndios tinha um custo estimado em R$ 1,13 milhão durante os cinco primeiros anos de funcionamento.

Fogo se alastrou pela vegetação rasteira queimando a base das árvores maiores, que caíam à medida que os troncos se enfraqueciam (Foto: Jornal Dois)

Para o deputado Rodrigo Agostinho, houve um conjunto de situações falhas que contribuíram para a destruição da reserva. Em sua análise, o Brasil não está preparado para incêndios florestais. 

“Não temos aeronaves para combater incêndio, não fazemos medidas preventivas de maneira adequada, a gente não capacita, nem treina brigadistas. Essa área inteira não tem ninguém aqui, não tem nem um funcionário olhando”, listou.

A Estação

Criada em 1987, a Estação Ecológica de Bauru passou a ser administrada pela Fundação para a Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo (Fundação Florestal – FF). 

Localização da Estação Ecológica de Bauru (em verde) e da cidade de Bauru (em cinza) (Mapa: Reprodução/Plano de Manejo)

Segundo o órgão, que faz parte do Governo de São Paulo, a reserva é de “extrema importância para a região de Bauru”, pela sua biodiversidade e pela garantia de áreas verdes, já que o município possui apenas 8,8% de cobertura vegetal natural.

A reserva era a única amostra preservada da Mata Atlântica na região, por conta da devastação causada pela ocupação agropecuária.

Contatada pela reportagem, a assessoria da Polícia Ambiental de Bauru não confirmou se houve um contato telefônico a respeito do incêndio. Afirmou que, nesses casos, o policial que recebe as ligações repassa a demanda para a concessionária de energia ou para a Administração da unidade de conservação.

Em nota à imprensa divulgada no final da manhã desta sexta-feira, a Polícia Ambiental informou que foi realizada uma perícia técnica na área queimada da Estação Ecológica. De acordo como o comunicado, a Polícia Civil, que será a responsável pelo laudo, foi acompanhada durante o procedimento pela Polícia Militar Ambiental, Bombeiros, representantes da Secretaria do Meio Ambiente Estadual e da Empresa Bracell.

“A vistoria percorreu a extensão queimada da Estação Ecológica com o objetivo de apurar as causas do incêndio e as responsabilidades dentro das esferas penais, cíveis e administrativas. O local ainda apresenta alguns focos de incêndios que estão sendo acompanhados pelo Policiamento Ambiental e Corpo de Bombeiros”, acrescenta a nota da Polícia Ambiental.

A CPFL Paulista informa que enviou uma equipe à Fazenda São Bento, ​na noite da terça-feira (15), e que realizou o desligamento do fornecimento de energia para o local, a pedido do cliente. Segundo nota da empresa enviada à reportagem, o incêndio que atingiu a região danificou 2 postes de madeira, cruzetas e cabos elétricos da empresa, que passaram por reparos.  

“As causas do incêndio estão sendo investigadas pelas autoridades competentes. Vale ainda destacar que o grupo CPFL Energia, por meio da campanha Guardião da Vida, alerta sobre os riscos provocados pelas queimadas para o fornecimento de energia, que ao atingir cabos elétricos e causar o desligamento da rede, causa prejuízos para todos, além de danos ao meio ambiente e à segurança da população. O calor do fogo, mesmo quando não atinge diretamente os cabos elétricos, junto da fuligem levada pelo vento e grandes volumes de fumaça, também pode provocar curtos-circuitos ou rompimento de cabos, interrompendo o abastecimento de cidades inteiras. O ar quente gerado pode criar um campo ionizado, propiciando o fechamento de arcos elétricos que desligam as linhas de eletricidade”, completa a CPFL em nota.

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