Estrofe: mensagem e trajetória no rap 014
Conheça os caminhos de Wesley Lima no Hip Hop bauruense
Publicado em 18 de Abril de 2020
Por Letícia Sartori e Lorenzo Santiago
Rimas raras, um flow envolvente e um bom beat. Essa parece ser a fórmula básica para um rapper estourar nas trilhas e começar a ter um caminho de sucesso na música. Um bom nome também chama a atenção. Wesley Santos Lima tem 20 anos, e com o vulgo Estrofe já é um dos rappers mais promissores de Bauru. Quem chega em uma batalha em 2020 pode achar que foi rápido o crescimento do bauruense. Só ele sabe a trajetória até aqui e o caminho que tem pela frente.
Sem limites
Bauru tem uma história rica na cena do rap no estado de São Paulo. E referências não faltam para os jovens que começam a trilhar o caminho do hip hop na cidade. Dom Black, Cocão, Timbá, Magú e Coruja são apenas alguns dos nomes que ajudaram a pavimentar esse chão.
A Zona Leste foi o berço e o lugar em que Wesley começou a ter contato com o rap de Bauru. No computador de casa ouvia os MCs das antigas e começava a escrever em um caderninho as primeiras rimas com base no que gostava e tinha como exemplo. Wesley e o amigo Mateus Teles, vizinhos no Nobuji Nagasawa já tinham o sonho de ter um grupo de rap com apenas 12 anos.
Mas qual caminho seguir? A necessidade aliada a coincidência colocaram Gerson Santos no caminho da Estrofe. Apresentado por Mateus e com vivência no rap local, Gerson, cujo vulgo artístico é GS Weezy, se tornou além de um grande amigo um mentor para Estrofe.
“Ele foi o cara que me trouxe pro rap de Bauru. Eu já gostava de rap, admirava vários caras na internet e inclusive de Bauru. Sabia que tinha [rappers na cidade], mas não tinha envolvimento nenhum”, lembra.
Gerson viu qualidade no menino. Gostou das letras e rapidamente propôs a montagem de um grupo. Com 13 anos, Estrofe integrava então o Impacto ZL. Além de Gerson e Estrofe, o grupo contava também com outros jovens como MS (Mato Grosso) e BNG, Abner; entre os participantes dois destaques que hoje fazem sucesso no rap 014: Gabriel Miranda, conhecido como BAG e Jhonathan, JS SUBVERBAL.
Impulso nas batalhas
A batalha é a primeira forma de um MC mostrar a sua qualidade para o público. E ganhar é a melhor maneira de se firmar e ter confiança como artista. Hoje Estrofe coleciona dezenas de batalhas pelo interior, sendo presença constante em Bauru e outras cidades da região. O jovem de 20 anos conquistou seu lugar na cena e em 2019 ganhou o prêmio de maior campeão de batalhas da cidade, no 1º Prêmio da Cultura Popular Bauruense.
“A primeira batalha em Bauru que eu colei foi o Rap Hour. Antes disso era só escola, casa, rimando com os amigos.” Organizado no Teatro Municipal de Bauru a iniciativa Rap Hour reunia diversos artistas bauruenses que, hoje, estruturam a cena local.
Essa era experiência que faltava para o rapper começar a conquistar seu território no universo do hip hop. A ansiedade era grande: “cheguei lá e tinham três MCs, contando comigo. Acabou que nesse dia, eu ganhei a batalha. E foi a sensação mais louca da minha vida. Sabe um bagulho que você só via em casa, só ouvia no PC, com os amigos… virando verdade”, relembra Estrofe.
No mesmo período em que foi se desenvolvendo como artista, Wesley viu surgir o circuito de batalhas de rima em Bauru. Panelinha, Cerejeiras, ZL e ZONE as batalhas movimentavam o a cena do rap bauruense, principalmente para os jovens que começavam a rimar.
Estrofe, Bag, Mael, vulgos dos artistas que hoje são comuns no universo do rap bauruense tiveram sua trajetória ligada diretamente a organização e articulação das batalhas de rima da cidade.
A Batalha da ZL é realizada de sexta-feira, a cada 15 dias, no MaryDota. O bairro localizado o no extremo leste da cidade foi, em sua criação, considerado o maior conjunto habitacional da América Latina. (Vídeo: Batalha da ZL/2018)
Novos Passos
O que antes gerava uma grande expectativa, hoje é mais natural. “É claro que não fico confortável, mas já estou um pouco mais acostumado do que as primeiras”, explica o MC.
Depois de seis anos rimando em Bauru, Estrofe arriscou um novo desafio: participar de batalhas na capital paulista em fevereiro deste ano. São Paulo, o lugar em que despontou o rap nacional, também é uma das cidades que mais tem batalhas no Brasil.
Mesmo com realidades tão distintas, o MC ainda encontrou algumas semelhanças entre as batalhas da capital e de Bauru: “aqui em Bauru tem os mesmos caras, as mesmas pessoas. Eu sei quem são os MCs que vão colar na Batalha de amanhã, por exemplo. O lado bom disso é você sempre ter que inventar coisas nova pra atacar o cara”, afirma.
Wesley diz que os MCs de São Paulo também apresentam, em sua maioria, um padrão: “não é diferente dos caras daqui. Tem os caras bons, os ruins, os mais ou menos, mas ninguém é invencível. A diferença que eu senti, não que os caras são melhor, mas eles são mais preparados”.
A viagem para capital rendeu a ele a semifinal e final de diversas batalhas. “Não sou o pá da capital, do interior. Mas consegui mostrar minha cara. Isso que eu achei legal. Consegui deixar minha marca lá, do interior. Deu pra bater de frente. E assim, ser original é o que faz a diferença.”
O momento do salto para um artista é incerto. Mas o lugar não precisa ser outro. Estrofe acredita que Bauru pode ser um terreno fértil para fazer sucesso e ganhar dinheiro com o rap. “Eu penso em não precisar sair daqui pra poder fazer o bagulho girar pra nós. Lógico que lá é mais fácil, tem muita gente, com muito contato. Cê tá andando na rua e tromba com um cara famoso, monstro, tira uma foto, cumprimenta, é tudo mais acessível. Mas, não é impossível fazer virar estando aqui”.
No cenário atual Estrofe menciona Síntese, Froid e Djonga, rappers do interior e de fora do estado que conseguiram destaque na cena nacional. “E é isso que é o foco do que eu quero. Fazer o trabalho virar, sem precisar sair daqui. ”
Discografia e novas parcerias
Sete anos depois da primeira gravação, Estrofe já tem diversas músicas gravadas e disponíveis online. Cada uma delas mostra uma momento da carreira do cantor.
O começo de amadurecimento, um emaranhado de descobertas e o caminho encontrado para seguir. Com novos contatos, antigas parcerias e o desenvolvimento de sua própria voz.
Desde o lançamento de seu primeiro EP Guerra e Guerra, de 2017, com uma forte temática espiritual, Estrofe marca presença nos espaços de cultura e resistência da cidade sem limites. “Eu fiz as letras [de Guerra e Guerra] com 15 anos, gravei e lancei com 17 anos. E agora estou fazendo outro EP com 20. Então é outra dimensão. Adquirindo maturidade, conhecimento, informação. É uma experiência, vivência, muito diferente. Mas acaba um completando o outro.”
Mas é o hit ‘Rap Nacional’, música que Estrofe vê como um ponto de transformação na carreira. O som, feito em cima de um beat ganhado em uma batalha, conta com produção e mixagem de Mael. “Escrevi tudo num dia só, de madrugada, em casa. Toda rima que fazia falava ‘nossa, eu que to fazendo, que bagulho louco'”. A certeza de um trabalho bem feito veio a partir do lançamento da música: “É tipo desenho, tá na sua cabeça, mas a hora que você coloca no papel, não sai aquilo. Quando escrevi Rap Nacional, tava de acordo. Aí eu vi que eu tava um passo pra frente. Um ou dois”, conta.
O próximo trabalho de Estrofe é o EP CatasTroffico, pela gravadora Rubí Records, com previsão de lançamento no primeiro semestre de 2020. “O rap mesmo tá em constante evolução, sempre mudando. Então mesmo minha forma de escrever é diferente”. E discorre sobre o processo de criação: “antes eu pegava o caderninho, rimava A com A, B com B. Hoje em dia a gente já tá mais estudado, né mano. Com métrica, toda a matemática da música. Porque música é matemática mano, pura. Então sempre dá pra evoluir”
Entre um EP e outro, parcerias, experiências e diversas criações. Somente nos primeiros quatro meses de 2020 Estrofe lançou duas faixas solo – Tipo Snoop Dog e Eu Olhei. E mais duas parcerias – a primeira foi Terra Sem Lei, com os rappers GRD e EMITIEZ.
Seu último trabalho, lançado do dia 15 de Abril, é uma parceria peso pesado: a Cypher ZL junta GS Weezy, Estrofe, Betin MC, Pilaco RCD, BAG e Shadowl Vandal. Com beat, produção e mixagem de MoonhBeat’s da Samurai Records.
Profissionalização
Na correria a quase uma década, o rap passou de diversão de adolescente para trabalho e profissão.
Um dos grandes passos da caminhada de Estrofe foi a aproximação com Dom Black, um dos principais rappers do interior e referência para a nova geração. “Eu era fã dele e depois nós ‘virou’ amigo. Isso que é um bagulho louco, porque ele ia cantar as músicas dele pra mim eu já sabia tudo, mano. Falava ‘nossa esse cara é o bala, é o monstro'”. E começou uma parceria, quase que por acaso: “ele passou a me chamar pra fazer as dobras no show. E eu sabia tudo, falei ‘vamo!’. Aí cantava junto e pá. Não ganhava um real mano, um real, fazia porque amava e curtia mesmo.”
O pagamento pelos shows veio com o tempo. “O Dom foi evoluindo na carreira, chegou onde chegou e assim, eu fui indo junto”. Ele relembra com foi o momento dos primeiros pagamentos: “Começou até algumas vezes depois do show ele [Dom Black] falar ‘Ó, isso aí que você faz pra mim não é de graça. Hoje cê trabalhou e hoje a gente recebeu, então toma esse dinheiro aqui e leva embora’. E eu falava ‘nossa, to ganhando pra fazer rap’, que bagulho louco, parecia mágica”.
A experiência profissional unida ao alcance online de suas músicas tomam dimensões cada vez maiores para o jovem de 20 anos. Na viagem à São Paulo, no começo de 2020, o reconhecimento veio de diversos locais. Em Peri, bairro onde ficou durante a estadia na capital, durante uma Batalha Estrofe foi abordado por um pequeno entusiasta do rap. “O mano, cê que é o Estrofe?”. O artista bauruense confirma e o garoto rebate: “É, eu vi o nome ali na batalha e falei ‘oxe, já ouvi esse nome'”. “Aí ele falou que já conhecia esse e outro trampo da internet”, conta Wesley.
A virada de 2020 trouxe novos contatos e parcerias, desta vez com o coletivo de relações públicas voltado a artistas e cultura negra: são as RPretas. Estrofe reconhece a importância do trabalho do coletivo em sua carreira: “quando você profissionaliza seu trampo as portas se abrem.”
Não é fácil pros artistas crescer na cena, ganhar destaque e principalmente fazer dinheiro. Então, pq seria fácil pra nós, mesmo estando na vertente da comunicação? O corre é difícil do mesmo jeito com o bônus de que somos minas nessa cena super machista, ainda infelizmente. +
— a Mari do RPretas (@mmoraesss_) April 15, 2020
Não é fácil construir uma imagem pública do 0, fazer pessoas que nunca ouviram o seu nome escutar seu som, gostar, compartilhar, ficar com ele na cabeça. Não é "só" ir fazendo e jogando no mundo. Trampo é igual filho, precisa criar pra render alguma coisa boa pro mundo.
— a Mari do RPretas (@mmoraesss_) April 15, 2020
A organização de um mídia kit, de um release, expõe o diferencial de Wesley e ajudam em novas empreitadas e oportunidades profissionais. “Assessoria mano, comunicação, acho que os outros não levam muita fé nisso. Mas tem uma importância do caralho. Tipo, saber trabalhar, lidar com as pessoas. Elas [RPretas] tão estudando, trabalhando pra fazer isso.”
O coletivo RPretas é formado por três mulheres cujo envolvimento com a cena do hip hop local já vem de longa data – Luana Protazio, Mariana Moraes e Pryscila Galvão, como Estrofe coloca, “são uns anjos na minha vida. São zica demais, tem uma importância muito grande na minha vida.”
Hip hop como educação
Estrofe leva o hip hop como fonte de conhecimento e educação, reconhecendo a importância que a cultura tem para outros jovens. Não à toa faz parte do time da Semana do Hip Hop de Bauru, evento que se tornou a maior semana de hip hop gratuita da América Latina. Todo ano leva, a Semana leva o hip hop para todos os cantos da cidade, reunindo artistas de expressão nacional para shows, oficinas, debates e mais importante – leva o hip hop para as escolas bauruenses.
O artista ressalta o trabalho e responsabilidade que é participar desse evento: “quem nunca ‘trampou’ na semana do hip hop não vai entender. Mas cê tá ali na segunda-feira, vai ali, vai lá, o corpo tá doendo, cê tá fazendo um monte de coisa.” Apesar do cansaço, Estrofe comenta da felicidade que é estar na organização: “a hora que acaba é uma sensação tão boa de satisfação muito grande de ‘eu fiz parte do bagulho eu também fiz acontecer’”.
Para Estrofe, o carro chefe da semana é o Combo 5 elementos. Ação coletiva que leva apresentações, debates e discussões da cultura para as escolas públicas da cidade durante os dias do evento. Para Estrofe, a experiência é de renovação: “mano, o combo lava você, cê lembra do Hip Hop de antigamente..”
O contato, a mensagem direta de quem é da cena passa para aqueles que são a alma da cultura hip hop. “Cê ensina pra molecada e é um bagulho que prende. Eles param e pensam ‘nossa, isso aí é da hora’. E ao mesmo tempo ajuda a repensar e recriar a dinâmica do ambiente escolar, pensa: eles tão lá na escola, escrevendo todo dia, professor falando, chega uma hora que enche o saco, tem que ter um bagulho diferente na escola pra eles se entreter pra ficar mais recarregado”, coloca Estrofe.
É inegável o impacto e transformação contínua que a cultura do hip hop traz pra cidade, e, mais importante do que grandes shows, o incentivo a arte, ao pensamento crítico vem de dentro da própria comunidade: “cê cola lá com informação, com rap, com um bagulho ‘loco’. E às veze ele tem um amigo que pixa na rua, chega lá e aprende que o bagulho é graffite, que veio lá das antigas pá e pum. Às vezes curte um rap na rua dele mas não entende nada chega lá “Óh, o MC”, descobre o que é MC, da onde veio”. E é esse ciclo que garante que as próximas gerações façam parte do movimento bauruense.