No dia dos ferroviários, relembre 10 momentos em que os trilhos passaram pelo J2
Construída em 1905, a Estação Noroeste do Brasil foi uma importante estrutura de desenvolvimento econômico e social em Bauru e atraiu trabalhadores que povoaram o município; atualmente o prédio da estação está abandonado
Publicado em 30 de abril de 2021
Por Camila Araujo
Dia 30 de abril comemora-se o dia da e do ferroviário no Brasil. Ferroviários são trabalhadoras e trabalhadores das estradas de ferro, aqueles que abrem o caminho para passagem do trem. A primeira estrada desse tipo a ser inaugurada no país foi em 30 de abril de 1854, por isso a data é escolhida para celebrar o trabalho categoria. Naquele ano, a Estrada de Ferro Petrópolis, ou Estrada de Ferro Mauá, iniciou seu funcionamento com 14 km de extensão, partindo da cidade do Rio de Janeiro em direção à Petrópolis.
Em Bauru, a construção da ferrovia Noroeste começou em julho de 1905. Considerada um dos grandes marcadores do desenvolvimento da cidade, a ferrovia atraiu trabalhadores que povoaram a cidade e alimentou perspectivas de futuro e hoje, apesar de estar em estado de abandono, é considerada um símbolo que remonta o imaginário da população em relação ao passado do município.
O trem foi resultado dos desenvolvimentos tecnológicos das revoluções industriais europeias, movimento que teve início no século XVIII. No Brasil, a construção das estradas de ferro permitiu que colonizadores escoassem produtos agrícolas produzidos no interior do país por mão-de-obra escravizada, como café e cana-de-açúcar, em direção aos portos, onde embarcavam rumo ao velho continente. Todo esse processo ocorreu em meio a violência e derramamento de sangue, sobretudo indígena.
1 – E as mulheres ferroviárias?
O ano é 1918 e a primeira mulher contratada na ferrovia “Noroeste do Brasil” é Flordaliza Meira Monte, de 16 anos. Ela entrou na vaga deixada pelo pai, que trabalhava com telégrafo, e tornou-se escriturária – ficando na empresa até 1942. Para quem conhece a história das ferrovias em Bauru por meio do museu, é como se as mulheres ferroviárias não tivessem existido. Para desmistificar essa narrativa, o Jornal Dois produziu uma matéria contando sobre a existência, sim, de mulheres na ferrovia, que tiveram de enfrentar o tabu e o machismo para marcar presença na profissão.
Leia em: https://jornaldois.com.br/todo-mundo-fala-dos-ferroviarios-ferroviarias-bauru/
2 – Estação abandonada
A estação que impulsionou o desenvolvimento econômico da região se viu definhando a partir da segunda metade dos anos 1990. A ideia de que a ferrovia poderia ser melhor administrada por uma empresa do que pelo Estado resultou no desmonte do transporte de passageiros por trens e, consequentemente, no abandono dos espaços de embarque e desembarque.
Leia em: https://jornaldois.com.br/o-que-levou-ao-abandono-da-estacao-ferroviaria-em-bauru/
3 – Privatização do trem
“Volta e meia, tanto em redes sociais como em matérias de rádio, jornal e tevê, a temática das ferrovias é tratada. O mais engraçado é vermos nos mesmos veículos de comunicação e em suas reportagens, figuras públicas que defendiam publicamente as privatizações. Elas agora choram pelas beiradas porque a circulação de mercadorias monopolizada pelo setor rodoviário provoca aumento de custos em toda cadeia logística, aumentando substancialmente os preços de todos os produtos, inclusive em Bauru – que já foi o maior entroncamento rodoferroviário da América Latina”, escreveu Roque Ferreira, ferroviário e militante socialista, em uma de suas colunas para o J2.
Leia em: https://jornaldois.com.br/ferrovias-agora-nao-adianta-chorar-o-leite-derramado/
4 – Fora dos trilhos
Nesta matéria, o colunista e ferroviário Roque, alertava para a entrega “pura” e “simples” do controle do sistema de transporte ferroviário de cargas nas mãos dos interesses privados. “Como as ações para o setor são muito bem articuladas para preservar os interesses privados em detrimento do interesse público, também o é o Projeto de Lei do senador José Serra (PSDB) – PLS 261/2018, que altera o marco regulatório. O resultado é o aprofundamento do desmonte do setor e a criação das condições para as operadoras privadas aplicarem um grande calote nos cofres públicos. O projeto possibilita que as operadoras simplesmente devolvam para União os mais de 11 mil quilômetros de ferrovias que elas abandonaram e sucatearam”.
Para Roque, as lutas sociais se entrelaçam de forma que lutar contra Bolsonaro é lutar contra a destruição e entreguismo das estruturas construídas pelos trabalhadores. Esse mesmo embate, segundo ele, passa também por construir um governo de trabalhadores, “sem patrões nem generais”.
Leia em: https://jornaldois.com.br/brasil-um-pais-fora-dos-trilhos/
5 – Resistência à gentrificação
Com a privatização e o sucateamento das estradas de ferro do interior paulista, o prédio da Estação Ferroviária ficou abandonado, sem que o poder público se responsabilizasse por sua revitalização. A partir daí, movimentos sociais passaram a ocupar aquele espaço. A Casa do Hip Hop foi o primeiro coletivo a promover ocupação cultural no prédio. Um dos organizadores do coletivo explicou ao Jornal Dois que apesar de a prefeitura ter feito a concessão do espaço, os voluntários do projeto removeram aproximadamente duas toneladas de lixo do andar que passaram a utilizar. O espaço carece de estrutura de acessibilidade, a fiação elétrica existente foi improvisada, custeada com dinheiro de eventos realizados no local, e não há banheiros para atender as pessoas que circulam por ali.
6 – Aniversário do Museu Ferroviário
Em 2019, o J2 cobriu o aniversário de 30 anos do Museu Ferroviário, localizado no antigo prédio administrativo da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. O museu é uma instituição pública, vinculada ao Departamento de Proteção ao Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura de Bauru e foi fundado em 26 de agosto de 1989. O espaço guarda documentos e artefatos dessa que foi uma das maiores linhas ferroviárias do país.
Leia em: https://jornaldois.com.br/museu-ferroviario-30-anos/
7 – Che Guevara passou por aqui
O jornalista Antonio Pedroso Junior compartilhou com o J2 a história da passagem do revolucionário Che Guevara por Bauru: “segundo os cubanos que o acompanharam na ida para a Bolívia, [Che] teria pernoitado aqui em Bauru, na região da Praça Machado de Melo e mais precisamente no Hotel Cariani. Teria vindo de São Paulo no trem da Companhia Paulista de Estrada de Ferro e teve que aguardar a composição da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, rumo a Santa Cruz de La Sierra, hospedando-se próximo a nossa histórica Estação Ferroviária”.
8 – Quais as propostas para hoje?
Alguns candidatos à prefeitura nas Eleições 2020 apresentaram propostas para o prédio da Estação Ferroviária: Bussola (PSD) prometeu a abertura do Centro Cultural e Educacional “Noroeste do Brasil” e a implementação de ciclovia em toda a malha ferroviária do perímetro urbano. Clodoaldo Gazzetta (PSDB), à época prefeito tentando reeleição, prometeu usar o prédio da Estação Ferroviária para a Secretaria de Educação e abrigar o que o plano chama de “Estação Educação Arte”, sede de atividades para alunos no período do contraturno. Kim (PROS) prometeu utilizar a estação ferroviária como sede de Secretarias Municipais, sem especificar quais. Jorge Moura (PT) prometeu reformar o espaço para melhoria da infraestrutura para os movimentos que já utilizam aquele espaço. Valle (PSC) prometeu fazer da Estação Ferroviária um museu que contaria a história de Bauru. Raul (DEM) prometeu fazer um estudo sobre o patrimônio da antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil para aproveitamento urbano e social e usar a Estação Ferroviária para criar um “Centro Histórico e Cultural de Eventos“.
Quem se elegeu foi Suéllen Rosim (Patriota). Em seu plano de governo, não há proposta que mencione o prédio.
Leia em: https://jornaldois.com.br/planos-candidatos-prefeitura/
9 – Sob os trilhos, a história indígena
Não dá pra falar sobre as estradas de ferro sem mencionar a história das populações indígenas. Em entrevista ao J2, o historiador Irineu Nje’a lembra que “Bauru tem uma memória de sangue. Isso se inicia com a chegada dos não indígenas no Centro Oeste Paulista e principalmente com a construção da ferrovia Noroeste, que agora está sucateada”. O historiador explica que os responsáveis pela construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil contratavam “brugueiros”, pessoas encarregadas pelas perseguições e assassinatos dos povos originários, já que estes eram vistos como ameaça à construção da ferrovia.
Leia em: https://jornaldois.com.br/por-baixo-dos-trilhos-a-historia-indigena-bauruense/
10 – Viva, Roque Ferreira!
O ferroviário, militante socialista, pai, marido e amigo Roque Ferreira morreu em decorrência da Covid-19 no dia 4 de setembro de 2020. No dia seguinte, seus familiares, conhecidos e companheiros fizeram uma homenagem em Bauru. A carreata saiu do Bar do Genaro – estabelecimento de seu amigo de longa data Fabrício Genaro e que Roque frequentava – seguiu para o Hospital da Beneficência Portuguesa, de onde passou a acompanhar o carro funerário até o cemitério do Ypê.
Roque era colunista do jornal e apoiou esse trabalho desde o seu início em 2017. Ele representa a figura do incansável trabalhador das estradas de ferro do país. Hoje, no dia das e dos ferroviários, e sempre, Roque Ferreira, Presente!