Cultura sucateada e a reinvenção do artista
Pandemia e falta de incentivo ao setor obrigou trabalhadores das Artes recorrerem ao subemprego. Para lutar contra isso, é preciso consciência de classe e se apropriar do que é nosso por direito. Inscrições para o Programa de Estímulo à Cultura estão abertas até 15 de outubro
Publicado em 8 de outubro de 2021
Por Cátia Machado*, colunista do J2
“A primeira que parou e a última que vai voltar”. Assim, a classe artística percebeu sua capacidade de trabalhar, em tempos pandêmicos. Aos poucos, possibilidades voltam a se apresentar, ainda que precárias, com a reabertura dos bares e espaços culturais, e já num contexto totalmente diferente daqueles de 2019 e início de 2020.
A vacinação vem produzindo os efeitos esperados, com base nos dados científicos, mas as pessoas já não são as mesmas. Vulnerabilidade nos empregos formais, informalidade levando trabalhadores ao adoecimento, a pobreza batendo às portas de uma antiga classe média, enquanto os mais pobres se tornam miseráveis.
Quando se tem um galo que canta todas as manhãs, de um lado, e uma família com fome, de outro, escolhas precisam ser feitas. Ou se ouve o canto, ou se mata o galo para comer. É um ditado que minha vó dizia. Vejo como uma boa analogia destes tempos em que vivemos. Não que antes ele não fizesse sentido. Mas, hoje, tudo é mais! A fome mata a Arte!
Me refiro, quando digo que tudo é mais, às desigualdades. Nem todos empobreceram. Ricos estão cada vez mais ricos. A administração pública arrecadou mais do que nos exercícios anteriores e basta ler o Diário Oficial (D.O.) de Bauru para confirmar esta informação. Mas, quem lê? Esse documento vira embrulho sem ser lido, meu povo.
Toda esta fala, na verdade, tem uma intenção: um novo olhar sobre a necessidade de se reinventar do artista. Muitos sucumbiram ao “uberismo”, na mesma ideia do galo cantor que foi para panela. Nenhum julgamento cabe aqui, pois cada um sabe onde aperta o seu calo.
O D.O. bauruense, porém, depois de meses de falta de ações práticas por parte da Secretaria de Cultura (na gestão de 2021), começou a disponibilizar algumas políticas de ação cultural. Com críticas e justificativas por todos os lados, mobilização da classe artística com o movimento que ganhou as páginas dos jornais e as redes sociais (“Silêncio, a Cultura dorme”), agora chegou o momento de agir.
Muitos artistas que já trabalhavam com editais, para seus próprios projetos, estão entrando com serviços de apoio e escrita de projetos para outros artistas que não têm esta experiência. É um nicho para incrementar a renda, tanto de quem atua como produtor, quanto do artista novato nas disputas por verbas públicas.
O lado mais que positivo deste “novo normal” é abrir a percepção de que produzir arte e receber a remuneração por este trabalho, através de impostos pagos, cidadãos que somos, e retornando em forma de obras e projetos para o público, para o povo, é um direito do trabalhador da Cultura, enquanto classe.
Há muito tempo não se via o engajamento desta classe artística, nestas terras bauruenses! Quiçá se viu, em algum outro momento histórico da cidade, envolvendo tantas linguagens, como música, teatro, circo, literatura, artes plásticas, produção audiovisual, hip hop, culturas populares e dança.
Estas expressões são representadas nas oito cadeiras das Artes, do Conselho Municipal de Políticas Culturais. Aliás, órgão pelo qual houve uma saudável disputa eleitoral e construções de representatividade, mesmo que ainda longe do que seria o ideal.
Como já disse a secretária de Cultura Tatiana Sá, em reunião da Comissão de Cultura da Câmara Legislativa de Bauru, recentemente: “eu estou aprendendo”, quando questionada sobre possível amadorismo na condução da pasta. A resposta da classe artística pode ser a mesma! Também estamos aprendendo! Até anteontem, sequer nos víamos como classe. E, até ontem, tínhamos na artista que ocupa o cargo de secretária uma colega de luta. Hoje, as coisas não são bem assim e não nos iludamos quanto a isto.
No entanto, tanta luta morre na praia se a gente deixar o cavalo passar selado na nossa frente e não pularmos nele. As verbas são muito inferiores ao que acreditamos ser o justo, mas é nossa e devemos nos apropriar delas! Este é um dos aprendizados. Outro, é que não fazemos nada sozinhos! Ou trabalhamos coletivamente, ou o que está ruim pode ficar pior.
Ainda tem as filas da cesta básica, com os voluntários, grupos organizados, igrejas ou na Secretaria do Bem Estar Social (SEBES) pra recorrer. Ainda tem os serviços de motoqueiros e entregadores de delivery e as empresas de cobrança para “subempregar” tantos de nós. Mas, quando tudo isso passar, se a gente não aprender sobre consciência de classe, luta por direitos, e do poder destrutivo que tem um voto errado a cada dois anos, de nada terá servido toda esta dor, sofrimento, nem a resistência para sobrevivermos em tempos atípicos.
Na prática deste discurso, deixo a dica: está aberto o prazo para inscrições no Programa de Estímulo à Cultura, até 15 de outubro de 2021.
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Para quem não me conhece, muito prazer!
Eu sou a Cátia Machado, artista da música, mãe de três filhos, funcionária pública, sindicalista, progressiva, com formação em Design e uma curiosa buscadora em outras tantas áreas, como literatura, teatro, magia, espiritualidade, produção, educação, ciências, filosofia, artes manuais, meio ambiente, política, boa de cozinha e melhor ainda de conversa.
Nos conectamos, neste primeiro texto e, se tudo correr bem, seguimos trocando por aqui no Jornal Dois – o jornalismo que eu respeito!