Às vésperas de fim de ano, nove famílias deixam o Assentamento Luiz Beltrame sob pressão judicial

Localizado em Gália, a 60 km de Bauru, assentamento produz alimentos orgânicos e possui experiência com agroecologia; ação de reintegração de posse atende aos interesses do ex-proprietário de terra Jorge Ivan Cassaro, empresário e  atual prefeito de Jaú

Publicado em 14 de dezembro de 2021

Pressionadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), famílias que optaram por sair do assentamento receberam promessas como reassentamento em 90 dias e casas com eletricidade (Foto: Coletivo de Comunicação MST São Paulo)
Por Victória Ribeiro
Edição de Joyce Rodrigues

Pressionadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), nove famílias foram retiradas do Assentamento Luiz Beltrame, localizado em Gália, nesta terça-feira (14). A ação de reintegração de posse atende aos interesses do ex-proprietário da terra, Jorge Ivan Cassaro, empresário e atual prefeito de Jaú.

 

Com patrimônio avaliado em R$20 milhões e com histórico de candidatura impugnada por abuso de poder nas eleições de 2016, o empresário já havia protagonizado ação de despejo das 17 famílias residentes no local em maio de 2020. Em agosto do mesmo ano, após mobilização dos moradores do assentamento e entidades contrárias à ação, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) suspendeu a ordem de reintegração de posse. 

 

Criado em outubro de 2012, o Assentamento abriga 77 famílias de produtores rurais nas áreas que pertenciam a duas propriedades: a Fazenda Portal do Paraíso, desapropriada por crime ambiental, e a Fazenda Santa Fé (Recreio Gleba 3), desapropriada por improdutividade. As duas fazendas são vizinhas e se localizam entre os municípios de Gália e Ubirajara.

A Fazenda Santa Fé, que protagoniza a disputa judicial, comporta 17 famílias. As demais estão na área da Fazenda Portal do Paraíso. Dessas 17 famílias, 8 decidiram continuar no assentamento, contrariando a ação do Incra deste ano. 

De acordo com Márcio José, membro da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e morador do Luiz Beltrame, a reintegração é inconstitucional por não respeitar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que no início de dezembro estendeu até 31 de março de 2022 as regras que suspendem despejos e desocupações em áreas urbanas e rurais em razão da covid-19.

Segundo o morador, as famílias que optaram por sair do assentamento, receberam promessas de reassentamento em 90 dias, casas com eletricidade e concreto, o que na opinião dele, são “promessas infundadas”. “Na nossa avaliação enquanto MST é que não existe lógica em remover um assentamento na véspera de natal. É desumano. Estamos falando de um assentamento consolidado a quase 10 anos, com uma comunidade já cristalizada no território. E ao invés do Incra defender as famílias, assumiu a bandeira do despejo”, afirmou.

No site oficial do MST Brasil, o movimento reivindica a suspensão imediata da remoção das famílias por parte do INCRA e a manutenção de suas moradias, estabelecidas desde 2012. De acordo com o movimento, a remoção das famílias após a oficialização do assentamento abre “precedentes muito graves nos direitos fundamentais das famílias assentadas de todo o Brasil”.

Transformação do solo

Em matéria publicada pelo Jornal Dois, em maio de 2020, falamos sobre a produção de alimentos orgânicos produzidos pelo Luiz Beltrame. Em oito anos de existência, as famílias do assentamento conseguiram recuperar o solo considerado “improdutivo” e de “qualidade paupérrima” pela Justiça durante o processo de desapropriação da Fazenda Santa Fé.

Na época, os dados do MST da safra de 2018 apurados pelo J2 apontavam a comercialização de 100 cabeças de gado, 300 toneladas de mandioca pré-cozida, 50 mil dúzias de milho verde, entre outras variedades de produtos como feijão, quiabo, hortaliças e frutas.

Toda semana a produção do assentamento é comercializada nas cidades de Bauru e Marília, em cestas com alimentos orgânicos (Foto: Matheus Alves)

De acordo com os produtores do Luiz Beltrame, a pandemia gerou uma busca maior pelo consumo de orgânicos na cidade de Bauru. Durante a quarentena, os pedidos de alimentos comercializados pelos produtores tiveram um aumento significativo.

Em janeiro de 2021, os produtores voltaram a comercializar os produtos na cidade. A produção e a venda de alimentos orgânicos gera renda para diversas famílias do assentamento e trabalho para pessoas de cidades vizinhas, como Gália e e Ubirajara.

“É um assentamento altamente viável do ponto de vista econômico e do ponto de vista social. Isso quer dizer que o despejo das famílias é um retrocesso não só na política de reforma agrária mas um retrocesso da situação socioeconômica do município”, defende Márcio.

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