Ação arrecada mais de 4 mil reais para assentamento Primavera
11 famílias receberam lonas de proteção contra as fortes chuvas do início do ano; iniciativa solidária coletou doações no final do ano passado
Publicado em 25 de janeiro de 2021
Por Camila Araujo
Edição Bibiana Garrido
Uma ação promovida por um grupo de entidades, sindicatos, partidos, coletivos, e que contou com apoio e divulgação do Jornal Dois, arrecadou cerca de R$4.380 para comprar lonas a famílias do assentamento primavera. A iniciativa contemplou 11 lares mais afetados e coletou doações durante todo o mês de dezembro.
Quando chega a época de chuva, a falta de estrutura nos bairros, acampamentos e ocupações escancara os perigos à vida e à saúde. São riscos de desmoronamento, friagem, umidade e demais problemas que impactam a moradia e pertences dessas famílias. No dia 27 de novembro, o Assentamento Primavera localizado atrás do Cemitério Cristo Rei – região do Parque Roosevelt e Fortunato Rocha Lima, sentiu o peso da “aguaceira” que sucedeu uma tarde abafada.
No dia 27, o Assentamento Parque Primavera, localizado atrás do Cemitério Cristo Rei – região do Parque Roosevelt e Fortunato Rocha Lima, sentiu o peso da “aguaceira” que sucedeu uma tarde abafada.
A chuva acabou destruindo alguns barracos do local. Cicera do Nascimento é moradora assentada e contou à reportagem do J2 que perdeu telhas e colchão, além de outros pertences pessoais e materiais.
No meio da tempestade, a situação mais dramática foi o medo da filha ser atingida pelas telhas que caíam do teto do barraco. Cicera conta que jogou a menina para debaixo da cama e a protegeu com seu corpo, enquanto mãe e filha aguardavam por ajuda.
Diante da emergência, a resposta do poder público
Depois do temporal naquela semana, a prefeitura enviou sacos pretos para as famílias do assentamento. Segundo moradores, os plásticos eram finos e não seriam capazes de proteger os barracos da água. A previsão é que as chuvas de verão continuem até fevereiro.
“O papel da prefeitura é não deixar essas situações acontecerem, as catástrofes são na verdade consequências de decisões políticas”, comenta Renata Ribeiro, servidora pública e presidente do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) na cidade.
Desigualdade e ação coletiva
É na ausência da atuação do poder público que surgem as ações solidárias. Tauan Mateus é um dos articuladores da ação no assentamento Primavera. Ele é professor de História e membro do Coletivo Chão de Giz, e defende que a solidariedade significa uma relação de apoio entre trabalhadores. Ele explica que “trata-se de estarmos juntos na luta por direitos”, comenta, “uma vez que estamos em uma sociedade com expressiva desigualdade social”.
O professor ilustra a desigualdade que se sobrepõe não apenas em questão financeira, mas de acesso a direitos básicos: “Tem bairros e condomínios fechados esbanjando seus conversíveis, enquanto em outros, tem lama, falta de saneamento, falta de água, e até falta de teto como no Parque Primavera”.
Em conversa com o Jornal Dois, José Xaides, professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual Paulista (Unesp), lembra que Bauru reproduz o modelo de desigualdade na distribuição de renda e no acesso aos bens: cerca de 20 % da população mais pobre detém 9% da renda da cidade e aproximadamente 20% dos mais ricos se apropria de 42% dessa riqueza.
“A zona centro-sul da cidade, provida de infra estrutura e demais serviços, assegura melhor qualidade de vida, onde concentram-se os domicílios com renda maior que 15 salários mínimos. Tem-se, assim, um bolsão de riqueza cercado de ampla extensão de exclusão”.
Como surgiu o assentamento
As famílias assentadas no Parque Primavera foram expulsas do antigo assentamento Nova Canaã, em 2019, após uma ação de reintegração de posse e o descumprimento de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) por parte da Prefeitura de Bauru. O acordo havia sido assinado no início de 2018 e garantia a permanência das famílias no Canaã por mais três anos. A terra está localizada perto do Instituto de Pesquisas Meteorológicas (IPMET) da Unesp, e já tinha casas de alvenaria construídas pelas famílias. No início do ano seguinte, um questionamento do proprietário da terra e imobiliário João Parreira resultou na reintegração. Parreira tem dívidas com o município naquele lote.
No vídeo abaixo, o J2 mostrou a desocupação do Nova Canaã em junho de 2019.
A promessa de uma infraestrutura básica no Primavera, feita pelo então prefeito Clodoaldo Gazzetta (PSDB) na tentativa de amenizar a situação, também não foi cumprida.
Quando há alagamento, os dejetos do cemitério Cristo Rei e o próprio esgoto da comunidade acabam se espalhando pelas ruas de terra e entre as casas.
Exercício da solidariedade
“Para a classe trabalhadora não há outra saída se não a solidariedade de classe”, aponta Tauan Mateus. Segundo ele, “todos gostariam de viver em uma sociedade em que há riqueza comum e que os trabalhadores sejam donos dos meios de produção. Mas enquanto isso não se efetiva, a organização dos trabalhadores, a lenta constituição de uma consciência de classe e o exercício cotidiano da solidariedade são formas de nos fortalecermos”.
O cenário da desigualdade se agrava a partir do que ele chama de “crise estrutural do capitalismo”, potencializado pela pandemia do novo coronavírus. O professor conclui que esse contexto produz “ainda mais miséria” aos trabalhadores, e que por isso, as ações de solidariedade deverão ser mais frequentes.