Bauru Shopping descumpre fase vermelha e funciona de forma clandestina
Lojas abertas, clientes que transitam nos corredores e possibilidade de consumir produtos: foi o que viu a reportagem do Jornal Dois no estabelecimento; prefeitura diz que vai averiguar situação
Publicado em 17 de fevereiro de 2021
Por Camila Araujo
Contrariando o Plano São Paulo, que estabelece diretrizes a serem seguidas em todo o estado para mitigar o avanço da covid-19, o Bauru Shopping está com as portas abertas e lojas funcionando de forma clandestina, conforme apurou o Jornal Dois com exclusividade. A cidade está na fase vermelha, que permite apenas o funcionamento de atividades essenciais, o que não inclui shopping centers.
São 56 itens de serviços considerados essenciais durante o enfrentamento ao coronavírus, de acordo com decretos do governo federal.
Funcionamento discreto
Chegou ao J2 o relato de que para entrar no shopping essa semana bastava assinalar ao segurança do estabelecimento o objetivo de “ir na lotérica”. O empregado autorizaria a entrada e, a partir daí, seria possível fazer compras nas lojas que estivessem abertas. A reportagem apurou a informação e testemunhou um cenário um pouco diferente: nenhum trabalhador, segurança ou recepcionista cobrou explicações na entrada. Qualquer pessoa entra.
No lado de dentro, o funcionamento é parcial e diversificado. Enquanto algumas lojas estão abertas de forma escancarada — é o caso da Kalunga e da CaseStore, por exemplo —, outras têm suas portas parcialmente fechadas, com uma fresta aberta indicando que é possível comprar produtos ou adquirir serviços ofertados. É o caso de Casas Bahia, Lupo, Polishop, Casa Carvalho, Musa, Chilli Beans, Boticário, Melissa, entre outras. Foi possível, em algumas delas, ver clientes comprando do lado de dentro do estabelecimento.
Para comer ou beber, McDonald ‘s, Spoleto, Pizza Hut, Claudinho do Churros, Café do Feirante, Suco Bagaço, Starbucks e Montana Grill são algumas das opções no cardápio. Outros restaurantes na praça de alimentação estão fechados e as mesas e cadeiras estão com acesso interditado. De acordo com a prefeitura, “os restaurantes dentro do shopping podem estar abertos, mas apenas para entregas”.
Nos corredores, o público, embora reduzido, transita pelos três andares do estabelecimento comercial. Um casal com idade avançada, que se enquadra no chamado grupo de risco, olha para a vitrine da Exposição Itinerante do Museu Histórico e Militar de Bauru.
Na entrada de uma loja com portas abertas, uma mesa sustenta uma placa em que é possível ler: “esse estabelecimento tem capacidade máxima para receber 2 pessoas por vez”. Ao lado, também sobre a mesa, dois recipientes de álcool em gel estão expostos para a utilização dos clientes. Nos três itens há o logo do sindicato patronal do comércio de Bauru e Região, o Sincomércio.
Nesse estabelecimento, a reportagem perguntou à vendedora se era preciso agendar um horário para ter acesso ao serviço oferecido no local. A resposta foi negativa. “Basta chegar. Estamos abertos das 10h às 20h”, disse.
Ao acessar o site do Bauru Shopping é informado que “em função das novas diretrizes legais, o Bauru Shopping está fechado temporariamente”. “Continuamos atendendo por delivery e WhatsApp.”
Idas e vindas
A nova classificação do Plano São Paulo colocou Bauru de volta à fase vermelha desde o dia 25 de janeiro. No domingo, 24, a prefeita Suéllen Rosim (Patriota), publicou um decreto que descumpria as orientações do plano, permitindo o funcionamento de atividades não essenciais durante 10 horas diárias, de segunda-feira a sábado, com encerramento das atividades às 20h. A ocupação dos estabelecimentos não poderiam ultrapassar até 30% da capacidade máxima. O decreto também estabelecia que o Zoológico, o Jardim Botânico, o Horto Florestal e o Bosque da Comunidade não funcionariam.
Em 29 de janeiro, decisão provisória proferida pelo desembargador Fernando Antônio Ferreira Rodrigues, relator do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de SP, estabeleceu que as atividades econômicas deveriam observar “o tempo e o modo estabelecidos na legislação estadual, até decisão definitiva da ação.”
Um decreto municipal acatando as regras foi publicado no mesmo dia, e o executivo local se posicionou: “Estou de mãos atadas”, disse Suéllen em vídeo publicado na sua página do Instagram.
No dia 3 de fevereiro, a Câmara aprovou o Projeto de Lei 24/2021, que colocava como atividades essenciais academias, comércio varejista, bares e restaurantes, salões de beleza, cabeleireiros, barbearias e manicures, shoppings e praças de alimentação, escritórios e empresas de advocacia, contábil, imobiliário, corretagem de seguro e empresas de tecnologia, esporte de alto rendimento que disputem campeonatos nacionais, estaduais e internacionais e Poder Legislativo. A medida foi sancionada pela prefeitura por meio da Lei Municipal 7.435.
Menos de uma semana depois, a cidade teve que recuar e cumprir as restrições estabelecidas pelo Plano São Paulo, que ainda estão em vigor. Em decreto publicado no dia 9, ficou pontuado que a legislação anterior “foi considerada ineficaz no que contrasta com o estabelecido no Plano São Paulo”. Com isso, voltou a ser proibido o funcionamento de shopping centers.
O que acontece
Conforme explicou Guilherme Bittencourt, advogado e ex-presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal na OAB de Bauru, o decreto não estabelece uma “norma criminal” para o descumprimento das regras estabelecidas no documento, mas traz consequências administrativas como a multa e a suspensão do estabelecimento.
Para o advogado Victor Almeida, o decreto não é muito claro em relação às consequências e elas “podem ser extremamente amplas”: costumam variar entre uma advertência por escrito, multas de R$ 5 mil e R$ 300mil, e até a interdição do estabelecimento e cassação dos alvarás de funcionamento.
Segundo a norma, “o descumprimento das proibições e o não atendimento às obrigações impostas para a quarentena de que tratam o presente Decreto poderão resultar em advertência, imposição de multa, interdição e cassação do alvará, além da aplicação de medidas cíveis e criminais cabíveis, nos termos da legislação vigente”.
Bittencourt pontua que estabelecimentos que descumprem as normas podem ser enquadrados em dois artigos do Código Penal: no artigo 330, que trata do crime de desobediência, ou no artigo 268, que trata da propagação de doença contagiosa.
No caso do Bauru Shopping, o local poderá responder solidariamente por não fiscalizar as lojas, explica o advogado. “O shopping responde pelos lojistas por autorizar a abertura, mas os lojistas são os principais responsáveis pelo descumprimento de medidas”, pontua. A responsabilidade solidária ocorre quando mais de um ator responde por determinada infração.
Fiscalização
“Os fiscais da Prefeitura irão ao local citado para verificar se as lojas estão respeitando as regras do Plano SP. Caso não estejam, serão notificados e, na reincidência, serão multados”, disse a Prefeitura em nota enviada ao Jornal Dois.
O Setor de Fiscalização da Prefeitura, centralizado na Secretaria de Saúde, tem atuado em dois períodos do dia e aos finais de semana e feriados. O objetivo é coibir eventos que provocam aglomerações ou quaisquer outras ações em descumprimento das normas sanitárias, segundo a municipalidade. No mês de janeiro, de acordo com dados do executivo, foram 366 denúncias atendidas, e 500 fiscalizações realizadas.
“Os fiscais orientaram verbalmente 54 estabelecimentos e, posteriormente, aplicaram 10 Autos de Infração e 3 multas. Os estabelecimentos autuados foram duas farmácias, um restaurante, um bar e um supermercado, por não controlarem o acesso de público; duas lanchonetes, dois call centers e a sede de uma torcida organizada por aglomeração de pessoas e falta de máscara. Foram multados um banco, uma clínica médica e uma lanchonete por não realizarem controle de acesso de público e permitir aglomeração de pessoas.”
Covid na cidade
Bauru tem mais 27 mil casos positivos de covid-19 registrados e uma taxa de 7,13% de contaminação entre a população local. Na semana passada, entre 9 e 15 de fevereiro, a cidade registrou o segundo maior índice de mortes por covid-19 desde o início da pandemia. Foram 19 ocorrências e a maior parte dos óbitos foi entre pessoas de 60 e 69 anos.
Os leitos de UTI seguem com números altos de ocupação: desde 16 de janeiro, os índices estão acima dos 90%. Atualmente a taxa é de 98% na cidade, e 101% na Diretoria Regional de Saúde de Bauru (DRS-VI).
O Jornal Dois solicitou um posicionamento do Bauru Shopping. Em nota, o estabelecimento nega que esteja “desrespeitando qualquer preceito legal”.
Confira a nota na íntegra:
Nota Oficial de esclarecimento
Ao Jornal Dois,
O Bauru Shopping esclarece que NÃO ESTÁ DESCUMPRINDO qualquer
preceito legal. O Bauru Shopping tem, sempre, se mostrado
amplamente preocupado com todas as normas de segurança e
higienização, tendo implantando, desde o início, rígidos protocolos,
sempre preocupado com a saúde e o bem-estar de seus colaboradores,
lojistas e clientes.
Nesta fase em que nossa região se encontra, dentro do Plano São
Paulo, o Bauru Shopping está operando APENAS POR DELIVERY E
RETIRADA NO SHOPPING, de produtos já previamente comprados em
suas lojas de forma online ou por telefone.
Atendendo às Leis em vigor, o Bauru Shopping mantém, atualmente,
suas portas abertas APENAS PARA ACESSO ÀS LOJAS ESSENCIAIS. As
demais lojas estão operando por delivery ou retirada no shopping, de
vendas realizadas por telefone ou de forma online. NENHUM CLIENTE
ENTRA EM LOJAS QUE NÃO SEJAM LEGALMENTE CONSIDERADAS
ESSENCIAIS.
Toda nossa equipe e o staff das lojas seguem rígidas normas de
higiene, estando todo o tempo com máscaras e entregando os produtos
sempre higienizados com álcool 70%.
Cordialmente,
Bauru Shopping Center – Administração
Atualizado às 22h32 do dia 17 de fevereiro de 2021.