Greve dos professores: “Conteúdo das aulas se recupera, a vida não”
Paralisação da rede estadual completou uma semana; taxa de adesão da categoria permanece em 20%
Publicado em 16 de fevereiro de 2021
Por Camila Araujo
“Desejamos e defendemos o retorno das atividades presenciais, mas nesse cenário de abandono das escolas, sabemos que isso significará mais mortes por coronavírus. Conteúdo das aulas se recupera, a vida não”, afirmou Marcos Chagas, professor e coordenador regional do Sindicato dos Professores da Rede Estadual (Apeoesp), subsede de Bauru. A declaração foi feita na tribuna da Câmara Municipal no dia 8 de fevereiro e marcou o início da greve sanitária dos educadores e das educadoras da rede estadual.
O ano letivo escolar também começou, com restrições, em 8 de fevereiro. Do total de alunos, 35% puderam frequentar as escolas presencialmente, seguindo os protocolos de biossegurança determinados pela Secretaria de Educação de São Paulo. De acordo com dados da Apeoesp, cerca de 5% dos estudantes de fato compareceram. No caso dos estudantes em recuperação que tiveram notas baixas em 2020, as atividades presenciais começaram antes, em 4 de janeiro.
Pauta única
Aumento do piso salarial, diminuição da jornada de trabalho, melhores condições materiais, e redução do número de estudantes em sala de aula são algumas das pautas históricas dos educadores e das educadoras, lembra Carlos Quagliato, professor de matemática nas escolas estaduais Professor Ayrton Busch e Vereador Antônio Ferreira de Menezes. Agora, todas as exigências foram momentaneamente deixadas de lado em prol de uma única reivindicação: “A greve pela vida”, explica o educador. O retorno presencial, pontua, “põe em risco a vida dos trabalhadores da escola e da sociedade em geral”.
A vacinação está atrelada à pauta da paralisação em curso. Em dezembro passado, Professora Bebel (PT), deputada estadual e presidente da Apeoesp, pediu a João Dória (PSDB), governador de São Paulo, que professores e professoras fossem colocados nos grupos prioritários para receber a vacina contra o novo coronavírus. A solicitação se baseou na metodologia adotada pela campanha de vacinação contra a gripe (influenza), que até 2019 considerava a categoria como prioridade.
Greves são garantidas pela Constituição Federal e pela Lei 7.783/1989. Em geral, as paralisações são motivadas por pedidos de reajuste salarial. Em situações de insegurança no ambiente de trabalho, os empregados ou funcionários podem instalar a chamada “greve ambiental” ou “greve sanitária”, como foi batizada a paralisação que acontece em São Paulo.
“Total apoio a quem vai paralisar”
O Jornal Dois conversou com um professor da rede pública que não vai aderir à paralisação e que prefere não ser identificado. Questionado sobre seu posicionamento em relação à greve, ele pondera: “Não tem nem como ser contrário, porque estamos sendo submetidos a trabalhar no pior momento da pandemia”.
Embora favorável à greve, o profissional explica que é trabalhador da “Categoria O”, um tipo de contrato temporário que não possui a mesma estabilidade garantida aos professores e professoras efetivos. Por esse motivo, se sente inseguro em participar da paralisação. Mas pontua esperar que ela cresça e “que os efetivos consigam conquistar direitos”.
Profissionais da “Categoria O” não são efetivados e devem renovar o contrato de forma anual. Trata-se de um contrato temporário que surgiu em 2009 por um decreto de José Serra (PSDB), então governador de São Paulo.
No prédio da escola em que trabalha, ele conta que há salas sem janelas e que já ocorreram episódios de enfrentamento em que foi necessário “obrigar alunos a usarem máscara”.
Contaminação
A Apeoesp está fazendo um levantamento dos casos de contaminação pela covid-19. De acordo com o sindicato, Bauru tem 11 ocorrências de contaminação em seis escolas da cidade. O quadro envolve apenas profissionais que estão atuando de modo presencial durante a pandemia.
Outro episódio que chamou a atenção de professores e professoras aconteceu na Escola Estadual Antonio Jorge Lima. Segundo relato de um professor que prefere não ser identificado, a situação ocorreu no final do mês de janeiro, quando aconteciam as reuniões de planejamento escolar do ano letivo de forma presencial.
A professora contaminada teve uma atitude “irresponsável”, contou, ao omitir que havia testado positivo: ela estava com medo de ficar com falta e não receber o pagamento. De acordo com o professor, a Diretoria de Ensino “não fez nada” e não permitiu que a escola fechasse naquele dia.
A Secretaria de Educação informou ao J2 que “a professora se sentiu mal, abonou e recebeu o teste positivo”. Segundo a assessoria, todos os funcionários que tiveram contato com a educadora foram orientados ao teletrabalho, mas outros professores continuaram as reuniões presenciais de planejamento porque “não houve contato próximo, a menos de 1,5m, com a professora contaminada”.
Adesão
A expectativa da Apeoesp é de que a adesão à greve aumente. Em Bauru, escolas como Stela Machado, Arminda Sbrissia Irma, Prof. Ayrton Bush, Vereador Antonio Ferreira de Menezes, Ernesto Monte, Dr Luiz Zuiani, Profa. Vera Campagnani, Padre Antonio Jorge Lima, e Profa. Ada Cariani Avalone já têm em seus quadros trabalhadores que aderiram formalmente à paralisação. De acordo com o sindicato, a maioria das 57 escolas estaduais que existem na cidade já tem pelo menos um professor ou uma professora em greve. “Algumas têm dois ou três”, informa.
A próxima assembleia da categoria acontece no dia 19 de fevereiro.
Posicionamento
A Prefeitura de Bauru informou ao J2 que não vai se manifestar sobre a paralisação de professores e professoras, por se tratar de uma greve da rede estadual.
O J2 entrou em contato com a Secretaria de Educação de São Paulo. Até a publicação desta reportagem não houve resposta.