Volta às aulas: “Quem vai se responsabilizar quando houver a primeira morte?”
Em resposta à pressão de movimentos pela volta das aulas presenciais, entidades se mobilizam; representantes questionam pela responsabilidade em caso de mortes; primeiro encontro foi marcado pela preocupação com o avanço da pandemia na cidade e pela organização do Movimento Pela Educação e Pela Vida
Publicado em 14 de janeiro de 2021
Por Camila Araujo
Representantes de pelo menos 20 entidades relacionadas à educação reuniram-se nesta terça-feira (12) para discutir o possível retorno das aulas presenciais em Bauru. Organizado pela Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), o encontro virtual contou com mais de 40 pessoas e buscou debater estratégias para pressionar a Prefeitura de Bauru a não autorizar o funcionamento das escolas.
Entre os encaminhamentos da reunião estão uma carta aberta para a população, a produção de podcasts informativos e manifestações em frente à prefeitura.
Cenário
Um decreto da prefeitura em vigor no município estendeu a suspensão das aulas presenciais até o dia 17 de janeiro. A movimentação nos bastidores da cidade indica que deve ocorrer o retorno das aulas presenciais. É esperada para os próximos dias a publicação de um decreto municipal estabelecendo condições para a volta às aulas. Essa é uma das pautas de campanha da prefeita Suéllen Rosim (Patriota), que pontua que a ação deve ocorrer com “responsabilidade”.
Nas redes sociais da prefeita, o assunto também é frequente. No dia 13 de janeiro, Suéllen compartilhou um vídeo de Nathali Tinoco, moradora de Bauru, dizendo “eu não quero aula apenas duas vezes na semana, quero aula todos os dias”. Ela segurava uma criança no colo e afirmava “eu preciso trabalhar”. A moradora ainda comunicou no vídeo a seguinte informação: “tanta criança na rua, ninguém pegou covid, pelo amor de Deus não vai ser agora que alguém vai pegar”.
De acordo com os boletins epidemiológicos divulgados pela prefeitura, foram pelo menos 431 casos positivos registrados entre crianças de zero a nove anos. Na faixa etária de 10 a 19 anos, foram 1149 registros confirmados.
Ao compartilhar a imagem de Nathali, a prefeita comentou: “Entendo sua aflição. Estamos finalizando o novo decreto sobre a retomada de aulas”.
Mais tarde no mesmo dia, Rosim compartilhou que “as aulas serão retomadas independentemente da vacina!”
Câmara também discute volta às aulas
Na Câmara Municipal, a vereadora Chiara Ranieri (DEM) tem sido linha de frente no movimento do “volta às aulas já!”, promovendo reuniões para discutir o tema.
No início de dezembro, Chiara iniciou uma série de reuniões e audiências públicas, em que estiveram presentes, além de entidades públicas, representantes do setor privado. A vereadora é proprietária, junto com sua família, da FIB (Faculdades Integradas de Bauru) e da escola Domus Educandi. A mais recente reunião ocorreu no dia 6 de janeiro.
Para Sebastião Macalé, professor e presidente do Sindicato dos Professores de Escolas Particulares de Bauru (Sinprobau), as escolas particulares estão fazendo uma pressão “enorme” sobre o poder público, os pais e professores pelo retorno das aulas.
Ele conta que, embora tivesse feito o pedido, sua solicitação para o direito de fala na reunião não foi atendida. Outras pontuações feitas por Sebastião dizem respeito à escolha da ordem de falas, que segundo ele, foi “aleatória”, não atendendo ao critério que coloca instituições e entidades em primeiro lugar, para depois abrir espaço a movimentos, grupos da sociedade civil e particulares.
Segundo o professor, não pode haver convocação de funcionários nas particulares em momento de recesso e férias, nem a demissão de professores depois do início do recesso, conforme negociação coletiva da categoria. “Se demitir em janeiro tem que pagar o semestre inteiro”. Caso isso ocorra, o sindicato deve ser acionado para aplicar uma multa.
A vereadora Estela Almagro (PT) pontuou que não era do interesse do município ouvir um técnico de Brasília por 30 minutos discutindo questões de Bauru. Álvaro Domingues, representante do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal, participou do encontro a convite do legislativo. Ele trouxe exemplos que foram aplicados na capital federal, que está a 900 km de Bauru.
“Ficou visível que havia um interesse na condução da reunião”, pontuou a parlamentar, ressaltando que “foram importantes as falas que traziam dados e não opiniões”. Na segunda semana de janeiro, entre os dias 5 e 11, 888 novos casos de covid-19 foram registrados na cidade, o que representa um aumento de 64% em relação à semana anterior. A taxa de ocupação dos leitos de UTI também vem subindo, e atingiu 90% dos leitos disponíveis, na última segunda-feira (11). Os óbitos seguem ritmo parecido. Desde o início de 2021 foram 21 mortes registradas na cidade.
“A questão agora é sobre a vida das crianças”, lembra Almagro. Divergindo do que pontuou o secretário da Saúde e vice-prefeito do município Orlando Dias, ela apontou que as coisas não estão sob controle. “Só se estiver sob o controle da Covid”, ironizou.
Para Maria José dos Santo, a Masé, vice-presidente do Sindicato dos Supervisores de Ensino do Magistério Oficial no Estado de São Paulo (APASE) e do Conselho Municipal de Educação, “parece que vereadora Chiara tem feito reuniões para achar um consenso e atender ao segmento do qual ela faz parte: as escolas privadas”.
Segundo Masé, não seria justificável uma vereadora utilizar a estrutura pública para defender o interesse privado, algo que fica claro ao privilegiar a fala dos convidados da vereadora: representantes da esfera educacional privada, deixando de chamar outros participantes para a palavra, “como por exemplo a representante dos diretores das escolas estaduais e o representante dos professores da escola privada”, aponta.
Eduardo Carrijo, representante do setor da indústria de artigos escolares, de papelaria e livrarias, utilizou o espaço da reunião mediada por Ranieri para fazer um alerta: “Temos que ter sim uma preocupação com a vida, mas não podemos ficar totalmente paralisados. É preciso olhar para a engrenagem da cidade, que é essa característica de ser uma prestadora de serviços educacionais, custo bem elevado do ponto de vista econômico”.
“É aceitável que pessoas morram?”, indagou Maria José, na reunião desta semana.
Marcos Chagas, coordenador regional da Apeoesp, frisou que o contingente que movimenta as escolas em Bauru equivale a 70 mil pessoas. Ele lembra que o cenário nas escolas municipais e estaduais é de precarização. Em reunião na Câmara, ele pontuou: “Nós somos uma das categorias que mais adoece no estado, depois dos policiais, por conta das escolas, das condições de trabalho que são insalubres desde antes da pandemia”.
Protocolos de biossegurança
Ao Jornal Dois, Maria José lembra que a segurança sanitária envolve um conjunto de indicadores: a redução do número de novos casos, o preparo de uma equipe de funcionários para evitar aglomerações, e a disponibilização de vacinas para a população.
A categoria da qual faz parte retornou ao trabalho em outubro. Ela é supervisora de ensino do Estado, e atua nas escolas estaduais da região que não possuem estrutura própria. “Moro com minha mãe de 82 anos e convivo com o medo”, declara.
Os protocolos agora estão sendo revisados, segundo nota da Câmara Municipal. Uma reunião com a secretária municipal de Educação, Maria do Carmo Kobaiashi, e vereadores, realizada ontem (13) discutiu o fato de que a rede municipal de ensino ainda não está preparada para receber os alunos com segurança, e que o retorno deve ser feito de forma gradual.
Em conversa com o J2, o presidente do Sinprobau, Macalé, alertou que não se pode generalizar: não são apenas as escolas públicas que não se adequam aos protocolos. “Algumas escolas particulares da cidade também não tem condição de atender os protocolos de biossegurança”, pontuou.
Na reunião conduzida por Chiara, no dia 4 de janeiro, o argumento dos favoráveis ao retorno às aulas presenciais era de que as escolas particulares estavam preparadas para receber os estudantes. Por esse motivo não poderiam ser penalizadas pela falta de estrutura nas escolas do município.
O que quer a população?
A última Consulta Pública, conduzida pela Câmara Municipal no Município de Bauru, concluiu que pelo menos 80% da população não é favorável ao retorno das aulas presenciais. A pesquisa foi realizada entre os dias 10 a 24 de setembro, quando a reabertura das escolas por parte do governo do Estado havia sido adiada para o dia 7 de outubro. O resultado pode ser acessado aqui.
Ano passado
Mal havia começado a pandemia, em 24 de abril, quando o governador do Estado de São Paulo, João Dória (PSDB), já anunciava que as aulas voltariam em julho do ano passado, de forma gradual e regionalizada. A decisão teve que ser postergada conforme o coronavírus avançava pelo estado. O impasse voltou a ocorrer novamente ao longo do segundo semestre.
No final de setembro, o governo estadual anunciou um decreto que permitiria a autonomia do município para o retorno. Em Bauru, um decreto permitiu a retomada de atividades presenciais na rede de escolas particulares, a partir do dia 21 daquele mês.
A Apeoesp, com o apoio do Sinserm, organizou ações em frente à prefeitura contra a decisão, nos dias 16 e 25 de setembro. Efeito disso foi um decreto publicado pela prefeitura em 3 de outubro suspendendo o retorno das aulas durante o ano de 2020.
Após as eleições municipais, em 18 de novembro, a decisão da prefeitura mudou. Clodoaldo Gazzetta, então prefeito, não reeleito, publicou um decreto permitindo o retorno das aulas presenciais já no dia seguinte, com alguns limites estabelecidos, com o máximo de 20% do contingente dos estudantes em sala de aula.